A morte de Nelson Mandela foi, seguramente, o
facto que, nos últimos dias, mais prendeu a atenção da opinião pública
internacional, tendo relegado para plano secundário, quer a crítica situação
vivida na Síria, a tensão política e militar prevalecente no Pacífico – em
torno das ilhas Diaoyu (Senkaku, para os japoneses), disputadas pela China,
Japão e Coreia do Sul – ou mesmo até, os tumultos que varrem a Ucrânia, depois
da recusa das autoridades deste país a aderir à União Europeia.
A morte de Nelson Mandela despoletou dois
factos contraditórios: por um lado, grande pesar pela sua perda; por outro, uma
expressiva homenagem à sua longa vida.
Foi, pois, perceptível que os sul-africanos e
o Mundo viveram com emoção este duplo acontecimento. E, tal como se esperava,
assistiu-se nos últimos dias a uma verdadeira peregrinação a caminho da África
do Sul, com emissários partidos de todas as paragens, o que fez da África do
Sul o alvo de todas as atenções.
Penso que não houve qualquer exagero na forma
como o Mundo se despediu do grande líder da luta contra o Apartheid, cotando-o,
assim, como “O Melhor Líder Político do séc. XX”. Esse foi o sentimento que o
Presidente norte-americano, Barack Obama, soube exprimir, quando disse, no
discurso que pronunciou nas suas exéquias: “Foi Mandela que nos ensinou que
tudo parece impossível… até que seja feito”.
Com a sua mestria, Mandela realizou aquilo
que parecia impossível: conseguiu conduzir em paz um país que mais parecia um
barril de pólvora… Tais eram as clivagens introduzidas pelo regime de
segregação racial…
Em homenagem a Nelson Mandela, quase todos os
países colocaram a meia-haste as suas bandeiras nacionais Houve mesmo quem,
como o Brasil, decretou Luto Nacional por 7 dias. Moçambique fê-lo por 6 dias.
De um modo geral, foram decretados 3 dias de Luto Nacional.
O nosso país optou por nem um Dia de Luto
dedicar à memória de Nelson Mandela, um facto que nos terá, certamente,
distinguido pela negativa. Não me parece justo desprezar de modo tão triste a
perda do homem mais valioso que o Mundo criou no último século. Considero isso
um erro político que se poderia ter evitado e que em nada ajudará a consolidar
os laços de fraternidade que deveremos cultivar com o povo sul-africano.
Certamente que todo o Mundo se terá apercebido desta tremenda gafe…
O simbolismo do homem que a partir do dia 5
de Dezembro deixou de estar entre nós pode ser medido pelo número de delegações
e participações internacionais presentes nas suas exéquias. Foram Chefes de
Estado e de Governo idos de todas as partes, com as mais diversas colorações
políticas. Foram figuras das Artes e da Cultura, também do Desporto. As
organizações da Sociedade Civil fizeram-se presentes em massa. Cidadãos
anónimos partiram para a África do Sul, com o intuito de homenagear Nelson
Mandela e, assim, manifestarem a estima e consideração que por ele nutriam.
Mesmo na morte, Mandela conseguiu novamente o
mérito de unir o que parecia impossível…Proporcionou o primeiro aperto de mão
entre o Presidente norte-americano, Barack Obama, e o líder cubano, Raul Castro
– um facto observado com enorme curiosidade por todos.
Um outro facto demasiado perceptível nas
exéquias de Nelson Mandela foi a composição das delegações oficiais que se
fizeram presentes, sobretudo, de Chefes de Estado e de Governo.
As delegações oficiais dos países
democráticos foram plurais e exprimiram a história recente desses países. Elas
incluíram não apenas os Presidentes em exercício, mas também os seus antecessores.
Foi assim com a caravana de Barack Obama, onde se viram Bill Clinton, George W.
Bush, Jimmy Carter, mas, também, a ex-Secretária de Estado da Administração
Clinton, Madelene Albright. O mesmo sucedeu com o actual Primeiro-Ministro
britânico, David Cameron que foi à África do Sul na companhia de vários
ex-Primeiro-Ministros, como Gordon Brown, James Major. A Presidente do Brasil,
Dilma Rousseff, fez-se acompanhada dos antecessores, Lula da Silva, Fernando
Henrique Cardoso, José Sarney, Fernando Collor de Melo. As principais realezas
europeias afluíram em massa para assistirem, em Joanesburgo, à despedida
oficial de Nelson Mandela. O Presidente francês, François Hollande, esteve
sentado lado-a-lado com o seu predecessor, Nicolas Sarkozy.
É tristemente notório como os líderes
africanos (e de países pouco ou nada apostados na democracia) se fazem
acompanhar apenas dos seus mais próximos., uma imagem que só pode ser
interpretada de duas formas: ou os líderes actuais pretendem apagar a história
dos seus países, lançando para a penumbra os que os antecederam; ou então, os
líderes do passado estão encarcerados ou foram simplesmente eliminados.
Felizmente, a África do Sul é das poucas
excepções no que diz respeito ao respeito pela história. E isso deve-se a
Nelson Mandela que soube estender a mão a todos, criando a “Nação do Arco-Íris”
e da Tolerância Política.
Já que são excepções os casos em que há
antecessores vivos (ou em liberdade) nos nossos países, poderíamos introduzir o
princípio de, nesses actos de grande exposição pública, os Chefes de Estado
africanos se fazerem acompanhar pelos principais líderes das Oposições e também
por figuras da Sociedade Civil. Tudo isso, sem equívocos ou manipulações. Com
isso, dava-se uma outra imagem à política e aos políticos. E a politica
deixaria de ser vista como um jogo de vida ou de morte. Passar-se-ia a encarar
a diversidade política com naturalidade e como uma forma de enriquecimento das
ideias. Hoje, como sabemos, ser de Oposição é algo que implica alto risco,
mesmo até, de morte eminente…
Outro realce bem visível na derradeira homenagem
a Mandela – a Tolerância Religiosa. O acto oficial da sua despedida foi marcado
por um Culto Ecuménico exprimindo a liberdade religiosa por que ele sempre
pugnou. No país que ele deixou coexistem cristãos, budistas, muçulmanos, e
outras confissões religiosas. Todos se fizeram presentes, num preito de
homenagem singular que exprime a real possibilidade de se viver em harmonia na
diversidade.
A Nação sul-africana não pode ser assumida
apenas por uns e para uns mas, sim, por todos e para todos. A ninguém cabe o
direito de encarar um país que é de todos como se fosse seu. Foram essas as
ilações que retirámos da vida e da obra de Nelson Mandela e que, por isso,
justamente, o tornaram um Homem Singular. Pinto
de Andrade - Angola
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