Paulina Chiziane |
A escritora moçambicana Paulina Chiziane,
natural de Manjacaze, Gaza, onde nasceu a 04 de Junho de 1955, tem quase trinta
anos dedicados à escrita e no passado dia 30 de Outubro de 2013, apresentou no
Centro Recreativo da Universidade Politécnica (CREISPU) na capital de
Moçambique, Maputo, a sua última obra literária, em co-autoria com Rasta Samuel
Pita, intitulada “Por quem vibram os tambores do além?”, sob a chancela da
Índico Editores.
Rasta Samuel Pita |
“Se Deus é o único que criou a todos de
maneira igual, deu a Moisés o poder da magia, também deu aos curandeiros, o
mesmo poder. Por que é que hoje, os curandeiros são condenados e Moisés é
louvado? As pessoas que criticam os curandeiros não conhecem as suas normas e
nem os seus princípios. O conceito de ‘Deus único’ saiu de um africano, chamado
Moisés, para o mundo. Como é que de repente aparecem religiões do ocidente a
afirmar que África está nas trevas e os curandeiros são os diabos”. Palavras de
Paulina Chiziane abordando que a opinião generalizada sobre o curandeiro
africano e particularmente o moçambicano é negativa.
O Prefácio do livro coube ao Prof. Nataniel
Ngomane que fez a apresentação. Aqui ficam as suas “Poucas palavras”:
Poucas palavras
Depois da publicação de Na mão de Deus
(2012), em co-autoria com Maria do Carmo da Silva, livro em que Paulina
Chiziane, a pretexto de discorrer - e com reconhecida e meritória ousadia -
sobre uma dramática experiência de vida, levanta o véu a toda uma série de
questões fortemente marcadas pela discriminação, exclusão e consequente
marginalização dos doentes mentais, quer pelas famílias quanto pelos hospitais
e pelo Estado - assunto, aliás, que mereceu a minudente atenção de Michel
Foucault, levando-o a dissecá-lo na sua Histoire de la Folie à l’ Âge Classique
(1972) e em Maladie Mentale et Psychologie (1975) -, a longínqua autora de
Balada de Amor ao Vento (1990), Ventos do Apocalipse (1995), O Sétimo Juramento
(2000), Niketche (2002), As Andorinhas (2008) e O Alegre Canto da Perdiz (2008)
parece estar, de facto, a optar por um novo paradigma de escrita não
propriamente ficcional mas contemplativo e reflexivo, ao nos presentear, desta
vez, com este Por quem vibram os tambores do além?
Tal como Na Mão de Deus, livro posterior a
este, mas que razões circunstanciais levaram a que fosse publicado primeiro, e
cujas narrativas inquietam visceralmente o leitor - quer seja pela sua
autenticidade, pinçada da experiência vivencial da autora, quer mesmo pelo
facto de remeterem, amiúde, a uma crescente realidade que, para a nossa
infelicidade, se vem assistindo no quotidiano moçambicano -, este “Por quem
vibram os tambores do além?” apela também a uma reflexão que provoca
profundamente o leitor, particularmente aquele leitor enraizado na tradição do
pensamento e visão sociocultural de base ocidental, instigando-o a revisitar e
questionar conceitos, crenças e caminhos de vida julgados firmes e
consolidados. Este livro coloca esse leitor, em particular, em confronto com
outros e sólidos sistemas culturais e de pensamento.
A assistência na apresentação do livro |
Aqui, em co-autoria com Rasta Samuel Pita - e
através de diversas frestas -, Paulina Chiziane põe o leitor em contacto com
diversas tradições do pensamento africano, em especial as dos povos bantu,
alicerçando-as com o crivo da sua visão crítica, tudo com base numa lógica
impressionante, em meio a um destemido exercício comparativo assente no
cruzamento de perspectivas filosóficas diferentes e de sistemas de pensamento
igualmente diferentes.
Tomando como referência espaços geopolíticos
do actual território de Moçambique e suas milenares figuras mitológicas – até
agora desconhecidas de muitos de nós -, Pita e Chiziane conduzem o leitor pelas
sinuosas e múltiplas veredas das cavernas africanas, derramando sobre elas
incontáveis feixes de luz de um saber sobre o qual urge questionar se oculto,
escamoteado ou, pura e simplesmente, reprimido e votado à margem ou ao
esquecimento.
Iniciando com uma invocação aos espíritos,
feita por Rasta Pita, a porta de entrada deste livro sugere, à partida, e em
perfeita sintonia com os modelos estruturais da narrativa, a provável presença
dessas entidades no texto, que, efectivamente, acabam sendo encontradas, embora
não realizem aquela série de proezas habituais ao mundo da ficção. Todavia, ao
mesmo tempo em que assim procede, essa invocação passa a constituir o principal
mote, uma espécie de janela ampla que se abre e por meio da qual se tem acesso
ao mundo estruturado do conhecimento e dos espíritos africanos sobre os quais a
obra se tece.
Os espíritos africanos, neste livro, devem
ser entendidos no sentido antropológico da ancestrolatria conceptualizada por
Ribeiro (1998, p.25)1, como a religião dos bantu, o culto aos
antepassados que “informa toda a vida familiar e social. Religião sem
profetismo, fundada na tradição dos antigos, [em que] as suas manifestações
principais são concretizadas em sacrifícios cruentos de animais, oferendas e
orações, junto de um altar rudimentar, [e nela] só se temem e imploram os
próprios antepassados”.
Não deve causar espanto, por conseguinte, que
ao mesmo tempo em que essa janela ampla se abre, se abra outra similar, por via
da mesma invocação, apontando para a existência de um “ser supremo” apresentado
como autor espiritual do trabalho de Rasta Samuel Pita e Paulina Chiziane, e
não só. Esse ser vai se desdobrando em múltiplas teias, consubstanciado nesse
culto aos antepassados, assim conferindo estrutura e consistência a todo um
modo de ver, pensar e viver o mundo totalmente diferente do que nos foi
habituado pela filosofia e pensamento ocidentais. Em última instância, esse
outro paradigma é apresentado como a força que informa as sociedades
tradicionais dos bantu, num percurso em que o canto, o rufar do tambor e a força
da natureza constituem elementos centrais. Nataniel
Ngomane – Moçambique
1
Ribeiro, Pe. Armando. Antropologia. Aspectos culturais do Povo Changana
e Problemática Missionária. Maputo: Paulinas
Quem deseje perceber as tradições africanas e
os seus próprios conceitos, crenças, sistemas de pensamentos e visões do mundo,
deverá ler o livro de Paulina Chiziane e Samuel Pita “Por quem vibram os
tambores do além?” Baía da Lusofonia
Paulina
Chiziane
– Escritora, “Balada de Amor ao Vento” (1990), “Ventos do Apocalipse” (1993),
“O Sétimo Juramento” (2000), “Niketche: Uma História de Poligamia” (2002), “O
Alegre Canto da Perdiz” (2008), “Na Mão de Deus” (2012), “Por Quem Vibram os
Tambores do Além?” (2013). Prémio José Craveirinha 2003.
Nataniel
Ngomane
- Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu a tese A
escita de Mia Couto e Ungulani Ba Ka Khosa e a estética do realismo maravilhoso
(2004), Nataniel Ngomane é Licenciado em Linguística pela Faculdade de Letras
da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), com a defesa da dissertação Alguns
aspectos da coesão e coerência textuais no romance Terra Sonâmbula de Mia Couto
(1994).
Professor de Literatura Comparada e de
Metodologia de Investigação na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM,
tem textos dispersos em capítulos de livros, revistas e jornais, além de
participação diversa em eventos científicos nacionais e internacionais.
Membro do Conselho Consultivo da revista
Portuguese Literary & Cultural Studies (do Center for Portuguese Culture
and Studies da University of Massachusetts-Dartmouth) e do Conselho Editorial
Científico da revista Recorte (da Universidade Vale do Rio Verde, de Minas
Gerais, Brasil), os seus interesses em pesquisa integram a Literatura
Moçambicana e Latino-Americana, o Cinema e a Música moçambicanos. Director da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane
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