Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Poetas de 30: a geração dourada

                                                           I

Contista e cronista, o mineiro Joanyr de Oliveira (1933-2009) destacou-se principalmente como poeta, deixando obras em que se constatam não só um estilo apurado como o domínio das técnicas da poesia, que, como se sabe, não é feita apenas de emoção. Outra atividade em que se destacou numa carreira literária que passou além da marca de meio século foi a de antologista: foram oito as coletâneas que organizou, das quais pelo menos seis reúnem poemas dedicados a sua cidade de adoção afetiva, Brasília. Para homenagear a sua geração, organizou Poetas dos Anos 30 (Brasília, Thesaurus Editora, 2016), que sai agora em edição póstuma por empenho da Associação Nacional de Escritores (ANE), entidade da qual Joanyr de Oliveira foi presidente de 2007 a 2009.

Se não chegou a reunir a totalidade dos poetas nascidos no Brasil na década de 1930, pelo menos chegou perto, ao juntar seis dezenas entre aqueles que mais se destacaram. É claro que uma antologia invariavelmente deixa algum nome importante de fora, até porque a seleção depende também da aquiescência do próprio poeta ou de familiares (no caso daqueles que já se foram).

De antemão, como o próprio organizador reconheceu, constata-se a falta de alguns nomes de peso como o paulista Mário Chamie (1933-2011), o pernambucano Sebastião Uchoa Leite (1935-2003), a carioca Lélia Coelho Frota (1938-2010), a mineira Adélia Prado (1935) e o maranhense José Sarney (1930), cuja carreira política acabou por ofuscar a sua própria obra literária.

Como Joanyr de Oliveira deixou claro na introdução, nunca houve por parte do organizador a pretensão de constituir uma antologia perfeita. Até porque seria tarefa impossível. Mas, seja como for, há nomes de todas as regiões do Brasil. E, se não discriminamos aqui os 60 escolhidos, é por falta de espaço. Mas não se pode deixar de citar alguns, como Olga Savary (1933) e Astrid Cabral (1936), da região Norte; Ferreira Gullar (1930-2016), Cyro de Mattos (1939), Everaldo Moreira Veras (1937-2011) e Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935), do Nordeste; os irmãos Gilberto Mendonça Teles (1931) e José Mendonça Teles (1936) e Miguel Jorge (1933), do Centro-Oeste; Affonso Romano de Sant´Anna (1937), Alberto da Costa e Silva (1931), Anderson Braga Horta (1934), Fernando Py (1935), Guido Bilharinho (1938), Hilda Hist (1930-2004), Ivan Junqueira (1934-2014), José Jeronymo Rivera (1933), Paschoal Motta (1936), Maria José de Queiroz (1934) e Marly de Oliveira (1935-2007), do Sudeste; e Carlos Nejar (1939), Maria Carpi (1939) e Walmir Ayala (1933-1991), do Sul.                                                              
                                                          II
Uma das vozes mais representativas dessa geração é, sem dúvida, Alberto da Costa e Silva, ex-embaixador do Brasil em Portugal, Colômbia e Paraguai e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), que faz parte da antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada pelo jornalista e poeta José Nêumanne Pinto (São Paulo, Editora Italo Moriconi, 2001), e de outras tantas antologias de poesia brasileira publicadas em Portugal, Estados Unidos, Uruguai, Alemanha, Espanha (Galiza) e Itália. Eis os trechos iniciais e finais do poema “O amor aos sessenta”, que integra a coletânea de Joanyr de Oliveira:
            Isto que é o amor (como se o amor não fosse
            esperar o relâmpago clarear o degredo):
            ir-se por tempo abaixo como grama em colina,
            preso a cada torrão de minuto e desejo.

            (...) Ser assim quase eterno como o sonho e a roda
            que se fecha no espaço deste sol às estrelas

            e amar-te, sabendo que a velhice descobre
            a mais bela beleza no teu rosto de jovem.

Outro poeta dessa geração dourada é Anderson Braga Horta, que tem poemas em mais de 70 antologias organizadas no Brasil e no exterior. Um dos poemas recolhidos na antologia é “Sétima sinfonia”, dedicado a Joanyr de Oliveira, em que o poeta diz:
            (...) Um deus que se refaz ou que se perde e
            reencontra-se em relâmpagos.
            Brandura e crispação, renúncia e glória.
            Sol cortado por lâmina de pedra.

            Deus recolhe os fragmentos de si mesmo.


                                               III
Naturalmente, uma antologia de poetas da geração de 30 não podia deixar de trazer versos de Ivan Junqueira, também crítico literário, tradutor, ensaísta e ex-membro da ABL, autor de ensaios memoráveis sobre as obras de Manuel Bandeira (1886-1968) e José Lins do Rego (1901-1957). De Junqueira, são estes versos (“De onde me vem, amor...”):
            (...) De onde é que aflora, tão fugaz e impressentida,
            essa lembrança que de ti vou avivando
            e que, sem que o descubra nem por que nem quando,
            sabe-me ao texto de uma página já lida? (...)

Tampouco poderia ficar de fora Carlos Nejar, também ensaísta, tradutor e membro da ABL, além de romancista inventivo e reconhecido como o poeta da “condição humana” pelo crítico português Jacinto do Prado Coelho (1920-1984), como assinalou Joanyr de Oliveira. De Nejar está incluído na antologia o poema “O exílio”:
            O exílio não é o longe,
            mas o cerco.

            O exílio, campo exposto,
            onde pasta  o pensamento,
            boi que trabalho no amanho.

            O exílio é um deus amargo.

Entre as poetas, destaca-se a manauara Astrid Cabral, também contista, ensaísta e tradutora, que se destacou como professora de Literatura Brasileira na Universidade de Brasília (UnB), onde integrou a primeira turma de docentes. De Astrid, Joanyr de Oliveira recolheu, entre outros poemas, “Sendas de rugas”, que segue abaixo:
            A insônia e o sono
            habitam o rosto dessas mulheres
            de sorrisos maculados de metais.
            Elas caminham para a morte
            pelas sendas de suas rugas
            e cobrem os seios lassos
            não de tecidos grossos
            mas de restos de sonhos.
            Da memória de outros dias
            elas se nutrem e não
            das carnes que temperam
            com cebolas.

Obviamente, os cinco poetas dos quais foram recolhidos poemas (e excertos de poemas) para esta resenha não ficam em qualidade acima dos outros 55 que constam da coletânea de Joanyr de Oliveira, mas, com certeza, estão entre os melhores do Brasil, um país dotado de infindável número de poetas, e servem, portanto, não só como lídimos representantes da geração de 30 como para atrair o distraído leitor para que se interesse por conhecê-los bem como os demais.

                                               IV
O organizador Joanyr de Oliveira nasceu em Aimorés-MG e desde cedo militou na literatura e no jornalismo. Publicou seus primeiros versos em 1945 no Jornal do Povo, de Belo Horizonte. Com a transferência da família para Vitória-ES em 1949, começou a publicar artigos sobre folclore e literatura na imprensa local. Chegou a Brasília em 1960, depois de aprovado em concurso público para revisor do Departamento de Imprensa Nacional. Manteve colunas literárias no DC-Brasília (edição brasiliense do extinto Diário Carioca) e no Correio Braziliense.

Cursou Direito na Universidade do Distrito Federal (UDF) e deixou inconcluso o curso de Letras na UnB. Em 1963, ingressou na Câmara dos Deputados por concurso e aposentou-se em 1988, quando se transferiu para os Estados Unidos. Voltou a Brasília em 1994, cidade em que se destacou como diretor de várias entidades culturais. Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia e participou de antologias publicadas no Brasil, Portugal, Argentina, Canadá, Estados Unidos, Espanha, França, Índia e Itália. Foi pastor evangélico e organizou a Antologia da nova poesia evangélica (Rio de Janeiro, CPAD, 1978). De Joanyr de Oliveira, Poetas do Anos 30 traz o poema “O poeta não veio para responder” que tem este gran finale:
            (...) O poeta se oculta (e se revela)
            no cerne dos entes e das coisas.
            Seu domicílio é o inefável, o inviolado silêncio.
            (Seus lábios pertencem aos deuses).

            O poeta não veio para responder.

Adelto Gonçalves – Brasil

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Poetas dos anos 30, de Joanyr de Oliveira (organizador). Brasília: Thesaurus Editora/Associação Nacional de Escritores (ANE), 380 págs., 2016. E-mail: editor@thesaurus.com.br Site: www.thesaurus.com.br

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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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