O direito à manifestação tem sido bárbara e
sistematicamente reprimido em Angola, violando, assim, um dos preceitos
constitucionais que mais dá forma e substância à democracia e aos regimes
democráticos.
Temos assistido a uma muito ridícula
cobertura mediática das manifestações públicas, sempre que sejam protagonizadas
por sectores ligados, directa ou indirectamente, ao poder. Temos também
assistido à diabolização – por vezes, antecipada - daquelas manifestações
inspiradas por sectores ligados às oposições, ou então, por jovens
contestatários sem partido, activistas cívicos assumidamente críticos do poder
actual.
Não poucas vezes, a mídia estatal alerta a
sociedade contra supostas “intenções de agentes provocadores, movidos por uma
perigosa vontade de desestabilizar o nosso país, semeando o caos”. Logo de
imediato, são “accionados” os analistas e os comentaristas do costume, assim
como figuras públicas de variados estratos sociais e diversas vocações
profissionais que emprestam, alegremente, o seu testemunho, numa maratona de
depoimentos acusatórios. Fazem questão da dar pois, a ideia de que a pátria
está em perigo de colapsar, de se mergulhar o país num abismo infindável.
A dissuasão às manifestações tem sido
acompanhada de uma onda de repressão sem precedentes. A cada nova vez, ela
aumenta de tom e, também, de sofisticação.
De início, os manifestantes (ou putativos
manifestantes) eram previamente molestados nas suas casas. E os que escapassem
a essa moléstia prévia, sovados no espaço público escolhido (ou nos seus
arredores). Agora a moda passou a ser “despejá-los” a dezenas de quilómetros de
distância, em locais ermos ou mesmo perigosos. As redes sociais estão cada vez
mais pejadas de imagens de jovens feridos, arrastados por indivíduos fardados
ou à paisana, numa verdadeira orgia de sangue.
A última acção repressiva abateu-se sobre 3
jovens contestatários, sendo um deles uma jovem rapariga, estudante
universitária, de nome Laurinda Manuel Gouveia, cujo depoimento têm chocado a
opinião pública, pela agressividade com que foi molestada.
A jovem Laurinda Manuel Gouveia não só relatou
ao pormenor o sucedido, como também identificou parte dos agressores. Quer
então dizer que não se trata de gente estranha e de difícil localização. Os
seus agressores são pessoas físicas perfeitamente identificáveis.
Se as autoridades quisessem
responsabilizá-los pelo acto bárbaro cometido, facilmente o fariam. E,
inclusive, teriam provas bastantes do modo selvagem como eles agrediram a jovem
Laurinda Manuel Gouveia. Para isso, bastava visionarem os registos que os
próprios fizeram. A vítima declarou, inclusive, que alguns deles estariam
munidos de câmaras de filmagem, tendo registado as cerca de 2 horas que durou a
agressão.
A inacção das autoridades policiais e
políticas só pode ser assumida como um silêncio cúmplice. Logo, concordam. Não
há outra forma de o ver. Num verdadeiro Estado de Direito Democrático, a
Procuradoria-Geral da República entraria imediatamente em campo, apurando as
responsabilidades que levariam à punição dos infractores.
Também não se ouviu qualquer repúdio público
e inequívoco por parte do partido político que assume a governação do país.
Continua a manter um silêncio ensurdecedor, o que demonstra a sua
insensibilidade quando se trata de vítimas que não são seus apoiantes
declarados.
Estamos, sim, a caminhar por um trilho
perigoso, dando livre curso a agentes policiais que agem sem limites, violando
os direitos mais elementares dos cidadãos.
O direito à manifestação tem que ser
garantido e protegido, independentemente das opções políticas de cada um. E
isso deve ser feito sem equívocos, sob pena de virmos a pôr também em causa
outros direitos igualmente plasmados na nossa Constituição.
O uso do direito de expressão e de
manifestação permite avaliar o sentimento das pessoas, da sociedade. Entre dois
actos eleitorais, a sociedade que legitimou um determinado poder deve possuir
diversas formas de expressão da sua vontade. A manifestação pública é uma delas
e não pode ser negligenciada, pois é uma forma de evidenciar a dinâmica social.
Um regime que não aceita ouvir vozes
discordantes, de modo algum é democrático. Quem tenta circunscrever o regime
democrático ao sistema multipartidário, está a estimular a busca de soluções
violentas para as transformações políticas. Eu, pessoalmente, penso que esse
não é o caminho certo. Pinto de Andrade
- Angola
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