Portugal
é o primeiro país mediterrânico com mexilhões sustentáveis
Certificação
internacional pioneira obtida por empresa do Algarve é a segunda no país,
depois da sardinha.
Sabem bem os mexilhões do
Algarve? Então agora saberão melhor: a sua produção acaba de ser declarada
sustentável pela mais importante organização internacional da área. Ou seja, em
tese, podemos comê-los com a certeza de que a sua cultura não está a poluir o
mar ou a dar cabo da própria espécie.
É a segunda pescaria
portuguesa a ser certificada com o selo do Marine Stewardship Council (MSC),
uma organização sem fins lucrativos. Os mexilhões seguem os passos da sardinha,
que obteve a mesma certificação em 2010, mas agora suspensa.
A iniciativa partiu da
Companhia de Pescarias do Algarve, uma empresa que está prestes a completar 150
anos de existência. “É uma certificação que achamos que valia a pena”, afirma
António Farinha, presidente do conselho de administração. O selo de
sustentabilidade, explica António Farinha, é importante para se conquistar
mercados exigentes, como os do Norte da Europa e América do Norte.
E a empresa quer
precisamente tornar-se no maior fornecedor de mexilhões para a Europa e num dos
maiores exportadores do mundo.
O que faz do mexilhão do
Algarve sustentável é sobretudo a forma como é criado. As “sementes” – como são
conhecidos os juvenis de bivalves – foram recolhidas manualmente nas rochas do
litoral da região. O processo é feito uma só vez.
Os juvenis são então largados
sobre linhas que pendem de longas cordas, às quais os mexilhões agarram-se e se
desenvolvem. Submersas, ocupam uma área de cerca de mil hectares em mar aberto,
uma milha marítima (cerca de 1,8 quilómetros) ao largo da ilha da Armona, em
Olhão.
À parte a manutenção diária
da própria estrutura, não é preciso fazer mais nada. “É um processo
completamente natural, não damos qualquer alimento, qualquer antibiótico”,
explica António Farinha. “A qualidade da água é tal que permite ter mexilhões
em cinco a seis meses”, completa o responsável da empresa.
Os animais reproduzem-se
naturalmente, não é preciso voltar a “semeá-los”. E as próprias cordas acabam
por funcionar como uma espécie de recife de coral, onde outras espécies
marinhas vão-se alimentar, incluindo peixes com interesse comercial como
douradas e gorazes.
O processo parece ser
simples, mas conseguir o selo de sustentabilidade não foi fácil. O processo
implica garantir que o stock do recurso permanece estável, que não há impacto
no ecossistema e que a pescaria é gerida com as melhores técnicas ambientais. E
tudo tem de ser confirmado por auditorias independentes do MSC, já que a
entidade apenas fixa as normas. “O processo de certificação levou um ano”, diz
António Farinha. O resultado é hoje celebrado numa cerimónia em Olhão.
Com várias delegações em
todo o mundo, o MSC já certificou até agora 246 formas de pesca e tem mais 106
em avaliação. O foco são as artes de captura de animais em meio natural. Os
mexilhões são um caso particular, pois podem ser criados praticamente sem
intervenção humana, a não ser associá-los a um suporte. “É uma pescaria que
está entre a aquacultura e a pesca selvagem”, afirma Laura Rodríguez,
responsável do MSC para Portugal e Espanha.
Além das pescarias em si, o
selo pode ser usado nos produtos que dela resultam. Na prática, o rótulo
significa que aquele produto – uma conserva, por exemplo – provém de uma
pescaria certificada e seguiu uma cadeia também alvo de certificação até chegar
ao consumidor final.
“O objectivo da certificação
é ambiental. Mas é também um incentivo comercial para os produtores”, explica
Laura Rodríguez.
A Companhia de Pescarias do
Algarve espera, por exemplo, utilizar o selo em patês e conservas de mexilhão,
bem como no mexilhão congelado, com o qual quer competir no mercado
internacional, dominado por países como Nova Zelândia, Espanha e Chile.
Em Portugal, há 39 empresas
– sobretudo conserveiras, que processam pescado certificado como sustentável –
autorizadas a utilizar o selo do MSC. No mundo todo, são mais de 25 mil
produtos comercializados com o selo.
Pescarias em si, são apenas
duas no país. A pesca do cerco à sardinha foi a primeira a obter a
certificação, em 2010. Mas a espécie tem sofrido altos e baixos na sua
população reprodutora. Em Janeiro de 2012, a certificação foi suspensa, porque
não havia sardinhas suficientes para garantir a sustentabilidade do recurso a
longo prazo. Retomada um ano depois, a certificação voltou a ser suspensa em
Agosto passado, pelo mesmo motivo.
Os mexilhões do Algarve são
os primeiros da espécie Mytilus galloprovincialis – comum nas águas dos países
mediterrânicos – a serem certificados em todo o mundo. Outras espécies já estão
certificadas no Norte da Europa (Mytilus edulis) e no Chile (Mytilus chilensis).
O objectivo último da
certificação é permitir que o consumidor opte por produtos mais sustentáveis,
garantindo assim a saúde dos oceanos. Mas o próprio sistema tem um limite:
quando a maioria das pescarias tiver o rótulo, o incentivo comercial para
enfrentar o processo deixará de existir.
“Oxalá cheguemos a este
ponto”, exclama Laura Rodríguez. “Mas ainda estamos longe desta situação”.
Neste momento, apenas 10 em cada 100 quilos de peixe capturados nos oceanos
ostentam o selo de sustentabilidade. Ricardo
Garcia – Portugal in "Jornal Público"
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