Esteve
quase extinto nos anos 20. Hoje há mais de cinco mil animais e a história da
sua evolução é invulgar. O bisonte-europeu resulta do cruzamento entre outra
espécie de bisonte e o antepassado das vacas domésticas.
Há mais de 30 mil anos, as
paredes das grutas de Chauvet, em Pont d'Arc, França, serviam de tela para
caçadores desenharem as suas presas. Algo tão quotidiano como a caça na
pré-história ficou representado também noutras grutas francesas, como Lascaux,
o que agora ajudou a descobrir a origem do bisonte-europeu. E, para tal, a história
e a genética juntaram-se.
A origem do bisonte-europeu
(Bison bonasus) era um mistério. Apareceu, de repente, há cerca de 11 mil anos,
na mesma altura em que desaparecia o bisonte-das-estepes (Bison priscus) e a
sua sobrevivência também intrigava os especialistas.
Na época do Pleistoceno (a
última Idade do Gelo, período compreendido entre há 1,8 milhões e 11 mil anos),
o bisonte-europeu resistiu a uma extinção causada por períodos de temperaturas
muito baixas na Europa, refere uma notícia na revista Nature. E, no século
passado, esteve mesmo à beira da extinção, devido à caça excessiva: em 1927,
havia apenas 12 animais. Hoje esta espécie, aos poucos reintroduzida na Europa,
encontra-se em manadas na natureza em alguns locais, segundo o Fundo Mundial
para a Natureza (WWF): na Rússia; no Parque Nacional de Bialowieza (na Polónia
e Bielorrússia); e na Ucrânia. Ao todo, a população de bisontes-europeus é de
5500.
Agora, a equipa de Alan
Cooper, director do Centro Australiano para o ADN Antigo da Universidade de
Adelaide (Austrália), encontrou a resposta para o aparecimento misterioso do
bisonte-europeu, como é revelado num artigo científico na Nature.
Tudo começou com a análise de
ADN de ossos e dentes de bisontes recolhidos em grutas espalhadas pela Europa,
pelos Montes Urales e pelo Cáucaso — material esse que esta equipa já tinha
começado a datar por radiocarbono há cerca de 15 anos. Foram usados ossos e
dentes de mais de 65 bisontes, com idades compreendidas entre 14 mil e 50 mil
anos. Inicialmente, em 2001, o objectivo era perceber o impacto das alterações
climáticas ao longo do tempo através do estudo do bisonte. Mas a investigação
mudou de rumo.
Os resultados das análises de
ADN revelavam características genéticas intrigantes em alguns dos fósseis de
bisonte — e que eram bastante diferentes das do bisonte-europeu, explica-se num
comunicado da Universidade de Adelaide. Havia, assim, uma espécie-mistério.
“As datações por radiocarbono
mostravam que a espécie misteriosa dominou nos registos [fósseis] europeus
durante milhares de anos em vários pontos, e alternava ao longo do tempo com o
bisonte-das-estepes, que era considerada a única espécie presente na Europa no
final da Idade do Gelo”, lê-se no comunicado. “Os ossos datados revelaram que a
nossa nova espécie e o bisonte-das-estepes dominaram alternadamente na Europa
por várias vezes, em conjunto com grandes mudanças ambientais causadas pelas
alterações do clima”, explica, no comunicado, o principal autor do estudo,
Julien Soubrier, da Universidade de Adelaide.
Os cientistas australianos
decidiram então contactar especialistas franceses em arte rupestre. E fez-se
luz. “Quando lhes perguntámos, disseram-nos que, de facto, havia duas formas
distintas de bisontes nas pinturas das grutas da Idade do Gelo. Acontece que as
suas idades coincidiam com as das diferentes espécies”, diz Julien Soubrier.
“Nunca adivinharíamos que os artistas rupestres tinham pintado para nós imagens
das duas espécies que nos ajudariam bastante.”
Afinal, a resolução do
mistério estava nas pinturas de grutas como as de Chauvet (cerca de 36 mil
anos), Lascaux (cerca de 20 mil anos), Niaux e Pergouset (17 mil anos), todas
em França. Há 36 mil anos, o bisonte era desenhado com cornos longos e uma
corcunda mais alta. Era mais parecido com o bisonte-americano, que descende do
bisonte-das-estepes. Mas há 17 mil anos, o bisonte já surgia representado com
os cornos mais pequenos e encurvados para cima e a corcunda era mais pequena.
Parecia-se mais com o que agora conhecemos como o bisonte-europeu.
As análises de ADN mostraram
que o bisonte-europeu tinha material genético parecido com o bisonte-americano,
por um lado, e com as vacas domésticas, por outro. Desta forma, os resultados
apontaram para a existência de um cruzamento na Europa entre o
bisonte-das-estepes e o antepassado das vacas modernas, o auroque, também ele
já extinto desde 1627. Ou, nas palavras dos cientistas, houve uma hibridização
entre o bisonte-das-estepes e o auroque, há mais de 120 mil anos. E foi deste
bisonte híbrido que evoluiu o bisonte-europeu actual.
“Descobrir que foi a
hibridização que levou à origem de uma espécie completamente nova foi uma
verdadeira surpresa. Não se esperava que isto acontecesse nos mamíferos”,
comenta Alan Cooper, que coordenou o trabalho. “Esta espécie dominou na tundra
durante os períodos frios, sem Verões quentes, e foi a maior espécie europeia a
sobreviver às extinções de megafauna.” Os mamutes-lanudos, por exemplo, não
tiveram essa sorte. “Mas o bisonte-europeu moderno é geneticamente bastante
diferente, porque passou por um efeito de gargalo genético de apenas 12
indivíduos nos anos 20, quando quase se extinguiu.” Teresa Serafim – Portugal in
“Jornal Público”
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