A realização, em Luanda, da
Conferência Internacional dos Grandes Lagos causou alguma perplexidade, pelo
facto de o nosso país, geograficamente, não pertencer à Região dos Grandes
Lagos Africanos. Houve quem me tenha questionado sobre o assunto, ao que prometi
passar para o papel – escrever um pequeno texto – o que penso sobre essa
matéria. Faço-o agora, mas deixem-me, primeiramente, contextualizar devidamente
o facto para, assim, ajudar um pouco melhor o seu entendimento.
Quando um africano ouve, por
exemplo, a expressão Grandes Lagos, vêm-lhe, pela certa, à cabeça os Grandes
Lagos Africanos. Se for um norte-americano ou um canadense, a expressão Grandes
Lagos remetê-los-á para os Grandes Lagos Americanos, situados entre os Estados
Unidos da América e o Canadá. Os asiáticos terão como referência, penso, o Mar
Morto, o Mar Cáspio, o Mar de Aral – que, afinal, mais não são do que lagos –
bem como o Lago Baikal ou o Lago Balkhash. Os europeus têm, também, os seus
lagos de referência, tal como os sul-americanos e outros povos.
Ainda esta semana,
acompanhei um trabalho de televisão que teve como foco o Lago Baikal. O tema
prendeu, especialmente, a minha atenção pelo facto de ter desfrutado, muito
recentemente, da das belezas da Bacia do Okavango, no Botsuana. A Bacia do
Okavango é uma enorme bacia de água doce por onde se espalham as águas do nosso
Rio Kubango, que se transforma em Kavango ao passar pela Namíbia, e que muda
novamente de nome para Okavango, já dentro do território do Botsuana.
Ao acompanhar a peça
televisiva sobre o Lago Baikal, aumentou ainda mais a minha curiosidade sobre
rios, lagos e mares, uma velha paixão que tinha guardado dentro de mim e que,
agora, se vem revelando de um modo apaixonante. Rios, lagos, mares, e tudo
quanto povoa esse mundo maravilhoso... Não é por acaso que se diz que a água é
a fonte da vida, e que foi aí onde tudo começou…
Infelizmente, os nossos
Estados vivem conflitos que os outros povos já ultrapassaram ou, então, estão
em vias de ultrapassar, como seja a delimitação das suas fronteiras – mesmo
que, aqui ou ali, surjam ainda certos fenómenos de centrifugação. Vivemos,
também, e de um modo bastante dramático, as consequências das mal digeridas
identidades étnicas e religiosas – o que, não poucas vezes, nos atira para
massacres e outras formas de violência sectária. Hoje, a região dos Grandes
Lagos Africanos é das áreas geográficas mais instáveis do nosso continente, com
conflitos que põem em causa as fronteiras territoriais herdadas da Era
Colonial. Noutros continentes, os seus Grandes Lagos já não são matéria de
conflito, muito menos palco de guerras.
Os Grandes Lagos da América
do Norte assumem-se como importantes pólos de desenvolvimento económico. Nos
arredores dos lagos Superior, Michigan, Huron, Eire e Ontário – considerados os
maiores reservatórios de água doce do mundo – concentram-se algumas das
principais cidades norte-americanas e canadenses, como Chicago, Cleveland,
Milwaukee, Rochester e Bufallo, e também, Toronto, Montreal e Quebec – as duas
últimas, nas margens do Rio São Lourenço.
Angola não é um país
geograficamente da Região dos Grandes Lagos Africanos. Mesmo assim, somos – ou
devemos ser – parte interessada na resolução dos problemas que assolam aquela
zona demasiado instável de África. Faz, pois, por isso, algum sentido a atenção
especial que damos ao estado daquela região. Recordo que, no passado, estivemos
envolvidos militarmente no conflito da RDC, Uganda e Ruanda, no território do
Kivu, onde pontifica um dos Grandes Lagos do nosso continente.
Vale, pois, a pena darmos
ainda uma pequena olhadela à geografia da Região do Grandes Lagos Africanos,
para melhor entendermos a complexidade do fenómeno político e social que aí se
desenvolve.
Os Grandes Lagos Africanos
estão situados na África Oriental – justamente considerados dos mais extensos e
mais profundos do mundo. A sua formação data de há cerca de 35 milhões de anos,
no Vale do Rift Ocidental, uma formação geológica onde se situam a Etiópia,
Quénia, Tanzânia, Uganda, Burundi, República Democrática do Congo, Malawi e
Moçambique.
O Lago Niassa é partilhado
por Moçambique, Malawi e Tanzânia. O Lago Tanganica estabelece fronteira entre
a RDC, Tanzânia e Burundi. O Lago Kivu confina o Rwanda e o RDC. Os Lagos
Eduardo e Alberto são partilhados pela RDC e Uganda. Por sua vez, o Lago
Vitória – o maior de todos – separa o Quénia do Uganda e também da Tanzânia.
Por último, temos o Lago Turkana – que já foi designado por Lago Rodolfo – é
partilhado pelo Quénia (maioritariamente) e pela Etiópia, que tem a particularidade
de ser o único Grande Lago Africano situado na parte Oriental do Vale do Rift.
Podemos avançar um pouco
mais na geografia dos Grandes Lagos africanos: os Lagos Vitória, Eduardo e
Alberto vertem as suas águas no Rio Nilo Branco; os Lagos Tanganika e Kivu
lançam as suas águas no Rio Zaire; o Lago Niassa despeja as suas águas no Rio
Zambeze.
O Lago Turkana tem uma
característica muito particular, pois, não lança as suas águas num rio, ou no
mar – elas ou se evaporam, ou se infiltram nas profundezas da terra. É o maior
lago alcalino do nosso mundo, equivalendo ao “Mar Morto”. Tem 290 km de
comprimento e a sua largura máxima atinge os 30 km. A profundidade média do
Lago Turkana é de 30 m e a máxima vai até aos 109 m. Alguns antropólogos consideram
mesmo o Lago Turkana como o berço da humanidade, dado que foi nessa região que
foram encontrados dos mais antigos fósseis de hominídeos.
Nós, os africanos, ainda não
fomos capazes de transformar plenamente a natureza maravilhosa de que estamos
dotados em factor de crescimento económico e de geração de bem-estar para os
nossos povos. Temos, em grande medida, desperdiçado os imensos recursos que
possuímos, perdendo-nos em guerras altamente destruidoras. Precisamos, sim, de
valorizar devidamente da paz.
É evidente que a paz na
Região dos Grandes Lagos Africanos, é, primeiro que tudo, do interesse imediato
dos povos e dos países aí localizados. Mas, é também verdade, que há países
fora da Região dos Grandes Lagos – como, por exemplo, Angola – que não deixam
de ser parte interessada, dado que, qualquer perturbação que aí se verifique,
tarde ou cedo se repercutirá dentro das suas fronteiras, por via das migrações
massivas de refugiados, ou até pela deslocação de forças militares.
Não vejo grande mal em
países fora da Região dos Grandes Lagos Africanos se assumirem como
protagonistas na busca da paz e estabilidade para a Região. Julgo, porém, que o
seu envolvimento deve ter sempre em devida conta a génese dos problemas que têm
tornado a Região bastante vulnerável, não se pautando apenas pela satisfação de
interesses egoístas imediatos, que ainda complicam mais a já explosiva situação
que lá se vive. Pinto de Andrade –
Angola
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