Mudanças
no panorama internacional, como a força dos Brics, encontrarão impulso regional
nas possibilidades abertas pelo porto de Mariel e pela construção do canal fora
dos domínios dos EUA
Bastaria a normalização das
relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos, apontando para o fim do
bloqueio, para que se mexessem as peças do tabuleiro comercial e geopolítico na
região, com o porto de Mariel passando a ser um posto estratégico. De tentativa
de romper o bloqueio, Mariel se tornará beneficiária das novas ondas de
comércio no mundo, que incluem a China e o Brasil como seus agentes mais
importantes.
Porém, outros movimentos
agitam um novo desenho da geopolítica mundial na região. O canal do Panamá
mudou a configuração do mundo, quando foi inaugurado há pouco mais de um
século. Os Estados Unidos retomaram o projeto fracassado e falido da França de
construir o canal e fechou-se uma etapa do comércio mundial, abrindo-se outra.
Antes do canal do Panamá
todo o comércio e a circulação de navios entre o Atlântico e o Pacífico tinham
de ser feitos pelo Polo Sul, com tudo o que representava em gastos de tempo e
de recursos. Assim que assumiu o projeto do canal, os Estados Unidos induziram
à separação do Panamá da Colômbia. Deste movimento nasceu um canal que tem um
país e não um país que tem um canal, como se costuma dizer, sob a tutela
norte-americana, que fez da zona do canal um território seu, mediante um
tratado imposto por cem anos.
Dessa forma surgiu o que os
panamenhos chamam de "esquina do mundo" a única via de comunicação
entre os dois oceanos mais importantes do planeta, ligando suas regiões
economicamente mais relevantes.
Embora os EUA demonstrassem
disposição de fazer como faz até hoje com Guantánamo – que depois de se
apropriarem do território por mais de cem anos, não o devolveu para Cuba –, o
líder nacionalista panamenho Omar Torrijos exigiu o cumprimento do acordo e
conseguiu que o canal ficasse sob custódia do governo do Panamá. Porém, os EUA
continuam a ser os controladores da zona e do seu papel estratégico no mundo.
Conforme o comércio marítimo
foi aumentando, assim como o tamanho dos navios, o próprio canal de Panamá foi
se mostrando insuficiente para dar conta das comunicações por mar entre os dois
oceanos. Há cerca de quatro anos o Panamá aprovou – em referendo nacional – um
projeto, praticamente, da construção de um outro canal, que deve ser inaugurado
no primeiro semestre de 2015.
Paralelamente porém, está em
curso um projeto ainda mais ambicioso em termos de comunicação marítima e de
redesenho geopolítico: a construção de uma nova ligação entre o Pacífico e o
Atlântico, na Nicarágua. A ideia é acalentada há muito tempo, pela própria
configuração geográfica da Nicarágua, um país com grandes lagos, que podem ser
aproveitados para a passagem de grandes navios e que, finalmente, começa a ser
construído.
A responsabilidade pela
construção e o financiamento é de um milionário chinês e sua empresa de
construção. Em pouco tempo o projeto foi elaborado, ficou pronto, teve sua
aprovação pelo governo de Daniel Ortega, mas enfrenta dificuldades para ser
implementado.
A construção do canal da
Nicarágua terá muitas consequências, a começar pela quebra do monopólio do
canal do Panamá e da tutela dos Estados Unidos sobre a circulação entre os dois
oceanos. Unindo-se ao porto de Mariel, facilitará o comércio que envolve a
países em plena expansão de suas influências política e comercial, como a China
e o Brasil.
Representaria também a
presença chinesa no coração da América Central e do Caribe. As mudanças no
panorama internacional, que fizeram dos acordos dos Brics de Fortaleza o mais
importante acontecimento político internacional do ano, encontram expressão no
plano regional com a inauguração do porto de Mariel e as obras para a
construção do canal da Nicarágua.
Porém, se por um lado sua
construção mudará o destino da Nicarágua, que passará a ter no canal seu
principal instrumento de sobrevivência, com todo o seu movimento, até das
outras obras anexas – um novo aeroporto, uma zona de livre comércio, entre
outros –, é preciso considerar que movimentos populares de resistência se
levantaram contra as consequências da sua construção.
Sem plano sobre os danos
ambientais, ainda sem começar as negociações com os cerca de 30 mil camponeses
que perderiam suas terras – há apenas o vago aceno por parte do proprietário da
empresa construtora e do governo de que as indenizações serão justas –, no
momento em que deveria se iniciar a construção do canal, grandes mobilizações
nas zonas que serão afetadas, e também na capital, Manágua, produziram
enfrentamentos com a polícia e dezenas de presos.
O governo pode seguir
enfrentando as mobilizações com a polícia, mas a ocupação por parte de
camponeses de territórios onde já deveriam estar começando as obras dificulta
concretamente seu início, obrigando o governo a negociações imediatas e
difíceis com camponeses que dizem não aceitar indenizações e querer manter suas
terras.
Um projeto dessa dimensão e
projeção, quando colocado em prática sem as medidas preventivas e
compensatórias sobre os efeitos que sua construção produzirá, causa hostilidades,
em vez de orgulho. Emir Sader – Brasil in “Rede
Brasil Atual”
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