I
Contista e cronista, o
mineiro Joanyr de Oliveira (1933-2009) destacou-se principalmente como poeta,
deixando obras em que se constatam não só um estilo apurado como o domínio das
técnicas da poesia, que, como se sabe, não é feita apenas de emoção. Outra
atividade em que se destacou numa carreira literária que passou além da marca
de meio século foi a de antologista: foram oito as coletâneas que organizou,
das quais pelo menos seis reúnem poemas dedicados a sua cidade de adoção
afetiva, Brasília. Para homenagear a sua geração, organizou Poetas dos Anos 30 (Brasília, Thesaurus
Editora, 2016), que sai agora em edição póstuma por empenho da Associação
Nacional de Escritores (ANE), entidade da qual Joanyr de Oliveira foi
presidente de 2007 a 2009.
Se não chegou a reunir a
totalidade dos poetas nascidos no Brasil na década de 1930, pelo menos chegou
perto, ao juntar seis dezenas entre aqueles que mais se destacaram. É claro que
uma antologia invariavelmente deixa algum nome importante de fora, até porque a
seleção depende também da aquiescência do próprio poeta ou de familiares (no
caso daqueles que já se foram).
De antemão, como o próprio
organizador reconheceu, constata-se a falta de alguns nomes de peso como o
paulista Mário Chamie (1933-2011), o pernambucano Sebastião Uchoa Leite
(1935-2003), a carioca Lélia Coelho Frota (1938-2010), a mineira Adélia Prado (1935)
e o maranhense José Sarney (1930), cuja carreira política acabou por ofuscar a
sua própria obra literária.
Como Joanyr de Oliveira
deixou claro na introdução, nunca houve por parte do organizador a pretensão de
constituir uma antologia perfeita. Até porque seria tarefa impossível. Mas, seja
como for, há nomes de todas as regiões do Brasil. E, se não discriminamos aqui
os 60 escolhidos, é por falta de espaço. Mas não se pode deixar de citar
alguns, como Olga Savary (1933) e Astrid Cabral (1936), da região Norte;
Ferreira Gullar (1930-2016), Cyro de Mattos (1939), Everaldo Moreira Veras
(1937-2011) e Luiz Alberto Moniz Bandeira (1935), do Nordeste; os irmãos
Gilberto Mendonça Teles (1931) e José Mendonça Teles (1936) e Miguel Jorge
(1933), do Centro-Oeste; Affonso Romano de Sant´Anna (1937), Alberto da Costa e
Silva (1931), Anderson Braga Horta (1934), Fernando Py (1935), Guido Bilharinho
(1938), Hilda Hist (1930-2004), Ivan Junqueira (1934-2014), José Jeronymo
Rivera (1933), Paschoal Motta (1936), Maria José de Queiroz (1934) e Marly de
Oliveira (1935-2007), do Sudeste; e Carlos Nejar (1939), Maria Carpi (1939) e
Walmir Ayala (1933-1991), do Sul.
II
Uma das vozes mais
representativas dessa geração é, sem dúvida, Alberto da Costa e Silva,
ex-embaixador do Brasil em Portugal, Colômbia e Paraguai e ex-presidente da
Academia Brasileira de Letras (ABL), que faz parte da antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século,
organizada pelo jornalista e poeta José Nêumanne Pinto (São Paulo, Editora
Italo Moriconi, 2001), e de outras tantas antologias de poesia brasileira
publicadas em Portugal, Estados Unidos, Uruguai, Alemanha, Espanha (Galiza) e
Itália. Eis os trechos iniciais e finais do poema “O amor aos sessenta”, que
integra a coletânea de Joanyr de Oliveira:
Isto
que é o amor (como se o amor não fosse
esperar o
relâmpago clarear o degredo):
ir-se por
tempo abaixo como grama em colina,
preso a
cada torrão de minuto e desejo.
(...) Ser
assim quase eterno como o sonho e a roda
que se
fecha no espaço deste sol às estrelas
e amar-te,
sabendo que a velhice descobre
a mais
bela beleza no teu rosto de jovem.
Outro poeta dessa geração
dourada é Anderson Braga Horta, que tem poemas em mais de 70 antologias
organizadas no Brasil e no exterior. Um dos poemas recolhidos na antologia é
“Sétima sinfonia”, dedicado a Joanyr de Oliveira, em que o poeta diz:
(...)
Um deus que se refaz ou que se perde e
reencontra-se
em relâmpagos.
Brandura e
crispação, renúncia e glória.
Sol
cortado por lâmina de pedra.
Deus
recolhe os fragmentos de si mesmo.
III
Naturalmente, uma antologia
de poetas da geração de 30 não podia deixar de trazer versos de Ivan Junqueira,
também crítico literário, tradutor, ensaísta e ex-membro da ABL, autor de
ensaios memoráveis sobre as obras de Manuel Bandeira (1886-1968) e José Lins do
Rego (1901-1957). De Junqueira, são estes versos (“De onde me vem, amor...”):
(...)
De onde é que aflora, tão fugaz e impressentida,
essa
lembrança que de ti vou avivando
e que, sem
que o descubra nem por que nem quando,
sabe-me ao
texto de uma página já lida? (...)
Tampouco poderia ficar de
fora Carlos Nejar, também ensaísta, tradutor e membro da ABL, além de
romancista inventivo e reconhecido como o poeta da “condição humana” pelo
crítico português Jacinto do Prado Coelho (1920-1984), como assinalou Joanyr de
Oliveira. De Nejar está incluído na antologia o poema “O exílio”:
O
exílio não é o longe,
mas o
cerco.
O exílio,
campo exposto,
onde
pasta o pensamento,
boi que
trabalho no amanho.
O exílio é
um deus amargo.
Entre as poetas, destaca-se a
manauara Astrid Cabral, também contista, ensaísta e tradutora, que se destacou
como professora de Literatura Brasileira na Universidade de Brasília (UnB),
onde integrou a primeira turma de docentes. De Astrid, Joanyr de Oliveira recolheu,
entre outros poemas, “Sendas de rugas”, que segue abaixo:
A
insônia e o sono
habitam o
rosto dessas mulheres
de
sorrisos maculados de metais.
Elas
caminham para a morte
pelas
sendas de suas rugas
e cobrem
os seios lassos
não de
tecidos grossos
mas de
restos de sonhos.
Da memória
de outros dias
elas se
nutrem e não
das carnes
que temperam
com
cebolas.
Obviamente, os cinco poetas
dos quais foram recolhidos poemas (e excertos de poemas) para esta resenha não
ficam em qualidade acima dos outros 55 que constam da coletânea de Joanyr de
Oliveira, mas, com certeza, estão entre os melhores do Brasil, um país dotado
de infindável número de poetas, e servem, portanto, não só como lídimos
representantes da geração de 30 como para atrair o distraído leitor para que se
interesse por conhecê-los bem como os demais.
IV
O organizador Joanyr de
Oliveira nasceu em Aimorés-MG e desde cedo militou na literatura e no
jornalismo. Publicou seus primeiros versos em 1945 no Jornal do Povo, de Belo Horizonte. Com a transferência da família
para Vitória-ES em 1949, começou a publicar artigos sobre folclore e literatura
na imprensa local. Chegou a Brasília em 1960, depois de aprovado em concurso público
para revisor do Departamento de Imprensa Nacional. Manteve colunas literárias
no DC-Brasília (edição brasiliense do
extinto Diário Carioca) e no Correio Braziliense.
Cursou Direito na
Universidade do Distrito Federal (UDF) e deixou inconcluso o curso de Letras na
UnB. Em 1963, ingressou na Câmara dos Deputados por concurso e aposentou-se em
1988, quando se transferiu para os Estados Unidos. Voltou a Brasília em 1994,
cidade em que se destacou como diretor de várias entidades culturais. Publicou
mais de duas dezenas de livros de poesia e participou de antologias publicadas
no Brasil, Portugal, Argentina, Canadá, Estados Unidos, Espanha, França, Índia
e Itália. Foi pastor evangélico e organizou a Antologia da nova poesia evangélica (Rio de Janeiro, CPAD, 1978).
De Joanyr de Oliveira, Poetas do Anos 30
traz o poema “O poeta não veio para responder” que tem este gran finale:
(...)
O poeta se oculta (e se revela)
no cerne
dos entes e das coisas.
Seu
domicílio é o inefável, o inviolado silêncio.
(Seus
lábios pertencem aos deuses).
O poeta
não veio para responder.
Adelto
Gonçalves – Brasil
_______________________________________
Poetas dos anos 30, de Joanyr
de Oliveira (organizador). Brasília: Thesaurus Editora/Associação Nacional de
Escritores (ANE), 380 págs., 2016. E-mail: editor@thesaurus.com.br Site:
www.thesaurus.com.br
______________________________________________
Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da
Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem,
2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage – o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio
Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), e Direito e Justiça em
Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Sem comentários:
Enviar um comentário