Em Esch e Rodange - Crianças
portuguesas no Luxemburgo punidas por falarem português em creches e ATL.
Há crianças portuguesas no
Luxemburgo que são punidas e separadas do grupo se falarem português em creches
e ateliers de tempos livres (ATL), disse ao CONTACTO uma funcionária portuguesa
que trabalha num estabelecimento público deste tipo em Esch-sur-Alzette.
Maria, nome fictício para
proteger o anonimato, conta que a direcção de um ATL ("maison
relais", em francês), que inclui uma creche, em Esch, proíbe expressamente
os educadores e auxiliares portugueses de falarem com as crianças na sua língua
materna, proibição que se estende também às conversas entre os meninos, quase
todos de origem portuguesa.
“Foi-nos dito que não
podíamos falar português com os miúdos e que eles também não podiam falar
português entre eles, é uma regra da casa”, conta a funcionária portuguesa.
"Já chegámos a levar raspanetes da chefe por estarmos a dialogar entre nós
em português", diz Maria.
As línguas autorizadas neste
ATL onde as crianças passam entre quatro a seis horas por dia, fora do horário
escolar, estão indicadas num painel na sala principal, "feito em
conjunto" com os menores no início do ano, e limitam-se aos três idiomas
oficiais do país: francês, luxemburguês e alemão.
A proibição de falar outras
línguas aplica-se a todas as crianças que frequentam o atelier de tempos
livres, que acolhe meninos dos três meses de idade aos 12 anos, garante a
funcionária.
“Na ‘garderie’ (creche), as
educadoras são um pouco mais flexíveis, mas a proibição existe na mesma”, conta
Maria. “Facilitam mais e não se importam que falem em francês (em vez de
luxemburguês), pelo menos no início do ano lectivo", explica. É que apesar
de o Luxemburgo ter três línguas oficiais, e de o ATL autorizar o seu uso,
"há uma exigência de falar luxemburgês em primeiro lugar", frisa a
funcionária.
Para garantir que a
proibição é cumprida, o ATL tem um sistema de castigos para as crianças, que
vão da separação dos meninos que falem português com os colegas até ao
isolamento.
“Há o castigo de os separar,
de pôr um menino numa mesa e outro noutra, para não poderem falar entre eles,
ou o isolamento numa mesa em frente ao escritório (dos funcionários)”, explica
Maria.
Fora do ATL, nas saídas de
grupo, a punição pode mesmo chegar à imobilização forçada. “Se vamos a caminho
do parque ou da escola, há o castigo dos cinco minutos sentados. A criança [que
falou português] tem de se sentar ou ficar quieta durante cinco minutos”,
conta.
Na “maison relais” de Esch
há apenas dois meninos luxemburgueses: os restantes, cerca de meia centena, são
portugueses ou cabo-verdianos, e os castigos são aplicados “diariamente”,
garante a funcionária.
Os funcionários do ATL têm
também instruções para estar atentos ao grupo e organizar a sala de forma a
evitar que o português seja utilizado. “Verificamos a disposição das crianças,
sobretudo no primeiro mês, quando chegam, e mudamo-las de sítio ou de mesa para
não poderem falar entre elas em português”, diz Maria.
A funcionária diz que
“compreende” a proibição, porque acredita que pode ajudar as crianças “a
falarem melhor luxemburguês”, mas há ocasiões em que admite que fala português
“às escondidas”.
“Eu própria falo português
com as crianças, mas um bocadinho às escondidas, porque às vezes é mais fácil
para elas comunicarem e porque precisam de afecto, e é mais fácil transmitir
esse carinho na língua que elas compreendem”, confessa Maria. “Eles vêm-me
perguntar: ‘Posso-te dizer em português, porque não sei em luxemburguês?’, e eu
digo que sim, ‘mas baixinho’”.
Proibição aplica-se noutras
creches e escolas
O ATL onde a funcionária portuguesa
trabalha não é o único onde vigora a proibição de falar português em
Esch-sur-Alzette, a segunda maior cidade do país e uma das localidades com
maior percentagem de portugueses no Luxemburgo, que Passos Coelho visitou na
semana passada.
“Conheço uma menina que
frequenta outra ‘maison relais’" na cidade (um estabelecimento que também
é público), “e ela queixou-se que eles lá também não os deixam falar”, diz
Maria.
Em Rodange, também no sul do
país, a interdição de falar português também se aplica nos infantários e na
escola primária, disse ao CONTACTO Manuel Santos, com um filho de sete anos.
No mês passado, a criança
foi castigada com trabalhos de casa suplementares por ter falado em português
com um colega, durante uma visita da turma do segundo ano da escola primária de
Rodange à capital, para ver um concerto de música clássica.
"Falou na rua, não foi
na sala de aulas", queixa-se o pai. "Achei uma injustiça numa classe
em que são quase todos portugueses, é normal que falem a língua dos pais, e só
não reclamei porque tenho quase a certeza que o miúdo ia ser prejudicado",
diz Manuel Santos.
Mas a proibição de falar
português já vem do jardim-de-infância, garante Manuel Santos, a viver no
Luxemburgo há quase 12 anos. "No infantário era a mesma coisa, nem nós
pudemos falar em português com as empregadas, que são portuguesas, e as
crianças também não".
O ministro da Educação do
Luxemburgo anunciou em Julho a intenção de criar creches e
"maisons-relais" bilingues, em francês e luxemburguês, que seriam
gratuitas. O objectivo, disse na altura Claude Meisch ao l'Essentiel, é evitar
que "as crianças de origem portuguesa, francesa ou servo-croata frequentem
creches privadas onde o pessoal só fala francês", de modo a aprenderem
também luxemburguês, um dialecto frâncico-moselano reconhecido como idioma
oficial do país em 1984.
O CONTACTO noticiou na
quarta-feira o caso de um director de uma turma de um liceu que proibiu os
alunos de falar português nas aulas, uma decisão que mereceu a aprovação da ministra
da Família e da Integração do país, Corinne Cahen.
A medida indignou a
comunidade portuguesa e é criticada por especialistas em pedagogia e educação
ouvidos pelo CONTACTO. Ao que o jornal apurou, a proibição de falar português é
transversal a todos os níveis de ensino e começa logo no infantário,
aplicando-se em várias escolas do país. Paula
Alves – Luxemburgo in “Contacto”
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