Enquanto à superfície do monte
de Romano é o vento frio do início de Primavera que agita o mato rasteiro, a
dezenas de metros de profundidade máquinas e homens interrompem uma (relativa)
tranquilidade com 300 milhões de anos.
Debaixo de capacetes e atrás
de coletes e máscaras, geólogos e operários prosseguem a rotina desta manhã,
indiferentes às condições atmosféricas deste dia em Trás-os-Montes. À volta de
uma perfuradora, numa questão de segundos enchem bolsas de plástico numeradas.
Depois, alinham-nas às dezenas nas proximidades da maquinaria e retiram e lavam
amostras.
É assim que a Dakota Minerals
tem desenvolvido nos últimos meses parte das suas prospecções na concessão de
Sepeda, concelho de Montalegre, onde tenta localizar ocorrências minerais que
justifiquem a exploração de lítio na região. Em cerca de 50 pontos tem sido a
tecnologia de "reverse circulation" a fazer o trabalho. Uma
perfuradora tritura a rocha por compressão e o material resultante é conduzido
à superfície enchendo uma bolsa por cada metro de material retirado. Nos
intervalos, pequenas descargas de poeira escapam-se em redor.
"O pó branquinho é bom
sinal", diz-se por entre a comitiva que visita a zona da prospecção. Essa
coloração mais clara da rocha significa que a perfuração atingiu o pegmatito, a
anomalia geológica localizada por entre o maciço de xisto da região e que está
associada à ocorrência de minerais raros como o lítio.
Mais de cinco mil metros de
perfurações já realizadas até ao momento, o entusiasmo no campo é, ainda assim,
mais contido que a "febre" que vem rodeando o lítio nos últimos anos.
A procura pela indústria de baterias de iões de lítio – conduzida pelas
necessidades da electrificação do sector automóvel ou pela armazenagem de energia
em casa – levou o preço a disparar nos mercados internacionais: entre 2015 e
2016 passou de 7.600 dólares (quase 7.200 euros à cotação actual) para 20.000
dólares (18.800 euros) por tonelada.
Enquanto uma bateria de
telemóvel usa em média cinco a sete gramas de carbonato de lítio, uma que seja
usada por um automóvel da Tesla, como o Model S, requer 63 quilos deste
material – 10 mil vezes mais quantidade.
Avaliação
no terreno
Foi o interesse recente em
torno deste mineral que trouxe a Trás-os-Montes cerca de uma dezena de
"brokers", analistas financeiros e responsáveis por empresas de
"private equity" e gestão de activos, vindos da Suíça, Holanda ou
Reino Unido. Constatam no terreno o avanço dos trabalhos da Dakota, numa visita
que o Negócios acompanhou. A cotada australiana fez descobertas nos últimos
meses que podem contribuir para tornar Portugal num fornecedor de referência de
lítio, material usado na construção das baterias que ajudam a desenhar a
próxima revolução tecnológica e energética.
"O nosso objectivo não é
ser um dos maiores produtores de lítio do mundo, mas ser sustentável, estável,
ser uma ‘one stop shop’ na Europa", repete em inglês David Frances, o CEO
da mineira, perante os especialistas do sector financeiro que seguem em fila pelo
campo, enterrados debaixo de um capacete de plástico branco.
Depois de a empresa ter
anunciado em Fevereiro uma das maiores descobertas de ocorrências de lítio em
pegmatito na Europa – e de já ter investido mais de um milhão de euros em
Sepeda –, aguarda em Abril pelos estudos metalúrgicos que possam provar a
existência de altas concentrações do mineral naquela descontinuidade geológica.
O ideal, defende Frances,
seria uma exploração com vida útil de 15 anos e extrair um milhão de toneladas
de material rochoso por ano, com uma concentração média de 1% de lítio. Das
amostras que seguiram para análise, uma daquelas em que foi detectada uma
presença mais elevada aponta para uma concentração de 2,57%, ou seja, 2,5 vezes
mais elevada que aquela média.
Numa segunda fase, espera que
o material presente justifique também a construção de uma unidade de
processamento, que poderá significar um investimento potencial de 370 milhões
de euros. Uma infra-estrutura que poderá estar pronta em 2019, prazo ambicioso
que depende dos estudos económicos e metalúrgicos e da chegada a bom porto das
conversações com o Governo sobre possíveis incentivos fiscais que justifiquem o
investimento.
Para já, as sondagens devolvem
dados animadores. Os geólogos apontam a dedo, nos testemunhos de rocha (os
cilindros com um metro de comprimento extraídos do subsolo), as zonas
acinzentadas onde poderão estar as maiores concentrações de lítio. Os
visitantes pegam no cilindro esbranquiçado, inclinam-no à luz do sol e observam
os veios com a ajuda da lupa.
Depois
de Sepeda, outras se poderão seguir
Se for bem sucedida, esta
poderá vir a ser a primeira extracção de minerais metálicos a iniciar
actividade em Portugal em vários anos. O que, segundo Bruno Pereira, abre
espaço para novas descobertas com significado: "O projecto de Sepeda
poderá consubstanciar-se numa nova mina de minerais metálicos em Portugal. (…) O
sucesso deste projecto de prospecção pode servir para atrair mais investimento
para o sector dos recursos minerais," disse ao Negócios o sócio-gerente da
Sinergeo, a empresa especialista em geologia e geofísica que colabora com a
Dakota desde o início das operações.
Grandes fabricantes automóveis
ou de baterias - como a Tesla, a Daimler, a Volkswagen, a BMW ou a Samsung -
estão entre os possíveis maiores utilizadores do mineral, numa altura em que,
segundo a Dakota, 90% da produção está nas mãos de quatro empresas e em que se
espera que o mercado de fornecimento de lítio cresça em 2025 para as 535 mil
toneladas métricas por ano, segundo dados do Deutsche Bank citados pela Dakota.
E se no passado o lítio era
visto como um produto descartável nas minas que extraíam estanho - como aquela
que existia em Romano -, agora é apontado como a "nova gasolina". Se
o prometido estudo do Governo sobre as potencialidades do mineral no país vier
a confirmá-lo, Portugal - de onde sai hoje 2% do lítio consumido na Europa e -
pode bem vir a ser a nova estação de serviço do Velho Continente. Paulo Gomes – Portugal in “Jornal
de Negócios”
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