Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Angola – Os factos da quinzena IV

Os Factos da Quinzena

Nova quinzena e novos e antigos factos em continuum.

1º Facto

Factos continuados, nos últimos tempos, são a problemática da proliferação dos lixos e a consequente tragédia de doenças e mortes em Luanda e um pouco por todo o país. É verdade que a mãe natureza veio atrapalhar ainda mais as coisas, com as intensas chuvas. Mas convenhamos que há sobretudo uma coincidência com a superveniência do outro cruel inspector que foi a queda do preço do petróleo, ao que, nunca contando com a minha convicção, muitos chamaram extraordinário crescimento económico da Angola do pós-guerra, sobre a forte liderança do presidente dos Santos. Agora, neste rebuscar de continuadas vãs esperanças, alimentadas por quem, a todo o custo, quer permanecer no comando de uma nau, praticamente, desgovernada, volta-se a esquemas completamente desenquadrados com um proclamado Estado Democrático e de Direito, como o “trabalho voluntário” ou o apelo a diversos outros sacrifícios patrióticos “das massas populares”. Estou à vontade para dizer que apenas assistimos às consequências do que alertamos, em devido tempo, ser o apetite desmesurado pela concentração e centralização, tanto horizontal como vertical de todos os poderes numa pessoa, numa família, amigos e bajuladores. Com todos os mecanismos de escrutínio e fiscalização, de carácter permanente, imobilizados.

Mais importante do que as acções de solidariedade com as vítimas desta desgovernação, onde se detectam algumas de carácter cínico e mero aproveitacionismo político, entre cujos protagonistas encontramos alguns culpados das presentes calamidades, devia ser o juntar-se da Nação para a reposição dos consensos destruídos à volta da discussão e aprovação da constituição formal de 2010. Até mesmo baseando-se na própria então chamada “agenda de consenso do MPLA”, que, deste então, tem sido completamente ignorada. E quando são conhecidas ideias muito positivas que partem da oposição, neste mesmo sentido: esquecer um passado (actual) em que uma minoria, em nome de não se sabe que legitimidade, se outorgou o direito de se atirar ao património nacional e em menos de 15 anos se apossou de tudo quanto seja sector estratégico (ou até nem por isso!) e acto contínuo inverteu a rota dos “descobrimentos” para colonizar mentes e territórios na nação, quiçá, mais antiga da velha Europa; e, retomar o caminho da construção de um futuro pacífico, que só é possível quando participada (a construção).

2º Facto

Ainda sobre o Processo dos 17 e afins, em que continuamos a assistir a uma autêntica teatrização do judicial, não fosse a expressão tão lamentável, perante o silenciamento martirizante de inocentes, deparei-me com uma afirmação atribuída ao nosso Procurador-Geral da República, segundo a qual reconhecia que a detenção e condenação (e congelamento do processo de recurso, acrescento eu) do activista de Cabinda Marcos Mavungo tinha mais a ver com a necessidade de controlar a delicada situação daquela província encravada a norte do país, do que com elementos constitutivos de um verdadeiro e justo processo judicial. É justamente a isso que chamamos processo político e não processo judicial, que só pode dar lugar a presos políticos ou de consciência, epíteto que um regime comandado por antigos perseguidos políticos, há mais de 40 ou 50 anos, não quer ver atribuído às vítimas de semelhantes perseguições e sevícias, em pleno século XXI, num proclamado Estado Democrático e de Direito. Estou plenamente convencido que, no caso particular de Cabinda, se não fossem pervertidos os acordos anteriormente alcançados para a pacificação do território, com todo o mérito do Presidente Santos, não teríamos essa necessidade extrema de eleição trágica de bodes expiatórios; o mesmo aconteceria na situação geral de Angola, não houvesse a reviravolta espectacular perante os consensos plasmados na “constituinte” de 1991/2, revogada por mero capricho dos actuais poderosos de Angola.

3º Facto

O facto “Panama Papers” vem da quinzena anterior, que não o comentei para verificar se eu próprio também não estava metido nessa “camisa de sete varas” (risos). Mas, falando com franqueza, penso que estamos perante uma das questões que o homem dos nossos dias devia resolver sem traumas: simplificar as coisas, de modo a que a queda de determinadas hipocrisias possam dar lugar a uma maior transparência. Não estou a defender o descaramento com que alguns em Angola, por exemplo (alguns dos quais, por sinal, terão por lá – pelos panamás – alguma papelada), se vangloriam abertamente com as quantidades abocanhadas do erário público, ao que chamam “acumulação primitiva do seu capital, imitando anquilosadas práticas coloniais. Refiro-me simplesmente à necessidade de descomplicar coisas que todos sabemos que existem e depois fingimos que nos espantam, em determinadas alturas, elegendo alguns de nós como os “bombos da festa”. Noutros termos, eu diria que o caso ou os casos “Panama Papers”, depois do caso ou casos WikiLeaks, é mais um indício de que é urgente a mudança do ou de paradigma(s) no mundo actual.

4º Facto

Ao historiador Carlos Pacheco, especialmente, célebre pela seminal obra intitulada “Angola: um gigante com os pés de barro” de escassos anos atrás, quando se devia ufanar hoje da sua tempestiva previsão, com o destapar das fraquezas de um Estado que se julgava infalível, em todos os domínios, são atribuídas, hoje, estas palavras aqui resumidas: aqueles que em Portugal se solidarizam com os “revus”, cujo entusiasmo pueril ele mal ou bem entende, tomem cuidado que estão a dar a sua ajuda a uma “conspiração internacional” (este “dèjá vu” que nunca se explica) contra Angola. E para fundamentar devidamente o porquê de considerar equivocadas as acções de solidariedade de portugueses para com jovens angolanos que devem pagar pela sua imperdoável ingenuidade, remata dizendo que se assim não fora, actos de solidariedade também os devia ter havido, aquando do seu próprio suplício, na longínqua Angola do 27 de Maio de 1977. Espantosa reviravolta!

5º Facto

Na quinzena passada falei de uma das mais vivas expressões da democracia política, observada na pátria irmã brasileira. Nada que se compare com o que se passa, hoje, na “nossa bela pátria angolana, nossa terra e nossa mãe”, onde só o vermelho e o negro se podem exprimir nas ruas, as cores da bandeira de quem pode e manda, quando as coisas lhes correm em desfavor. Mas durante esta quinzena em que escrevo, sequência da observação da vivacidade do fenómeno democrático no Brasil, o exagerado e lamentável: em centenas de depoimentos pró “impedimento” da “presidenta”, quase nenhuma invocação das causas da vontade aparentemente inoculada por “não santos” contra “pecadores”. São dessas coisas que me têm levado a preconizar uma revisão, mesmo nas próprias democracias do tipo ocidental e ajustá-las aos tempos que correm, extirpando-as, justamente, do factor hipocrisia. Terá que ser possível.

6º Facto

“Isabeis” em evidência, durante a quinzena: uma rainha europeia e uma “princesa” africana. Ambas celebraram os seus aniversários e todos bem destacados, na comunicação social, aqui por banda de Lisboa onde passo uma breve temporada. Penso na força da criação mítica, quando um mito é alimentado e cria uma princesa a “olhos vistos”, para um país que ainda há pouco era uma república (marxista-leninista, primeiro e depois “república mesmo”), nos termos do próprio Ocidente. Quando a nonagenária rainha da Inglaterra é apenas um ressaibo simbólico – embora opulento mas quase consensual – do que sobrou da devolução do poder aos povos britânicos e outros, nossos reis (quiçá rainhas), príncipes e princesas começam agora ser consagrados, por mitos europeus, outra vez. Os mesmos que precipitaram a criação de pátrias africanas, aglutinando, abusivamente, vários reinos, com tragédias subsequentes. 

Alguma elite portuguesa, assim acompanhada pela comunicação social, está de facto a exceder-se. Ouvi políticos, alguns de origem africana, a afirmar de forma masoquista, que Portugal deve sujeitar-se aos ditames das ameaças e chantagens ou contar com retaliações da “monarquia angolana”, sistema aceite consensualmente por “todos africanos”, o de extorquir-lhes os bens públicos por uma clique, óptimo para partilhá-los, alegremente, com elites das antigas metrópoles. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”

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Marcolino José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a 19 de Julho de 1953Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.  



Marcolino Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito

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