Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Menina e Moça

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
que não é dia claro e é já o alvorecer;
entreaberto botão, entrefechada rosa,
um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
tem cousas de criança e modos de mocinha,
estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,
de cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
olha furtivamente o primo que sorri;
e se corre parece, à brisa enamorada,
abrir as asas de um anjo e tranças de uma huri.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance
os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
a cama da boneca ao pé do toucador;
quando sonha, repete, em santa companhia,
os livros do colégio e o nome de um doutor.

Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;
e quando entra num baile, é já dama do tom;
compensa-lhe a modista os enfados da mestra;
tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.

Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
para ela é o estudo, excetuando-se talvez
a lição de sintaxe em que combina o verbo
to love, mas sorrindo ao professor de inglês.

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
parece acompanhar uma etérea visão;
quantas cruzando ao seio o delicado braço
comprime as pulsações do inquieto coração!

Ah! Se nesse momento, alucinado, fores
cair-lhe aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
hás de vê-la zombar de teus tristes amores,
rir da tua aventura e contá-la à mamã.

É que esta criatura, adorável, divina,
nem se pode explicar, nem se pode entender:
procura-se a mulher e encontra-se a menina,
quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!


Machado de Assis - Brasil

Sem comentários:

Enviar um comentário