Na altura histórica em que a
crise económica chega a toda a parte, alguma experiência pessoal, mesmo alguma
notícia, pode abrir-nos novas expectativas, fazendo abrir os olhos a realidades
existentes ao nosso lado. Não necessariamente ao nosso lado físico, porque há
formas de proximidade e distanciamento que não podem ser medidas com o sistema
métrico decimal.
Durante as férias de verão,
uma empregada de uma conhecida empresa galega foi chamada para regressar
urgentemente ao posto de trabalho. Tinha de fazer um orçamento de materiais
para Angola no prazo mais breve possível. O contrato, em português, por um volume
de negócio muito elevado, daria trabalho para um número importante de pessoas,
de famílias, e o pagamento estava garantido. Durante a elaboração do orçamento,
as colegas do escritório perguntaram-lhe se sabia bem o que eram “largura” e
“comprimento”, porque errar nas medidas daria num rejeitamento do produto,
perda económica para a empresa, desprestígio e anulação de futuros contratos
num dos países com maior crescimento económico de África e do mundo. Os
substantivos que a funcionária conhecia eram “largo e ancho”, que aprendera nas
aulas de castelhano, ou talvez na de galego… já nem se sabe. A questão é que
“largo e ancho”, como aprendera a denominar as medidas de um objeto de duas
dimensões, não lhe serviam para conseguir o contrato com Angola. Tinha de ser
feito em português, sem erros de cálculo e à primeira.
O passado 9 de outubro
assisti, com outros colegas, à conferência "Perspetivas da Língua
Portuguesa", realizada na Universidade do Minho e
organizada pola Comissão de Promoção de Difusão da Língua Portuguesa da CPLP. O
encontro contou com a participação oficial do Governo galego, representado por
Valentín García Gómez, Secretário-Geral de Política Linguística, ao que os
organizadores deram o lugar mais destacado possível, em concordância com a AGLP.
Uma participação num encontro internacional de alto nível diplomático que
constitui um reconhecimento implícito para a Galiza, e um oportunidade para um
governo de uma comunidade autónoma alheia à CPLP. Um privilégio que ainda não
receberam estados como o Geórgia, Namíbia, Turquia ou Japão, admitidos em julho
de 2014 como observadores associados da CPLP.
Nesse mesmo encontro o
representante da Missão da Guiné Equatorial na CPLP, que se apresentou e falou
pola primeira vez, depois de o seu país ser admitido como membro de pleno
direito, fez o esforço de falar em português e do português, o que é de
agradecer. Naturalmente na Guiné Equatorial há outras línguas, como também em
Cabo Verde, Timor, Angola ou Moçambique. Ora, a entrada neste clube significa
entender e assumir o uso e promoção da língua comum, objeto de uma política
internacional de consenso.
Todos os presentes durante a
sessão da manhã dessa Conferência, agora disponível integralmente em
vídeo, assistimos à apresentação sobre o “Potencial Energético da Lusofonia”
realizada por José Eduardo Sequeira Nunes, da empresa GALP. Não é que eu goste
muito nem pouco do mundo dos hidrocarbonetos, mas vivendo da economia real não
posso deixar de ver as oportunidades que se apresentam para a Galiza. Ficamos a
saber, durante a palestra do Sr. José Nunes, que a grande maioria das descobertas
de petróleo e gás natural, a nível mundial, nos últimos dous anos, se encontram
em territórios de língua portuguesa, nomeadamente Brasil, Angola e Moçambique.
Soubemos também que estes dous últimos países precisarão um determinado número
de barcos de grande capacidade para transportar esses combustíveis. E não só,
porque todos os países da CPLP, salvo Portugal, têm grandes expectativas neste
sentido.
Deixando a um lado a análise
da provável mudança na geoestratégia a nível global que estas descobertas de
recursos naturais vão provocar nas próximas décadas, a pergunta mais doméstica
e imediata que eu me fazia é quem vai conseguir esses contratos de construção
naval. Uma das notícias que nos tem preocupado aos galegos durante os últimos
anos e décadas é a problemática do setor naval na zona de Ferrol, e as
dificuldades para assegurar a sua viabilidade. A este respeito cabe dizer que
os barcos também têm largura e comprimento.
À vista destes dados, que
são só um exemplo ocasional, é fácil perceber que estamos à frente de
importantes oportunidades, mesmo se alguns só conseguem ver riscos. Tornar o
Galego útil para a Galiza também é uma forma de fazer país. Poderíamos dizer
que, sobre este tema, há pontos de vista mais ou menos discutíveis, e há também
pontos de cegueira, círculos viciosos que não nos permitem uma perceção da
realidade diferente da estabelecida. Recuperar o sentido instrumental da língua
é vital, não só para a comunidade linguística, mas também para a projeção
política e económica, para o futuro do país. Ângelo Cristóvão – Galiza in
“Portal Galego da Língua”
José
Ângelo Cristóvão Angueira - (Santiago de Compostela,
1965), licenciado em Psicologia pela Universidade de Santiago, especializou-se
em Psicologia Social. É empresário (faz parte da Junta Diretiva da Associação
de Empresários de Padrão) e atualmente preside a Associação Cultural Pró AGLP.
Também é académico e secretário da Academia Galega da Língua Portuguesa desde a
sua fundação (2008).
Sem comentários:
Enviar um comentário