É
jornalista e tem 29 anos. Fernando Monte da Silva, descendente de uma família
importante de Goa, faz uma apreciação muito geral à história e à actual
realidade do Estado indiano de Goa. Para o também português, Goa está a perder
identidade e tradição, muito por culpa, diz, dos hindis que vêm de outras
cidades como Bombaím ou Nova Deli. Actualmente a desempenhar funções de
relações públicas nos Jogos da Lusofonia, Monte da Silva, aconselha mesmo a
quem quiser conhecer ainda um pouco da Goa do tempo português para se despachar
pois daqui a 10 anos, a antiga colónia lusa será “como qualquer outro lugar na
Índia”.
Fernando Monte da Silva - Foto: Gonçalo Lobo Pinheiro / Hoje Macau |
Qual
a sua ligação a Goa?
A ligação é familiar. Porque
nasci cá e quase a totalidade da minha família está cá, tirando uns primos que
moram em Lisboa. Gosto da maneira de como se vive em Goa. É como se diz em
francês: “joie de vivre”. Na verdade,
consigo ter uma forma de vida parecida com a que teria se estivesse em
Portugal. Aqui também existe aquele calor humano, natural nos povos latinos.
Há
quantas gerações é que os Monte da Silva estão em Goa?
Pelo que sabemos há treze.
Somos goeses e fomos convertidos pelos portugueses. Essa é a verdadeira
história das famílias goesas. Não concordo com o que se ensina nas escolas
indianas que diz que os portugueses forçaram os indianos quando aqui chegaram.
Penso que os indianos, na altura, foram convertidos de uma forma voluntária até
porque os portugueses quando chegaram mostraram princípios e valores melhores
do que aqueles que já existiam por cá. Por isso, muitas famílias acabaram por
aceitar converter-se ao Cristianismo e adoptaram nomes portugueses, começando a
falar a Língua Portuguesa. Foi isso que me foi transmitido dentro da minha
família, geração após geração.
Sabe
a razão dos ensinamentos de história não serem os mais correctos em relação a
Portugal, como afirma?
Questões políticas, penso.
Sei que o que aconteceu foi o contrário simplesmente porque existem até hoje,
testemunhos escritos de pessoas que viveram naquela altura que mostram os
factos como eles aconteceram. As pessoas que afirmam que a chegada dos
portugueses à Índia não foi uma coisa muito agradável, ou são hindus ou são os
políticos ou são as pessoas que acabaram por ser presos, por diversas razões,
pelos governos portugueses. Disso há prova.
Pode
afirmar, categoricamente, que a maioria dos goeses gostava dos portugueses?
Naquela altura existia uma
classe muito alta, de elite mesmo, com capacidade de influência social e
política, que sempre gostou mais dos portugueses. No nível mais baixo da
população, as coisas não eram assim tão lineares porque eles achavam que os
portugueses vieram para cá e prejudicaram a sua ascensão social e as
oportunidades que existiam. A maioria das pessoas não sei se, de facto, gostava
dos portugueses.
Mas,
por exemplo, quando chegamos a Goa vemos que a população indiana gosta de
cuidar dos edifícios antigos de traça portuguesa.
Atenção, o património está
arranjadinho porque são as próprias igrejas que pagam esses melhoramentos e não
o Governo de Goa ou até mesmo o Governo da Índia, como deveria ser sua
obrigação uma vez que a maioria das igrejas e conventos são Património da
Humanidade da UNESCO.
Curioso.
E acha que destroem quando têm de destruir, ou pensam antes duas vezes?
Destruir não diria mas se a
casa cai, a casa cai, se é que me entende. Aqui não se cuida de nada.
Outro
dos patrimónios existentes é a Língua Portuguesa. Como é que uma pessoa como o
Fernando, que ainda não tem 30 anos, fala tão bem português?
Isso acontece porque fui
criado pelos meus avós, que falam fluentemente português e essa era a língua
usada em casa. Para além, de todo o grupo de amigos também falarem português.
Só falavam concani (língua falada em Goa) com os empregados domésticos e o
inglês nunca equacionado. Aliás, o meu avô tinha uma frase célebre que era: ‘o
inglês é língua para os burros e para os cavalos’ (risos). Portanto, o meu
crescimento foi feito a aprender o português. O meu pai fala português e só por
necessidade, muito por culpa da escola, é que comecei a falar fluentemente
inglês e concani. A minha irmã também fala bem português.
Tem
ideia de quantas pessoas da sua idade falam português em Goa?
Poucas. Talvez cerca de 20
pessoas. Penso que a minha irmã, que tem 24 anos, é a pessoa mais nova de Goa a
falar português, actualmente. No geral, sem tendo dados oficiais para sustentar
o que vou dizer, arriscaria que talvez 500 pessoas falam português em todo o Estado
de Goa.
E
os goeses, enquanto comunidade, onde é que se encontram? Convivem?
Passados estes anos todos,
os europeus ainda não compreendem uma realidade que existe aqui na Índia que é
o sistema de casta. A maioria é católica mas ainda assim guiamo-nos pelo
sistema de casta. Como as classes mais altas de goeses não se misturam com as
classes mais baixas não existem convívios ao nível que os europeus consideram
normal. As pessoas encontram-se na missa, mas depois disso cada um segue a sua
vida. E nem sequer conversam. Por aquilo que sei, até por força da minha
experiência e vivência familiar, as classes de elite encontram-se em casa umas
das outras e é assim que convivem.
Sendo
um português em Goa, como é que vê o seu outro país?
Gosto. Já lá estive e não me
importava de viver uns anos em Portugal. Tudo depende das oportunidades que
surgirem na minha vida. Goa é a minha casa mas nunca digo não a Portugal.
Apesar de tudo, uma experiência de vida num país estrangeiro, e neste caso em
particular em Portugal, pode trazer uma boa perspectiva de futuro quando
regressar a Goa. Aqui, como quase em toda a Índia, olham muito à tua
experiência profissional, principalmente se essa experiência foi adquirida em
países estrangeiros.
O
Fernando não viveu esses tempos (Goa foi retirada aos portugueses em 1961) mas
o que é que lhe contam os seus avós e pais. Como era viver aqui, no tempo dos
portugueses?
Era fantástico. Mesmo na
minha infância era muito diferente daquilo que é hoje e nasci 1984. Aliás,
quando estive em Portugal há uns anos lembrei-me de Goa do tempo de quando era
criança. A maneira de ser das pessoas, mais limpeza nas ruas, prédios remodelados,
entre muitas outras coisas. Aqui, dia após dia, Goa vai-se tornando numa
lixeira e é uma pena, pois isto era uma paraíso.
E
qual é razão?
Penso que a culpa é das
pessoas que vêm de fora. A cultura e a forma de estar na vida dessas pessoas é
muito diferente daquela que, nós goeses, estamos e sempre estivemos habituados.
A maneira de ser goesa é muito mais ocidental se compararmos a outras partes da
Índia, portanto, é preciso que quem vem de fora, seja para trabalhar, seja para
turismo, tenha a noção que Goa é assim e é preciso manter essa identidade muito
própria, uma vez que o Governo nada faz para que esse cenário se altere.
E
estes eventos de cariz internacional, como os Jogos da Lusofonia, são
importantes para Goa?
Naturalmente que sim. Goa
nunca realizou um evento tão grande como estes jogos. É a primeira vez que tal
sucede e penso que a partir de agora não podemos parar. Goa tem de se tornar
rapidamente numa plataforma moderna onde coisas importantes podem e devem
acontecer. Estes Jogos da Lusofonia, apesar de alguma queixa por parte dos
jornalistas, que até podem ter razão, estão a correr bem. Sendo a primeira vez
que Goa organiza um evento tão grande, penso que as coisas positivas se estão a
superar às coisas negativas. Tudo o resto que possa correr mal é alheio à
organização.
Alguns
governantes indianos chegaram a afirmar que a realização dos Jogos da Lusofonia
em Goa traziam alguma lembrança do tempo do colonialismo. Quer comentar?
Acho que esse pensamento
está completamente errado e demonstra ignorância. Este tipo de competições
existem em todo o lado. Também não existe os Jogos da Commonwealth? Por isso
não entendo esse tipo de conversas por parte das autoridades. Penso, aliás, que
isso se trata de manobras de propaganda.
Que
dirá a uma pessoa que queira visitar Goa?
Vale a pena visitar Goa nos
próximos 10 anos. Estamos a perder a cultura típica de Goa e penso que no
futuro, este lugar será mais uma cidade da Índia como outra qualquer. A não ser
que o Governo tome alguma decisão a esse respeito, por forma a preservar a
cultura goesa e o património deixado pelos portugueses, penso que o caminho
será muito negro para a história de Goa. Existem muitos hindus em Goa e isso
tem retirado especificidade à cultura goesa.
Não
tem medo de ser chamado racista ou xenófobo com essas declarações?
Nada. Acho que cada lugar
tem a sua identidade própria e Goa não foge a isso. A Índia tem também as suas
próprias realidades, diferentes das de Goa, Damão ou Diu. Farto-me de dizer a
um amigo meu de Bombaím que eles gozam quando vêm a Goa, simplesmente, porque a
maneira de ser entre as duas realidades é diferente. Não há melhores nem
piores. Há diferenças e essas diferenças têm de ser respeitadas.
Mudando
de assunto. Como é que é ser jornalista em Goa?
Não é muito agradável porque
os meios de comunicação pagam mal (risos). E por isso, muitos dos jornalistas
que ocupam os diversos cargos nos diversos jornais são pessoas sem grandes
estudos ao nível académico e, inclusive, sem educação social. Aliás, muitos
deles nem sabem como se comportar em eventos de nível internacional como é o
caso destes Jogos da Lusofonia e já assistimos a diversos casos. É preciso
mudar o paradigma do jornalismo em Goa e talvez assim consigam contratar
jornalistas de outro nível, com outros conhecimentos.
Qual
é o seu futuro aqui? Pretende continuar em Goa?
Sim, com certeza. A
minha ideia é continuar a viver em Goa porque se continuar posso tentar fazer a
diferença. Antes de ser jornalista, o que quero mesmo é ser professor de
jornalismo que é uma profissão muito bem remunerada, cinco vezes mais do que a
de jornalista. É mais fácil ensinar, e terei todo esse privilégio que é o de
transmitir às próximas gerações o que é o bom jornalismo e o que é ser um bom
jornalista. Gonçalo Pinheiro – Macau in “Hoje Macau”
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