Para se entenderem as várias
perspectivas e os vários caminhos que se tem tentado seguir para a Lusofonia,
torna-se necessário regressar às suas raízes e entender na génese o porquê da
sua criação. Lusofonia, Espaço lusófono, PALOP, CPLP. São várias as designações
que foram surgindo ao longo dos tempos para definir este espaço humano,
cultural e social que tem por base a língua portuguesa – traço comum dos países
signatários dos PALOP e mais tarde da CPLP.
“Ter uma comunidade falante da
língua portuguesa torna-se numa mais-valia incontornável e incontestável quer
ao nível das relações humanas e culturais quer das trocas comerciais. No
entanto, ao contrário da Commonwealth, a Lusofonia tem tido algumas
dificuldades em se assumir como potência comercial no Mundo”
Inicialmente, a ideia de
Lusofonia tem por base o conceito de luso-tropicalismo da autoria do sociólogo
brasileiro Gilberto Freyre e viu a luz do dia na primeira metade do século XX.
Este conceito assentava no pressuposto da existência de uma civilização
original que se ergueu sobre as alicerces que advieram da expansão portuguesa
por zonas tropicais do Mundo e no modo particular dos portugueses de se
relacionarem com as populações indígenas. Foi através desta interacção, que
compreende a mútua influência em várias dimensões da vida quotidiana,
nomeadamente estilo de se vestir, culinária, comportamento social, rituais
religiosos e, não menos, expressão idiomática de, de dois ou, no caso do
Brasil, de três elementos, que se criaram sociedades híbridas na sua composição
etno-cultural.
Assim nascem as bases para a
Lusofonia. No entanto, a teoria de Freyre acaba por, e apesar dos seus
pressupostos assentarem na verdade dos factos, cair em descredito por ter sido
usada pelo Regime de Salazar para defender o seu Império Colonial sobretudo
contra as pressões externas.
Não obstante o esforço de
alguns intelectuais em manter viva a ideia de solidariedade entre os povos de
Língua portuguesa não só em Portugal como no Brasil nos anos que se seguiram à
descolonização portuguesa nos anos 70, e não esquecendo as dificuldades e as
complicadas situações internas que atravessavam os Estados recém-independentes
e Portugal, os destinos dos países lusófonos acabam por se separar.
A nível de consideração
pessoal, e tomando a Commonwealth como exemplo, não houve entre Portugal e as
Províncias Ultramarinas uma verdadeira integração, uma reorganização das
estruturas sociais e politicas – excepto no Brasil mas esse mais forte do que a
presença portuguesa e a Coroa partilhada, tinha o exemplo dos Estados Unidos –
permitindo uma unidade e o traçar de um caminho comum com rotas e acordos
comerciais que lhes permitissem um estatuto de privilégio face ao resto do
Mundo. A juntar a estes erros, uma descolonização cheia de intrincados
pormenores e a entrega dos territórios às forças de guerrilha levaram a que a
instabilidade grassasse nos territórios durante décadas e Portugal não fosse
visto como “amigo” ou “protector” apesar da simpatia que as chefias e os povos
nutriam por Portugal e pelos portugueses. Uma das razões que pode explicar este
resultado tal como descrito por Freyre na sua teoria do Luso-tropicalismo, “
(…) Sobre o modo português de estar nas terras alheias ele acrescenta: “eles vêm
transformando beneficamente os trópicos, sem pretender torná-los europeus ou
sub-europeus. Isto porque, antes de procurarem transformar os trópicos, eles
próprios se vêm transformando em luso-tropicais, por assim dizer, de corpo e
alma, isto é de cultura no seu mais amplo sentido antropológico e sociológico
“.24FREYRE, G.: Integração portuguesa nos trópicos, p. 36.
Em resumo, o conceito do
luso-tropicalismo, ou da civilização luso-tropical, fundamenta-se no fenómeno
da miscigenação não somente no sentido racial mas sobretudo na sua dimensão
cultural e social, quando as mútuas influências resultaram em surgimento de uma
entidade cultural original. O processo de miscigenação foi possível por causa
da atitude especial dos colonos portugueses para com as populações nativas: a
ausência do preconceito racial, a capacidade de se adaptar às condições do
âmbito tropical e o gosto pelas mulheres de cor.
A miscigenação é o marco de
reconhecimento da colonização portuguesa entre as das outras nações europeias.
Ora, conforme Freyre e os seus seguidores, a comunidade lusófona, que além de
Portugal consiste do Brasil e dos países de língua portuguesa em África e na
Ásia, é uma realidade que se suporta nos laços afectivos e com a solidariedade
que não podem ser contestados pelos interesses económicos ou geopolíticos,
tanto internos como externos.
É de notar que nos territórios
onde a colonização foi pacífica – Goa, Damão, Diu e Timor-Leste – o culto do
Hino, da Bandeira e da Língua ainda hoje é celebrado ao passo que em Angola,
Cabo Verde e Guiné – países que sofreram não só a ocupação pela força como a
guerra - esta ligação já não é tão emocional havendo um mal-estar do colonizado
face ao colonizador e um sentimento de culpa e consequente desculpabilização do
colonizador face ao colonizado o que não permite que haja diálogos em igualdade
de circunstâncias pois tudo o que vem de Portugal é revestido de alguma
desconfiança por parte dos povos africanos.
Nos anos 90 no entanto foi
possível, através de uma iniciativa luso-brasileira, criar um projecto de
organização inter-governamental que foi baptizada de Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP) que pretendia marcar uma nova fase nas relações entre
estes países.
A influência perdurante do
luso-tropicalismo nalguns círculos académicos em Portugal, é visível nas
palavras seguintes: “ [...] a Comunidade Lusófona surge-nos como sendo a que
parece dar maiores garantias de solidez e capacidade de poder vingar no quadro
internacional, podendo mesmo ser a que poderá iniciar um novo caminho na
afirmação de culturas – transformar uma comunidade cultural num grande espaço
económico e político-diplomático de afirmação mundial.
Tal justifica-se, como já foi
afirmado, tendo por base o modelo de relacionamento que o povo português sempre
estabeleceu com os naturais das suas províncias ultramarinas e que fez com que
o desenvolvimento das colónias tivesse sido grande e quase idêntico ao da
metrópole [sic].” 28 (28 PERREIRA, P. E. M.: Comunidade de Países de Língua
Portuguesa, uma realidade geopolítica, pp. 232-233.)
A Comunidade dos Países da
Língua Portuguesa, fundada em 1996 por 7 países de língua oficial portuguesa
independentes e que acolheu, em 2002, também o recém-independente Timor Leste,
foi estabelecida com um conjunto dos objectivos bastante ambiciosos. A língua
portuguesa comum deve servir de pedra mestra do projecto e na sua base
pretende-se desenvolver uma cooperação multidimensional nas áreas económica,
política, cultural, comercial ou social entre os países que são, porém, dotadas
duma diversidade excepcional e nunca podem constituir um conjunto homogéneo. A
Comunidade também intenta facilitar a circulação de pessoas dentro do seu
espaço, uma ideia cuja realização, devido a múltiplas razões, não correrá sem
dificuldades.
Um outro caso que revela a
complexidade das relações entre luso-falantes é a questão do Acordo
Ortográfico. As tentativas de aproximar e harmonizar as normas ortográficas do
português europeu e brasileiro, inicialmente, e hoje com uma diversidade ainda
maior oriunda das diferenças no idioma português usado em sociedades africanas,
incluindo as expressões do crioulo, já têm uma longa história.
Mais uma vez, na minha visão
pessoal, o Acordo Ortográfico tal como está desenhado não só não faz o menor
sentido como desrespeita em absoluto um sem-número de regras semânticas,
gramaticais e linguísticas. Seria preferível, e mais uma vez, seguir o exemplo
da Inglaterra que tem o British English como língua oficial mas admite todas as
variantes e dialectos de todos os países anglófonos sem prejuízo do mosaico de
culturas por que é composto.
O primeiro Acordo Ortográfico
foi assinado entre o governo brasileiro e o português nos anos 40 e nunca se
veio a realizar em termos práticos. Esta situação repetiu-se com o Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado esta vez por representantes dos sete
países lusófonos em Lisboa no dia de 16 de Dezembro de 1990, que até aos nossos
dias não foi ratificado e por isso ainda não entrou em vigor.
É evidente que as pretensões e
ambições que acompanharam desde início a CPLP não têm sido completamente
satisfeitas. Ironicamente, são sobretudo as diferenças entre os respectivos
países que, conforme a ideia fundamental do projecto, devem pertencer a um
grande espaço comum que se tornam difíceis de ultrapassar.
O carácter geograficamente descontínuo, a
influência permanente dos outros centros de poder económico e cultural e, até certo
grau, os ressentimentos do passado, representam obstáculos graves para a
afirmação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como uma organização
universal, no que diz respeito aos seus objectivos e áreas de actuação. Este
facto não só não oferece uma base para a nova definição das relações entre os
povos de expressão portuguesa mas, pelo contrário, a sua mistificação sobre o
passado colonial afoga o desenvolvimento da mútua confidência e compreensão.
Hoje já parece ser evidente
que as ambições da CPLP e as expectativas, sobretudo por parte de Portugal, da
sua afirmação no contexto mundial, tenham sido exageradas.
A organização sofre de muitas
dificuldades da ordem estrutural que resultam primordialmente da imensa
heterogeneidade dos seus Estados-membros e da consequente divergência dos
interesses das respectivas políticas externas nacionais.
Além disso, o facto de a
maioria dos países da CPLP pertencer ao grupo das sociedades mais pobres do
mundo funciona como um obstáculo de carácter material colocado aos
desenvolvimentos e aprofundamento da cooperação dentro da Comunidade. Não
obstante, a cooperação em desenvolvimento, que pertence entre os principais
objectivos da Comunidade pode, por outro lado, contribuir para o fortalecimento
dos laços afectivos entre as nações envolvidas.
O projecto da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa junto com a teoria do luso-tropicalismo tentam
fazer face à visão do já referido “choque das civilizações” popularizado por
Huntington. Provar que a cooperação entre Norte e Sul é possível e pode ser
mutualmente vantajosa e contribuinte, não obstante as divergências naturais e
legítimas nos interesses nacionais particulares é a tarefa básica da CPLP.
Uma longa história dos contactos dos
portugueses com os habitantes dos outros continentes e os vestígios que eles lá
deixaram não é uma mistificação e não pode ser facilmente afastada. Neste
sentido, a ideia do luso-tropicalismo parece possuir bastante força para
sobreviver às adversidades políticas ou científicas.
Com os incentivos certos e a
auto-estrada do diálogo aberta sem outras pretensões que não sejam o
desenvolvimento e fortalecimento do espaço lusófono comum é possível construir
pontes e conseguir resultados que perdurem no tempo. Fazer das diferenças
pontos fortes permite a todos os países integrantes da CPLP uma posição de
excelência no palco geo-estratégico e económico mundial, algo que outras Nações
já estão a reconhecer ao ponto de já estarem a procurar esses mercados para o
estabelecimento das suas relações comerciais. Luísa Vaz - Portugal
(A
autora não usa o Acordo Ortográfico)
Está
neste momento a preparar uma compilação de todos os seus artigos em formato
e-book que se prevê seja lançado ainda este ano. Profissionalmente esteve
ligada à revisão e publicação de obras numa Editora bem como realiza trabalhos
de tradução e retroversão em várias áreas de conhecimento. Já desempenhou
cargos de direcção ao nível da juventude partidária tendo agora um papel de
militância menos activa.
Luísa Maria Teixeira Vaz - Natural da cidade do Porto, licenciada em
Estudos Europeus pela Universidade Aberta com formação em Relações Internacionais
pela Universidade do Minho. Fundadora e escritora num blog de opinião chamado
"As Opiniões da Lu" onde são expostos pontos de vista sobre temas da
actualidade de forma livre e sem amarras. Participa na coluna Ágora Lusitana do
blog Rua da Constituição com uma opinião mensal e tem uma participação
quinzenal no blog BIRD Magazine. É também fundadora e blogger no Insónias.
Sem comentários:
Enviar um comentário