Deixaram nas ilhas um legado
de
híbridas palavras e tétricas plantações
engenhos enferrujados proas sem alento
nomes
sonoros aristocráticos
e a
lenda de um naufrágio nas Sete Pedras
Aqui
aportaram vindos do Norte
por
mandato ou acaso ao serviço do seu rei:
navegadores e piratas
negreiros ladrões contrabandistas
simples homens
rebeldes proscritos também
e
infantes judeus
tão
tenros que feneceram
como
espigas queimadas
Nas
naus trouxeram
bússolas quinquilharias sementes
plantas experimentais amarguras atrozes
um
padrão de pedra pálido como o trigo
e
outras cargas sem sonhos nem raízes
porque
toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso
todas
as mãos eram negras forquilhas e enxadas
E nas
roças ficaram pegadas vivas
como
cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um
escravo morto.
E nas
ilhas ficaram
incisivas arrogantes estátuas nas esquinas
cento
e tal igrejas e capelas
para
mil quilómetros quadrados
e o
insurrecto sincretismo dos paços natalícios.
E
ficou a cadência palaciana da ússua
o
aroma do alho e do zêtê d'óchi
no
tempi e na ubaga téla
e no
calulu o louro misturado ao óleo de palma
e o
perfume do alecrim
e do
mlajincon nos quintais dos luchans
E aos
relógios insulares se fundiram
os
espectros — ferramentas do império
numa
estrutura de ambíguas claridades
e
seculares condimentos
santos
padroeiros e fortalezas derrubadas
vinhos
baratos e auroras partilhadas
Às
vezes penso em suas lívidas ossadas
seus
cabelos podres na orla do mar
Aqui,
neste fragmento de África
onde,
virado para o Sul,
um
verbo amanhece alto
como
uma dolorosa bandeira.
Conceição
Lima – São Tomé e Príncipe
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