“Eu defino-me simplesmente como fotógrafa”
Macau é o ponto de partida e de retorno de
“Ponte de Luz”, que reúne 188 fotografias de vestígios portugueses na Ásia
registados a preto e branco por Carmo Correia. Em entrevista, a fotógrafa conta
como desenvolveu o projecto, que inclui um livro, uma exposição e um
documentário. A apresentação acontece na próxima terça-feira às 18h30, na Casa
Garden.
Durante dois anos, a fotógrafa portuguesa
Carmo Correia retractou a preto e branco vestígios da presença portuguesa em
Goa, Damão, Diu, Cochim, Malaca, Timor-Leste, Japão, Sri Lanka, Tailândia,
Indonésia e Macau. O resultado é um livro com 240 páginas e 188 fotografias,
bem como textos do historiador Jorge Santos Alves e do escritor e jornalista
Carlos Morais José. O livro é uma edição numerada manualmente e limitada a 2500
exemplares. O projecto complementa-se com uma exposição de 50 imagens a preto e
branco e um documentário realizado por Susana Gomes, da produtora Inner Harbour Films. Este é o terceiro
livro de fotografia de Carmo Correia, que vive em Macau desde 2000 e trabalha
como freelancer para a agência LUSA e diversos meios locais.
- Como
é que surgem os teus projectos pessoais, tens um plano, uma trajectória, metas
a cumprir?
Carmo Correia – Vou tendo ideias de coisas
que gostaria de fazer, relativamente a Macau, que é onde estou baseada. Acho
que neste campo onde tenho trabalhado, especialmente nestes projectos de
lançamento de livros e de alguns produtos que tenho, como as colecções de
postais, acho que são coisas que fazem muita falta no mercado e que me dão
muito prazer a desenvolver.
- Qual
é o peso que estes projectos pessoais têm no conjunto do teu trabalho?
C.C. – Para a minha realização pessoal são
uma parte bastante importante, mas financeiramente é difícil viver apenas dos
projectos. O primeiro livro que lancei era sobre o património classificado pela
UNESCO em Macau [em 2007], achei que era uma coisa que faltava no mercado, dos
25 lugares classificados como património mundial, 20 são de arquitectura
portuguesa e achei que, naquele momento, era importante e que deveria ser o meu
primeiro trabalho. Acabei até por, com esse livro, receber uma menção honrosa
do [Pilsner Urquell] International Photo
Awards na categoria de livros documentais, o que foi bastante bom. Em 2009
fiz um segundo livro, sobre Macau também, foi um trabalho a cores, numa
vertente um pouco mais comercial. Estes livros são projectos cem por cento
meus, todo o conceito do trabalho é meu. Claro que depois contrato pessoas para
a execução nas áreas específicas, a nível de textos, de design. Mas, todo o
conceito do projecto é meu, para além da fotografia.
- Quando
é que começaste a pensar no livro e na exposição “Ponte de Luz”?
C.C. - O livro que fiz agora era um projecto
que eu tinha na cabeça desde há muito tempo. Mas, precisava de ter a
experiência de fazer trabalhos mais pequenos antes de me aventurar, porque este
projecto envolvia muita produção, muito tempo de trabalho, muitos custos e era
difícil partir para uma coisas destas sem ter algum currículo, sem as pessoas
conhecerem o meu trabalho. Ninguém vai apostar em ti se caíres do céu. É
importante, de facto, ter experiência e “know-how”
para nos aventurarmos num trabalho desta dimensão.
- Pode-se
dizer que começaste a preparar-te para este livro desde que chegaste a Macau?
C.C. – Não é uma coisa que eu tenha planeado,
o que aconteceu é que os outros dois livros foram saindo e achei que agora era
o momento certo para este projecto sair. Achei que tinha confiança suficiente
em mim própria para poder ir bater às portas [para pedir patrocínios] e
arrancar com um projecto desta dimensão. O resultado está a vista e acho que o
livro está bastante bom.
- Tiveste
a liberdade que querias para concretizar o projecto?
C.C. – Tive toda a liberdade para o fazer, o
que eu fiz foi o que eu fiz com os outros. Elaborei o projecto, depois comecei
à procura de patrocinadores, podendo dizer já à partida qual o produto que iria
apresentar. O projecto inclui um livro de luxo, tem 240 páginas, com 188
fotografias, de oito países. Tem a parte da exposição de fotografia, que
inaugura no dia do lançamento do livro e vai estar aberta ao público até 19 de
Janeiro de 2014 na Casa Garden. Isto é um projecto muito especial, que levou
dois anos a desenvolver, comecei em Janeiro de 2012 e estou a terminar agora em
Dezembro de 2013. E, como as pessoas têm sempre a curiosidade de saber porque
um trabalho destes demora tanto tempo, achei que teria algum interesse e
despertaria o interesse das pessoas mostrar o processo de desenvolvimento do
projecto. Daí que, decidi acrescentar um documentário de vídeo, que é uma
espécie de “making-of” do projecto.
Essa parte deixei encarregue à equipa de vídeo. Disse o que pretendia e passei
para as mãos das pessoas que, de facto, sabem do assunto.
- Quem
realizou o vídeo?
C.C. – Susana Gomes. O vídeo vai estar sempre
a ser projectado em “loop” durante
todo o tempo em que a exposição estiver aberta e depois vai estar também na
Internet, através do meu website. O
objectivo do vídeo foi dar alguma dinâmica à exposição.
- O
que é que se pode ver no vídeo?
C.C. – O vídeo, por questões orçamentais, não
inclui os países todos. Optámos por escolher três locais mais emblemáticos do
projecto e aí fizeram-se as filmagens. É um filme curto. Fizemos filmagens em
Goa, Malaca e em Macau. Inclui, também, a produção, a selecção de imagens, a
parte gráfica, discussões em termos de design. Mostra um bocadinho de tudo.
- Como
é que defines o teu trabalho enquanto fotógrafa?
C.C. – As pessoas gostam muito de me pôr
aquela estampa de “fotojornalista”, que é a coisa que eu menos gosto de fazer e
é a coisa que eu menos faço quase. Eu defino-me simplesmente como fotógrafa.
Aqui em Macau nunca vi que tivesse sequer a possibilidade ou nem sei se
gostaria de fazer uma especialidade única e exclusivamente na fotografia. Eu,
para mim, sou fotógrafa. Mas, aquilo que as pessoas dizem que sou é o que eu
menos gosto ou que estou sempre a dizer que não sou, que é fotojornalista.
Também há áreas da fotografia que eu não domino, por exemplo, fotógrafa de
moda, não sou. É uma área muito específica da fotografia, a moda tem muito que
se lhe diga. Por exemplo fotografar produtos em estúdio. Tens muito bons
fotógrafos a nível de produtos, que são áreas muito especializadas. Acho que
deve ser desafiante, mas nunca me despertou muito interesse.
- Este
livro é um trabalho documental?
C.C. – Na nossa linguagem de fotógrafos
chamamos um misto de fotografia artística e o “street photography”, que é aquela fotografia que vem um bocadinho
da ideia que temos do [Henri] Cartier-Bresson. Fotografia de situações de rua,
mas que é vendida nas galerias, é a junção das duas coisas. Claro que aqui há,
também, um fundo documental, algo, mas não muito. Porque este projecto para
mim, apesar de ser sobre a presença portuguesa no Oriente, nunca teve como
objectivo fazer um levantamento exaustivo do património português que existe na
Ásia. Há muitos sítios ou monumentos, que são muito importantes, mas que não
constam do livro. Alguns deles, não porque não os tenha fotografado, mas
simplesmente porque eu achei que a imagem não era suficientemente forte para
aquilo que eu pretendia fazer do livro. O que eu quis sempre fazer foi criar
uma linha visual que fosse dinâmica, mas que fossem imagens fortes que me
dissessem alguma coisa. Não era simplesmente, olha está ali um forte então
vamos fotografar e vai ter que aparecer o forte todo. Às vezes, até pode ser
uma coisa pequenina, mas se a fotografia é boa, vale pelo todo. Há muitos lugares
em que se vê só pequenas coisas. Muitas imagens são pequenas coisas. Tentei
conciliar não só a arquitectura, mas os costumes, as festividades, coisas
marcantes que ainda estão ligadas à nossa presença, ao nosso contacto com estes
países e que ali ainda se celebram.
- Qual
foi o teu percurso?
C.C. – Macau é o ponto de partida e de
expansão. Passei pela Índia, em cinco locais diferentes, Sri Lanka, Tailândia,
Malásia Indonésia, Japão e Timor-Leste. Procurei os lugares onde os portugueses
chegaram, onde houvesse qualquer coisa marcante e que, de facto, mostrasse uma
ligação, um marco identificativo, uma coisa qualquer que me levasse a fazer uma
foto.
- A
presença portuguesa nestes lugares foi o pretexto para o projecto?
C.C. – Foi o meu pano de fundo. O que eu
queria em cada país era tentar ao máximo incluir uma presença humana. Ou seja,
que as pessoas olhassem para a imagem e sem irem à legenda conseguissem
identificar o sítio, pelas pessoas, pelas roupas, por qualquer detalhe. Se
pensarmos no que existe em termos de presença portuguesa no Oriente, hoje em
dia, grosso modo em termos de arquitectura, 90 por cento, se calhar, são
fortificações, fortalezas e igrejas. Ninguém tem paciência para pegar num livro
de 240 páginas para ver fachadas de igrejas, nem eu como fotógrafa teria
paciência para isso. Foi um desafio bastante grande conseguir dar a volta a
este facto. Estou muito satisfeita com o trabalho. Cheguei a um ponto que até
achei que me faltavam igrejas de tanto que eu as queria evitar. Acho que está
na dimensão certa, está um livro muito dinâmico, muito variado em termos de
imagens e era de facto esse o meu objectivo. Consegue-se ver um bocadinho de
cada coisa, consegui diferenciar os vários países. Mas, não é um livro
documental. A parte de textos coube a um historiador português especialista na
expansão portuguesa no Oriente, que é o Jorge Santos Alves, que fez o texto
inicial. E há um texto de Carlos Morais José que fecha o livro.
- Cumpriste
um objectivo que tinhas na tua vida?
C.C. – Cumpri um objectivo na minha vida,
sim.
- Estás
satisfeita?
C.C. – Sim, muito. Foi um desafio muito
grande, este projecto foi exaustivo. Eu é que acabei por fazer praticamente
tudo. Em termos de produção, pesquisa, procura de informação, marcação e gestão
de viagens, de lugares para ficar. Para tratar de tudo isto quase que seria
necessário outra pessoa. Depois, toda a parte de fotografar, além disso, eu
tinha que conciliar este projecto com o trabalho que tenho em Macau, durante
dois anos. Eu tinha que conseguir conciliar tudo. Foi exaustivo. Cláudia Aranda – Macau in “Ponto Final”
Para melhor conhecer o trabalho da fotógrafa
Carmo Correia aceda aqui. Baía da Lusofonia
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