A aposta que a China, e
Macau em particular, tem feito no ensino do português, deve servir de exemplo
para Goa e para a Índia, defende Delfim Correia da Silva, director do Centro de
Língua Portuguesa do Camões e leitor na Universidade de Goa. Na única
instituição de ensino superior indiana com departamento de Português, o número
de alunos tem aumentado de forma “gradual e consistente”.
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Quantas pessoas falam português em Goa e quantas estão a aprender?
Delfim Correia da Silva – Em
relação às que falam português, não sei e duvido que alguém saiba. As que estão
a aprender, em números redondos, são cerca de 1500 anualmente, divididas pelos
vários níveis de ensino. Cerca de 800 alunos estudam português nas escolas do
secundário, do 8º ao 12º ano, na Universidade [de Goa] temos cerca de 100
alunos, talvez não chegue a tanto. Dez estão inscritos no mestrado – é a única
universidade em toda a Índia que oferece o nível de mestrado – e uns 70 estão
inscritos em vários cursos opcionais que o Departamento de Português oferece,
cursos de língua, de cultura portuguesa, de cinema, arte. Tem havido um aumento
no número de inscrições. Existem outras instituições que oferecem os cursos livres:
além do Centro de Língua Portuguesa do [Instituto] Camões, onde cerca de 100
alunos anualmente estudam, existem outros polos, no Chowgule College em Margão,
com o qual temos um protocolo, e instituições como a Indo-Portuguese Friendship
Society e a Communicare.
- Esse aumento tem sido gradual?
D.C.S. – É um aumento
gradual e consistente. Essa tendência de aumento tem-se verificado nos últimos
oito, dez anos, sensivelmente. Depois daquele interregno que foram os
acontecimentos de 1961, com a libertação, houve um impasse complicado. O
português deixou de ser língua obrigatória e só com o reatamento das relações
diplomáticas entre Portugal e a Índia, nomeadamente com a instalação de
instituições portuguesas como o consulado, o [Instituto] Camões e a Fundação
Oriente, é que se verificou um reacendimento da procura pelo português. No
nível secundário, os números, há uns anos, eram relativamente reduzidos, cerca
de 200 ou 300 alunos. Segundo informações que recebi, há uma tendência de
crescimento. Na universidade isso é muito mais evidente, os números dispararam
e costumo dizer que se houvesse mais professores qualificados, poderíamos ter
aqui uma situação verdadeiramente surpreendente de procura pelo português.
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É difícil trazer professores para cá?
D.C.S. – É muito complicado.
Já desde o século XVI que é complicado convidar portugueses para virem para a
Índia. Não é propriamente fácil viver nesta zona do planeta. Depois são as
distâncias, as dificuldades burocráticas, a adaptação à vida, aos valores culturais.
Apesar de haver vários jovens portugueses e brasileiros a procurarem saber das
condições para poderem trabalhar, depois a efectivação é sempre muito
complicada.
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Também passou por essas dificuldades? Que balanço faz?
D.C.S. – A minha experiência
indiana começou em Nova Deli, em 1996. Aí senti, de facto, um choque cultural e
uma dificuldade francamente grande. É brutal, nalguns aspectos, a adaptação à
Índia. Vir para Goa já não foi propriamente um desafio. O desafio que aqui se
coloca é o de responder às solicitações, que são imensas. Estou cá desde 2008 e
o tempo tem passado a voar. Tem sido uma experiência muito positiva, com
momentos que guardo com muito agrado.
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Quem são os alunos do Departamento de Português?
D.C.S. – Tem-se sentido uma
evolução em termos de perfil e motivações. A Universidade restruturou os
programas curriculares, tornando-os mais exigentes e intensivos. De maneira
que, se em 2010 tínhamos ainda alunos que vinham fazer mestrado por mero
interesse pessoal, hoje o perfil é totalmente diferente. São alunos mais
jovens, que vêm de outros estados da Índia e que vêm com o propósito muito
claro de adquirir competências que possibilitem o desempenho de funções
profissionais, sobretudo a nível das grandes empresas. Têm um plano muito bem
delineado e sabem que, acabando o mestrado, obtêm empregos muito vantajosos no
resto da Índia porque a procura por especialistas em língua portuguesa é
crescente.
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Com quantos professores conta a universidade?
D.C.S. – No Departamento de
Português são cerca de 100 alunos para dois professores e tempo inteiro, com a
colaboração de outras duas professoras. Nos outros departamentos a situação é
muito semelhante, no máximo quatro docentes para um universo de 100, 150
alunos. No departamento de Química, com o maior número de alunos, cerca de 200,
o corpo docente não deve exceder os seis professores. Em média, então, cerca de
20 professores.
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Que avaliação faz da Universidade de Goa?
D.C.S. – O Departamento de
Português é o mais pequeno da universidade. Goa é o Estado mais pequeno da
Índia e o Departamento de Português é uma espécie de Goa dentro da
Universidade. Debatemo-nos com algumas dificuldades de infra-estruturas e
sobretudo de ao nível do corpo docente. A universidade abriu um programa de
oferta de postos e estou muito confiante que, com a contratação de professores
qualificados, o Departamento de Português possa dar o salto que toda a gente
espera, para poder responder e forma mais eficiente às solicitações do mercado
de trabalho e da área académica.
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Cooperam com outras universidades?
D.C.S. – Beneficiamos de
dois programas de cooperação, com a Universidade de Aveiro e com a Universidade
de Porto. Tivemos, em 2011, um curso de Verão organizado na Universidade de
Aveiro, para professores goeses, que correu muitíssimo bem, foi uma óptima
experiência que gostaríamos de repetir, se possível já este ano. Com a
Universidade do Porto temos uma série de convites para participar como membro
em vários programas do Erasmus Mundus. Para além de programas específicos com a
Faculdade de Letras, também teremos projectos com a Faculdade de Desporto e de
Arquitectura. Estamos a consolidar e estabelecer essas pontes entre Portugal e
a Índia, através de Goa.
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Nunca foi equacionada uma cooperação com a Universidade de Macau?
D.C.S. – Sei que já houve
visitas de uma delegação de Macau, mas mais na área das ciências sociais e
políticas, porque há um Centro de Estudos Latino-Americanos e um Departamento
de Ciências Políticas. Na área das literaturas, ainda não houve nenhuma
proposta.
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Seria interessante?
D.C.S. – Obviamente. Seria
estratégico criar aqui uma espécie de triângulo das Bermudas: Moçambique, Goa e
Macau. Faria todo o sentido, seria um projecto de muito interesse.
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Acompanha o trabalho da Universidade de Macau?
D.C.S. – Tenho poucas
informações sobre Macau. Conheci a universidade em 1996 e apercebi-me da força
e da dimensão, em termos de programas académicos, que existe em Macau. Apercebi-me
que, de facto, a China tem uma perspectiva de aposta no português que
infelizmente ainda não acontece na Índia. Nesse sentido, acho que Macau é um
bom exemplo, pode servir de modelo para Goa, e consequentemente para o resto da
Índia.
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A nova geração de goeses está interessada em aprender ou o português que cá
existe é das gerações anteriores?
D.C.S. – Sim. O português
atrai os jovens goeses, devido ao Brasil – a música, o Carnaval, o desporto –,
devido às grandes figuras da actualidade, como o Cristiano Ronaldo. Apesar de
Goa ser quase uma aldeia, é um local bastante cosmopolita. Todos têm familiares
um pouco por toda a Europa. Muitos viajam [para Portugal] e quando regressam
confessam que afinal o Portugal que viram não é o Portugal que os avós lhe
falavam. Ficam fascinados com os monumentos, com a modernidade. Essa nova
geração tem uma visão diferente.
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A cultura é o factor número um para o interesse pelo português?
D.C.S. – Sim, mas também não
podemos menosprezar o facto de Portugal ser um país que oferece boas condições
de trabalho e vida profissional, apesar da crise. E também a possibilidade de
realizar estudos superiores na Europa – é uma das coisas que eles falam com
muito fascínio, das condições das universidades.
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Já disse que a experiência está a ser positiva. Quanto tempo mais pensa ficar
em Goa?
D.C.S. – Sou sonhador, mas
os meus projectos têm a duração de 365 dias. Todos os anos, quando colocada a
questão, pelo [Instituto] Camões, se pretendo renovar por mais um ano, penso, reflicto
e chego sempre à mesma conclusão: sim, quero ficar mais um ano. Mas penso que,
devido às regras, a minha permanência em Goa está a terminar. Penso que ficarei
até 2015. Do futuro só Deus sabe, apesar dos meus sonhos. Logo se verá.
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Tem pena de ir?
D.C.S. – Sim. Quando chegar
essa altura, vai ser difícil. Aconteceu-me o mesmo em Nova Deli. Foi uma
experiência verdadeiramente traumática, durante uns meses senti que vivia
noutro planeta, tudo era diferente, o choque cultural foi muito duro. Mas acabei
por ficar quase seis anos e quando saí, ao contrário do que supunha, quando
cheguei ao aeroporto senti que parte de mim ficava para trás. Foi muito
difícil. Em relação a Goa, quando isso acontecer, suponho que vai ser muito
mais duro.
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Os seus sonhos incluem projectos fora de Goa?
D.C.S. – O meu sonho é,
sobretudo, concretizar os projectos em que estou empenhado e procurar não
perder este gosto, esta paixão, pelo ensino.
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Nunca pensou em estabelecer uma Escola Portuguesa em Goa, à semelhança da que existe
em Macau?
D.C.S. – Há uns anos
falou-se nessa possibilidade. Mas penso que é um pouco prematuro, é necessário
consolidar outras questões. Uma delas passa pelo fortalecimento da estrutura
escolar do ensino secundário – criar uma rede de professores do quadro porque
os professores não têm vínculo, são financiados quase na totalidade pela
Fundação Oriente. Se a rede de docência do secundário estiver, de facto,
consolidada, penso que sim, que justifica o projecto de uma Escola Portuguesa,
à semelhança de Macau.
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Haveria interesse por parte das autoridades locais em criar as
infra-estruturas, e por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros português
em aqui ter um espaço?
D.C.S. – Mais do que uma
escola portuguesa, deveria ser uma escola lusófona, uma escola que congregasse
interesses do Brasil dos PALOP e de Portugal.
“Gostava
de ser professora de português”
Fomos encontrar Alysia
Viegas em plena aula, juntamente com mais quatro colegas. Esta jovem de 20
anos, natural de Goa, está a aperfeiçoar o domínio do português, para poder
contribuir para a sua preservação. “Desde pequena que falo português, toda a
minha família fala português mas pouca gente em Goa fala português. Não há
professores, gostava de ser professora de português para crianças”, explica.
Além de estudar na
Universidade de Goa, Alysia Viegas é também desportista, joga futebol na equipa
de Goa. Não está a competir nos Jogos da Lusofonia, mas tem boas perspectivas
para os resultados da equipa: “Acho que vão ganhar”. Inês Gonçalves – Macau in “Ponto Final”
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