Tese de mestrado publicada agora em livro conclui que a
alternância de código linguístico de português para chinês é utilizado para
enfatizar a identidade do grupo e para transmitir solidariedade
A
mudança de código linguístico de português para chinês durante a conversação é
uma das marcas distintivas e identitárias da comunidade macaense em Macau. Essa
é a grande conclusão da tese de mestrado de Lídia Maria dos Santos plasmada
agora no livro “Alternância de Código entre o Português e o Cantonês e a
Construção de Identidade no Discurso do Macaense”, obra que foi hoje
apresentada, na Livraria Portuguesa, pelas 18h30.
“A
conclusão a que cheguei, de resto, decorrente da história da comunidade bilingue
do macaense em Macau e do seu contributo para as relações entre Portugal e a
China ao longo de quatro séculos, é que o fenómeno sociolinguístico do ‘code-swictching’
pode ser considerado como uma das marcas distintivas e identitárias da
comunidade macaense em Macau”, afirmou ao Ponto Final a autora da dissertação
defendida em 2011.
A
mestre em Estudos Linguísticos assumiu que este sempre foi o tema da sua
dissertação desde o primeiro dia a que se propôs ao grau académico. Para
realizar o seu trabalho de pesquisa, Lídia Maria dos Santos utilizou dados
provenientes de diálogos recolhidos junto de um grupo de amigas. “As
participantes tinham, na altura, idades compreendidas entre os 38 e os 41 anos,
são amigas do tempo do Liceu e tinham deixado de se ver por mais de 20 anos. O
reencontro deu-se em 2009, quando decidimos retomar o contacto através de
almoços que passaram a ter lugar uma vez por semana ao longo de ano e meio”,
explicou.
As
participantes, revela a académica, “nasceram em Macau e tiveram formação em
português desde a idade escolar”. “Das quatro participantes, três fizeram o ensino
universitário, uma em Macau, uma na China e outra em Portugal. Todas falam
português, cantonês, inglês e algumas sabem um pouco de mandarim”, revelou
ainda a autora na conversa que teve com o nosso jornal.
Capacidade de adaptação
É
há muito conhecida a capacidade de alternância entre o português e o cantonês,
e vice-versa, por parte dos macaenses, algo que os até pode tornar especiais e
capazes de se adaptarem mais facilmente às circunstâncias. Lídia Maria dos
Santos vai mais longe e fala mesmo de uma alternância que cria “uma atmosfera
mais íntima, mais pessoal”, uma vez que os macaenses, no geral, escolhem o
cantonês para “garantir a certeza de compreensão”. “O discurso do falante sobre
a forma como utiliza a língua não é, em regra, consciencializado por ele. Não
se trata, por isso, muitas das vezes de escolhas deliberadas, calculadas nem
conscientes. Também a escolha pela alternância de dois ou mais códigos
linguísticos, não é uma estratégia deliberada, mas um reflexo do mundo
linguístico e cultural em que se nasce e em que se vive quer no quotidiano da
cidade, quer na vida familiar ou na vida de trabalho”, defende a autora.
O
estudo de Lídia Maria dos Santos agora publicado num livro com pouco mais que
80 páginas tenta explicar “a partir de quadros teóricos de referência”. Para
isso, a autora dá um exemplo simples: “A língua chinesa no discurso de
intervenientes da pesquisa teve como função fundamental a expressão da
familiaridade, da aproximação, da confidencialidade; noutras situações a comunicação
em português serve para informar sobre a vida profissional, sobre alguém
conhecido”.
A
grosso modo, o que é revelado pelo estudo, é precisamente o facto do ‘code-switching’
de português para chinês ser utilizado para enfatizar a identidade do grupo e para
transmitir solidariedade, sugere a mestre em Estudos Linguísticos. “Embora
todas as interlocutoras falem fluentemente português, é o chinês a escolha
feita para garantir a certeza da compreensão. Se a garantia da compreensão é
marcada pelo cantonês, mais uma vez fica sublinhado o valor dessa língua na
construção da identidade macaense. Esta conclusão baseia-se na análise do ‘code-switching’
do português para chinês, mas se o estudo fosse do sentido inverso (i.e. do
chinês para português) acredito que a mesma realidade teria lugar”, conclui.
Sem patuá
Questionada
sobre o lugar do patuá nesta realidade, a autora revelou que não entra neste
trabalho porque as intervenientes simplesmente não sabem patuá. “Aliás o patuá
era utilizado por gerações muito anteriores à nossa e esteve até há bem pouco
tempo em vias de completa extinção”, disse.
Lídia
Maria dos Santos realça ainda que o seu trabalho é uma outra perspectiva de
olhar a comunidade macaense, à qual também pertence. “O meu estudo é tão só um
contributo para ampliar e aprofundar as características próprias e distintivas
da comunidade macaense”.
Instada
a comentar se a identidade macaense que todos falam está em perigo, a autora
referiu que essa “é uma pergunta que nenhum historiador, antropólogo ou linguista
seguramente seria capaz de responder”. “As comunidades macaenses espalhadas
pelo mundo têm mostrado sinais de grande vitalidade e, em 2019, participaram em
Macau no Encontro de Macaenses cerca de mil pessoas numa comunidade que pode
atingir as 30 mil pessoas espalhadas pelo mundo. É importante haver
regularmente encontros e debates sobre o presente e o futuro dos macaenses em
Macau como comunidade de destino e delinearem-se estratégias de diplomacia
pública a ser desenvolvidas sistematicamente e não apenas pontualmente entre os
representantes da comunidade macaense local e as autoridades.”
Lídia
Maria dos Santos nasceu em Macau em 1970. Estudou Língua e Administração
Chinesas no Instituto de Línguas de Pequim. É licenciada em Língua e Cultura
Portuguesa pela Universidade de Macau e mestre em Estudos Linguísticos pela
mesma instituição de ensino superior.
O
livro, com tiragem de 300 exemplares, tem chancela partilhada pela Associação
dos Amigos do Livro em Macau e pela editora Ipsis Verbis. A apresentação da
obra estará a cargo de Roberval Teixeira e Silva, professor da Universidade de
Macau. Gonçalo Pinheiro – Macau in “Ponto
Final”
goncalolobopinheiro.pontofinal@gmail.com
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