Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Macau - Cantonês dá mais confiança ao discurso dos macaenses

Tese de mestrado publicada agora em livro conclui que a alternância de código linguístico de português para chinês é utilizado para enfatizar a identidade do grupo e para transmitir solidariedade



A mudança de código linguístico de português para chinês durante a conversação é uma das marcas distintivas e identitárias da comunidade macaense em Macau. Essa é a grande conclusão da tese de mestrado de Lídia Maria dos Santos plasmada agora no livro “Alternância de Código entre o Português e o Cantonês e a Construção de Identidade no Discurso do Macaense”, obra que foi hoje apresentada, na Livraria Portuguesa, pelas 18h30.

“A conclusão a que cheguei, de resto, decorrente da história da comunidade bilingue do macaense em Macau e do seu contributo para as relações entre Portugal e a China ao longo de quatro séculos, é que o fenómeno sociolinguístico do ‘code-swictching’ pode ser considerado como uma das marcas distintivas e identitárias da comunidade macaense em Macau”, afirmou ao Ponto Final a autora da dissertação defendida em 2011.

A mestre em Estudos Linguísticos assumiu que este sempre foi o tema da sua dissertação desde o primeiro dia a que se propôs ao grau académico. Para realizar o seu trabalho de pesquisa, Lídia Maria dos Santos utilizou dados provenientes de diálogos recolhidos junto de um grupo de amigas. “As participantes tinham, na altura, idades compreendidas entre os 38 e os 41 anos, são amigas do tempo do Liceu e tinham deixado de se ver por mais de 20 anos. O reencontro deu-se em 2009, quando decidimos retomar o contacto através de almoços que passaram a ter lugar uma vez por semana ao longo de ano e meio”, explicou.

As participantes, revela a académica, “nasceram em Macau e tiveram formação em português desde a idade escolar”. “Das quatro participantes, três fizeram o ensino universitário, uma em Macau, uma na China e outra em Portugal. Todas falam português, cantonês, inglês e algumas sabem um pouco de mandarim”, revelou ainda a autora na conversa que teve com o nosso jornal.

Capacidade de adaptação

É há muito conhecida a capacidade de alternância entre o português e o cantonês, e vice-versa, por parte dos macaenses, algo que os até pode tornar especiais e capazes de se adaptarem mais facilmente às circunstâncias. Lídia Maria dos Santos vai mais longe e fala mesmo de uma alternância que cria “uma atmosfera mais íntima, mais pessoal”, uma vez que os macaenses, no geral, escolhem o cantonês para “garantir a certeza de compreensão”. “O discurso do falante sobre a forma como utiliza a língua não é, em regra, consciencializado por ele. Não se trata, por isso, muitas das vezes de escolhas deliberadas, calculadas nem conscientes. Também a escolha pela alternância de dois ou mais códigos linguísticos, não é uma estratégia deliberada, mas um reflexo do mundo linguístico e cultural em que se nasce e em que se vive quer no quotidiano da cidade, quer na vida familiar ou na vida de trabalho”, defende a autora.

O estudo de Lídia Maria dos Santos agora publicado num livro com pouco mais que 80 páginas tenta explicar “a partir de quadros teóricos de referência”. Para isso, a autora dá um exemplo simples: “A língua chinesa no discurso de intervenientes da pesquisa teve como função fundamental a expressão da familiaridade, da aproximação, da confidencialidade; noutras situações a comunicação em português serve para informar sobre a vida profissional, sobre alguém conhecido”.

A grosso modo, o que é revelado pelo estudo, é precisamente o facto do ‘code-switching’ de português para chinês ser utilizado para enfatizar a identidade do grupo e para transmitir solidariedade, sugere a mestre em Estudos Linguísticos. “Embora todas as interlocutoras falem fluentemente português, é o chinês a escolha feita para garantir a certeza da compreensão. Se a garantia da compreensão é marcada pelo cantonês, mais uma vez fica sublinhado o valor dessa língua na construção da identidade macaense. Esta conclusão baseia-se na análise do ‘code-switching’ do português para chinês, mas se o estudo fosse do sentido inverso (i.e. do chinês para português) acredito que a mesma realidade teria lugar”, conclui.

Sem patuá

Questionada sobre o lugar do patuá nesta realidade, a autora revelou que não entra neste trabalho porque as intervenientes simplesmente não sabem patuá. “Aliás o patuá era utilizado por gerações muito anteriores à nossa e esteve até há bem pouco tempo em vias de completa extinção”, disse.

Lídia Maria dos Santos realça ainda que o seu trabalho é uma outra perspectiva de olhar a comunidade macaense, à qual também pertence. “O meu estudo é tão só um contributo para ampliar e aprofundar as características próprias e distintivas da comunidade macaense”.

Instada a comentar se a identidade macaense que todos falam está em perigo, a autora referiu que essa “é uma pergunta que nenhum historiador, antropólogo ou linguista seguramente seria capaz de responder”. “As comunidades macaenses espalhadas pelo mundo têm mostrado sinais de grande vitalidade e, em 2019, participaram em Macau no Encontro de Macaenses cerca de mil pessoas numa comunidade que pode atingir as 30 mil pessoas espalhadas pelo mundo. É importante haver regularmente encontros e debates sobre o presente e o futuro dos macaenses em Macau como comunidade de destino e delinearem-se estratégias de diplomacia pública a ser desenvolvidas sistematicamente e não apenas pontualmente entre os representantes da comunidade macaense local e as autoridades.”

Lídia Maria dos Santos nasceu em Macau em 1970. Estudou Língua e Administração Chinesas no Instituto de Línguas de Pequim. É licenciada em Língua e Cultura Portuguesa pela Universidade de Macau e mestre em Estudos Linguísticos pela mesma instituição de ensino superior.

O livro, com tiragem de 300 exemplares, tem chancela partilhada pela Associação dos Amigos do Livro em Macau e pela editora Ipsis Verbis. A apresentação da obra estará a cargo de Roberval Teixeira e Silva, professor da Universidade de Macau. Gonçalo Pinheiro – Macau in “Ponto Final”

goncalolobopinheiro.pontofinal@gmail.com


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