Espanha
deve “aproveitar” a Galiza para se aproximar da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, à semelhança do que acontece com a China, que “potencia e facilita
através de Macau as suas relações com as comunidades lusófonas”, diz Xulio
Ríos, coordenador do Instituto Galego de Análise e Documentação Internacional.
PLATAFORMA
MACAU – Há quem defenda o ingresso da Galiza na Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP). Qual é a sua posição?
XULIO RÍOS - Faz todo
sentido. É uma das nossas identidades para estarmos no mundo e à qual não
devemos renunciar. Temos uma vocação atlântica e americana, mas também o fator
linguístico que nos aproxima à realidade de expressão portuguesa.
P.M.
- Com a aprovação da Lei Paz-Andrade na Galiza por unanimidade parlamentar
surge uma nova perspetiva: a Galiza, como região, não pode entrar na CPLP, mas
Espanha pode, e poderá posteriormente atribuir à Galiza a coordenação desta
relação com este espaço lusófono. Faz sentido?
X.R. – Espanha como Estado
deverá aproveitar mais esta circunstância para ter pontes com o mundo de
expressão portuguesa. É uma dimensão muito ignorada e tem a ver com o difícil
reconhecimento da realidade plurinacional e pluricultural de Espanha. A China,
por exemplo, facilita e potencia através de Macau as suas relações com as
comunidades lusófonas. Espanha pode acalentar esta dimensão com a Galiza.
P.M.
- Que papel poderia ter a Galiza no seio desta comunidade?
X.R. - Acho que a Comunidade
está incompleta sem a Galiza, dada a nossa proximidade linguística. A Galiza
pode, além disso, com as suas vantagens comparativas em diversas ordens e com a
sua singularidade, ajudar a alargar as pontes com a Europa.
P.M.
- Que interesse julga ter a Galiza em integrar esta comunidade. A entrada
ultrapassa as razões económicas?
X.R. - Sem dúvida, há razões
de ordem cultural e política e têm a ver com a potenciação de uma dimensão
lusófona na nossa ação exterior que já está presente desde há anos, por
exemplo, na Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal, uma euroregião que
é um modelo na União Europeia.
P.M.
– Portugal está mesmo ali ao lado, mas não é o caso dos restantes países do
universo de língua portuguesa. Que interesse e relação poderá ter a Galiza
nestes países que falam português?
X.R. - A relação é muito
mais ampla. Pensemos no Brasil, por exemplo, onde há uma presença da diáspora
galega muito significante. As relações com Cabo Verde estão a crescer e uma
aliança entre a Galiza e Portugal em diversos setores pode facilitar uma intensificação
das relações com os países de expressão portuguesa em qualquer que seja o
continente.
P.M.
– Há pouco tempo a Escócia realizou um referendo para a independência. A
Catalunha convocou também um referendo civil para se tornar num Estado independente.
Estes referendos parecem ter um efeito dominó. Que repercussão poderá ter na
Galiza?
X.R. - Na Galiza há um
sentimento nacionalista relativamente importante, mas a força do movimento
independentista é sensivelmente menor do que em outras nacionalidades do Estado
espanhol. A Constituição espanhola reconhece a Galiza como uma nacionalidade, à
semelhança da Catalunha e do País Basco. No meu entender, o que está em debate
no fundo não é propriamente a independência, mas a formulação de outras formas de
união. Mesmo assim, estes processos são inseparáveis da mundialização em curso
e da urgência, como resposta, em arbitrar fórmulas de ecologia politica que
preservem a diversidade identitária.
PROXIMIDADE ENTRE OCCUPY
CENTRAL E 15M EM ESPANHA
P.M.
– É responsável pelo `Observatorio de la Política China´ e por outras
publicações de análise da realidade chinesa. Organiza também o `Simposio
Eletrónico Internacional sobre Política China´, que já está na quinta edição.
Por que razão toda esta dedicação à China?
X.R. - O nosso think tank, o IGADI – Instituto Galego
de Análise e Documentação Internacional, impulsionador do Observatorio de la
Politica China – nasceu com o propósito de acompanhar os processos de
transformação das economias planificadas. A China é uma das experiências mais
destacadas e bem sucedidas dessa transição e hoje é um pais cada vez mais
importante no sistema global.
P.M.
– Como olha hoje Espanha para a China? A crise europeia propiciou esta
aproximação, com um aumento do investimento de Pequim no país?
X.R. – A Espanha mantém há
vários anos uma sintonia política muito estreita com a China, mas no âmbito
económico há ainda muito que fazer. Os investimentos aumentaram, mesmo com os
compromissos evidentes em âmbitos como a aquisição de dívida. No entanto, estes
investimentos ainda são menores do que as suas possibilidades. A potencialidade
continua a marcar a relação entre as duas partes.
P.M.
– O `Observatorio de la Politica China´ tem seguido de perto os acontecimentos
em Hong Kong. Que relevância está a ter o movimento Occupy Central?
X.R. - Acredito que há uma
grande proximidade do que está a acontecer em Hong Kong com o movimento do 15M
em Espanha, em 2011, que também reclamava uma democracia real, ainda que os
contextos sejam diferentes. No caso de Hong Kong, reflete um distanciamento
entre segmentos importantes da sociedade local e continental que vêm de longe e
que transcendem o mero debate sobre as formas de exercício do sufrágio
universal. É apenas a ponta do iceberg.
P.M.
– E que valor atribui à proposta apresentada para Pequim no que diz respeito à
escolha de futuros chefes do Governo de Hong Kong?
X.R. - É uma proposta que
melhora a situação atual, mas com sérias limitações. O receio da China é que os
EUA ou o Reino Unido lhe imponham um candidato hostil e da sua preferência,
pondo em risco o controlo do único paraíso fiscal do mundo que não é dominado
politicamente pelo ocidente. Também é temido um efeito contágio no interior da
China. A suma desses medos explica as suas reservas, mas abre um fosso
importante com a população de Hong Kong, especialmente nas novas gerações, e
complica a relação com Taiwan.
P.M.
– O combate à corrupção é a palavra de ordem do Governo chinês e temos
assistido a uma série de investigações, que foram tornadas públicas nos últimos
tempos. Em comparação com Hu Jintao, diz-se que a China ganhou um pulso de
ferro com a subida de Xi Jinping ao poder. Concorda?
X.R. - Sem dúvida, a luta
contra a corrupção é muito mais intensa agora. Há razões políticas: o Partido
precisa com urgência de recuperar credibilidade aos olhos da opinião pública.
Há também razões económicas: entendo que isto faz parte da promoção da reforma
pois a [a luta contra a] corrupção oferece um argumento que está fora de discussão
para eliminar resistências internas em setores estratégicos do aparelho
económico controlado pelos monopólios e os clãs que deles usufruem. Há ainda
sinais de uma clara luta interna que nos remete à longa influência de Jiang
Zemin (antigo Presidente da China) no aparelho do Partido.
P.M.
– Isto pode significar que o debate dos direitos individuais não vai ter em
breve uma hipótese de discussão?
X.R. – Pode haver avanços,
mas serão lentos e estarão sempre sujeitos à manutenção da estabilidade. Para o
Partido é fundamental garantir o controlo numa etapa muito delicada do processo
de modernização. Quanto mais perto estão, maiores são os perigos. Predomina a
ideia de que uma democracia de estilo ocidental pode ser um “Cavalo de Troia”
para impedir a recuperação da grandeza perdida para os rivais estratégicos,
aqueles que tanto se preocupam pelos direitos individuais na China mas muito
menos com os da Arábia Saudita, por exemplo.
P.M.
– Com a desaceleração económica, como analisa os planos do Governo para
equilibrar a economia chinesa? O`Likonomics´ é um plano que faz sentido?
X.R. – Quando a locomotiva
procura mudar de carril, há que moderar a velocidade. Para operar as mudanças
estruturais que se propõem e mudar o modelo de crescimento da China, é
imprescindível promover a despesa social, o investimento em inovação, o
consumo, etc. Quanto ao mercado, penso que a partir da nossa própria
experiência, deve-se ter muito cuidado e evitar que se transforme no
“imperador” das nossas sociedades, pois isso vai em detrimento do bem comum.
Não é só a eficiência. A justiça importa. Catarina
Domingues – Macau in “Plataforma Macau”
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