Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Que caminhos para a Lusofonia?

Para se entenderem as várias perspectivas e os vários caminhos que se tem tentado seguir para a Lusofonia, torna-se necessário regressar às suas raízes e entender na génese o porquê da sua criação. Lusofonia, Espaço lusófono, PALOP, CPLP. São várias as designações que foram surgindo ao longo dos tempos para definir este espaço humano, cultural e social que tem por base a língua portuguesa – traço comum dos países signatários dos PALOP e mais tarde da CPLP.

“Ter uma comunidade falante da língua portuguesa torna-se numa mais-valia incontornável e incontestável quer ao nível das relações humanas e culturais quer das trocas comerciais. No entanto, ao contrário da Commonwealth, a Lusofonia tem tido algumas dificuldades em se assumir como potência comercial no Mundo”

Inicialmente, a ideia de Lusofonia tem por base o conceito de luso-tropicalismo da autoria do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre e viu a luz do dia na primeira metade do século XX. Este conceito assentava no pressuposto da existência de uma civilização original que se ergueu sobre as alicerces que advieram da expansão portuguesa por zonas tropicais do Mundo e no modo particular dos portugueses de se relacionarem com as populações indígenas. Foi através desta interacção, que compreende a mútua influência em várias dimensões da vida quotidiana, nomeadamente estilo de se vestir, culinária, comportamento social, rituais religiosos e, não menos, expressão idiomática de, de dois ou, no caso do Brasil, de três elementos, que se criaram sociedades híbridas na sua composição etno-cultural.

Assim nascem as bases para a Lusofonia. No entanto, a teoria de Freyre acaba por, e apesar dos seus pressupostos assentarem na verdade dos factos, cair em descredito por ter sido usada pelo Regime de Salazar para defender o seu Império Colonial sobretudo contra as pressões externas.

Não obstante o esforço de alguns intelectuais em manter viva a ideia de solidariedade entre os povos de Língua portuguesa não só em Portugal como no Brasil nos anos que se seguiram à descolonização portuguesa nos anos 70, e não esquecendo as dificuldades e as complicadas situações internas que atravessavam os Estados recém-independentes e Portugal, os destinos dos países lusófonos acabam por se separar.

A nível de consideração pessoal, e tomando a Commonwealth como exemplo, não houve entre Portugal e as Províncias Ultramarinas uma verdadeira integração, uma reorganização das estruturas sociais e politicas – excepto no Brasil mas esse mais forte do que a presença portuguesa e a Coroa partilhada, tinha o exemplo dos Estados Unidos – permitindo uma unidade e o traçar de um caminho comum com rotas e acordos comerciais que lhes permitissem um estatuto de privilégio face ao resto do Mundo. A juntar a estes erros, uma descolonização cheia de intrincados pormenores e a entrega dos territórios às forças de guerrilha levaram a que a instabilidade grassasse nos territórios durante décadas e Portugal não fosse visto como “amigo” ou “protector” apesar da simpatia que as chefias e os povos nutriam por Portugal e pelos portugueses. Uma das razões que pode explicar este resultado tal como descrito por Freyre na sua teoria do Luso-tropicalismo, “ (…) Sobre o modo português de estar nas terras alheias ele acrescenta: “eles vêm transformando beneficamente os trópicos, sem pretender torná-los europeus ou sub-europeus. Isto porque, antes de procurarem transformar os trópicos, eles próprios se vêm transformando em luso-tropicais, por assim dizer, de corpo e alma, isto é de cultura no seu mais amplo sentido antropológico e sociológico “.24FREYRE, G.: Integração portuguesa nos trópicos, p. 36.

Em resumo, o conceito do luso-tropicalismo, ou da civilização luso-tropical, fundamenta-se no fenómeno da miscigenação não somente no sentido racial mas sobretudo na sua dimensão cultural e social, quando as mútuas influências resultaram em surgimento de uma entidade cultural original. O processo de miscigenação foi possível por causa da atitude especial dos colonos portugueses para com as populações nativas: a ausência do preconceito racial, a capacidade de se adaptar às condições do âmbito tropical e o gosto pelas mulheres de cor.

A miscigenação é o marco de reconhecimento da colonização portuguesa entre as das outras nações europeias. Ora, conforme Freyre e os seus seguidores, a comunidade lusófona, que além de Portugal consiste do Brasil e dos países de língua portuguesa em África e na Ásia, é uma realidade que se suporta nos laços afectivos e com a solidariedade que não podem ser contestados pelos interesses económicos ou geopolíticos, tanto internos como externos.

É de notar que nos territórios onde a colonização foi pacífica – Goa, Damão, Diu e Timor-Leste – o culto do Hino, da Bandeira e da Língua ainda hoje é celebrado ao passo que em Angola, Cabo Verde e Guiné – países que sofreram não só a ocupação pela força como a guerra - esta ligação já não é tão emocional havendo um mal-estar do colonizado face ao colonizador e um sentimento de culpa e consequente desculpabilização do colonizador face ao colonizado o que não permite que haja diálogos em igualdade de circunstâncias pois tudo o que vem de Portugal é revestido de alguma desconfiança por parte dos povos africanos.

Nos anos 90 no entanto foi possível, através de uma iniciativa luso-brasileira, criar um projecto de organização inter-governamental que foi baptizada de Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que pretendia marcar uma nova fase nas relações entre estes países.


















A influência perdurante do luso-tropicalismo nalguns círculos académicos em Portugal, é visível nas palavras seguintes: “ [...] a Comunidade Lusófona surge-nos como sendo a que parece dar maiores garantias de solidez e capacidade de poder vingar no quadro internacional, podendo mesmo ser a que poderá iniciar um novo caminho na afirmação de culturas – transformar uma comunidade cultural num grande espaço económico e político-diplomático de afirmação mundial.

Tal justifica-se, como já foi afirmado, tendo por base o modelo de relacionamento que o povo português sempre estabeleceu com os naturais das suas províncias ultramarinas e que fez com que o desenvolvimento das colónias tivesse sido grande e quase idêntico ao da metrópole [sic].” 28 (28 PERREIRA, P. E. M.: Comunidade de Países de Língua Portuguesa, uma realidade geopolítica, pp. 232-233.)

A Comunidade dos Países da Língua Portuguesa, fundada em 1996 por 7 países de língua oficial portuguesa independentes e que acolheu, em 2002, também o recém-independente Timor Leste, foi estabelecida com um conjunto dos objectivos bastante ambiciosos. A língua portuguesa comum deve servir de pedra mestra do projecto e na sua base pretende-se desenvolver uma cooperação multidimensional nas áreas económica, política, cultural, comercial ou social entre os países que são, porém, dotadas duma diversidade excepcional e nunca podem constituir um conjunto homogéneo. A Comunidade também intenta facilitar a circulação de pessoas dentro do seu espaço, uma ideia cuja realização, devido a múltiplas razões, não correrá sem dificuldades.

Um outro caso que revela a complexidade das relações entre luso-falantes é a questão do Acordo Ortográfico. As tentativas de aproximar e harmonizar as normas ortográficas do português europeu e brasileiro, inicialmente, e hoje com uma diversidade ainda maior oriunda das diferenças no idioma português usado em sociedades africanas, incluindo as expressões do crioulo, já têm uma longa história.

Mais uma vez, na minha visão pessoal, o Acordo Ortográfico tal como está desenhado não só não faz o menor sentido como desrespeita em absoluto um sem-número de regras semânticas, gramaticais e linguísticas. Seria preferível, e mais uma vez, seguir o exemplo da Inglaterra que tem o British English como língua oficial mas admite todas as variantes e dialectos de todos os países anglófonos sem prejuízo do mosaico de culturas por que é composto.

O primeiro Acordo Ortográfico foi assinado entre o governo brasileiro e o português nos anos 40 e nunca se veio a realizar em termos práticos. Esta situação repetiu-se com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado esta vez por representantes dos sete países lusófonos em Lisboa no dia de 16 de Dezembro de 1990, que até aos nossos dias não foi ratificado e por isso ainda não entrou em vigor.

É evidente que as pretensões e ambições que acompanharam desde início a CPLP não têm sido completamente satisfeitas. Ironicamente, são sobretudo as diferenças entre os respectivos países que, conforme a ideia fundamental do projecto, devem pertencer a um grande espaço comum que se tornam difíceis de ultrapassar.

O carácter geograficamente descontínuo, a influência permanente dos outros centros de poder económico e cultural e, até certo grau, os ressentimentos do passado, representam obstáculos graves para a afirmação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como uma organização universal, no que diz respeito aos seus objectivos e áreas de actuação. Este facto não só não oferece uma base para a nova definição das relações entre os povos de expressão portuguesa mas, pelo contrário, a sua mistificação sobre o passado colonial afoga o desenvolvimento da mútua confidência e compreensão.

Hoje já parece ser evidente que as ambições da CPLP e as expectativas, sobretudo por parte de Portugal, da sua afirmação no contexto mundial, tenham sido exageradas.

A organização sofre de muitas dificuldades da ordem estrutural que resultam primordialmente da imensa heterogeneidade dos seus Estados-membros e da consequente divergência dos interesses das respectivas políticas externas nacionais.

Além disso, o facto de a maioria dos países da CPLP pertencer ao grupo das sociedades mais pobres do mundo funciona como um obstáculo de carácter material colocado aos desenvolvimentos e aprofundamento da cooperação dentro da Comunidade. Não obstante, a cooperação em desenvolvimento, que pertence entre os principais objectivos da Comunidade pode, por outro lado, contribuir para o fortalecimento dos laços afectivos entre as nações envolvidas.

O projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa junto com a teoria do luso-tropicalismo tentam fazer face à visão do já referido “choque das civilizações” popularizado por Huntington. Provar que a cooperação entre Norte e Sul é possível e pode ser mutualmente vantajosa e contribuinte, não obstante as divergências naturais e legítimas nos interesses nacionais particulares é a tarefa básica da CPLP.

Uma longa história dos contactos dos portugueses com os habitantes dos outros continentes e os vestígios que eles lá deixaram não é uma mistificação e não pode ser facilmente afastada. Neste sentido, a ideia do luso-tropicalismo parece possuir bastante força para sobreviver às adversidades políticas ou científicas.

Com os incentivos certos e a auto-estrada do diálogo aberta sem outras pretensões que não sejam o desenvolvimento e fortalecimento do espaço lusófono comum é possível construir pontes e conseguir resultados que perdurem no tempo. Fazer das diferenças pontos fortes permite a todos os países integrantes da CPLP uma posição de excelência no palco geo-estratégico e económico mundial, algo que outras Nações já estão a reconhecer ao ponto de já estarem a procurar esses mercados para o estabelecimento das suas relações comerciais. Luísa Vaz - Portugal

(A autora não usa o Acordo Ortográfico)



Luísa Maria Teixeira Vaz - Natural da cidade do Porto, licenciada em Estudos Europeus pela Universidade Aberta com formação em Relações Internacionais pela Universidade do Minho. Fundadora e escritora num blog de opinião chamado "As Opiniões da Lu" onde são expostos pontos de vista sobre temas da actualidade de forma livre e sem amarras. Participa na coluna Ágora Lusitana do blog Rua da Constituição com uma opinião mensal e tem uma participação quinzenal no blog BIRD Magazine. É também fundadora e blogger no Insónias.

Está neste momento a preparar uma compilação de todos os seus artigos em formato e-book que se prevê seja lançado ainda este ano. Profissionalmente esteve ligada à revisão e publicação de obras numa Editora bem como realiza trabalhos de tradução e retroversão em várias áreas de conhecimento. Já desempenhou cargos de direcção ao nível da juventude partidária tendo agora um papel de militância menos activa.

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