"Se sofres particularmente por não
estares a fazer algo que te parece certo, por que não ages, em vez de te
lamentares?"
Marco Aurélio
Não é muito arriscado para um escritor –
precisamente por não ser um linguista – afirmar, que hoje em dia na Galiza, a
realidade da língua chamada galega passa por uma perceção concreta de que o seu
uso não só está a diminuir, como que nem sequer possamos dizer que esteja
precisamente dele a fazer-se um "correto uso", ou a ser usada quanto
menos tal como deveu ser previsto pelas autoridades, que no seu dia levaram à
frente a implementação das "Normas Ortográficas e Morfológicas do Idioma
Galego", através do Decreto "Filgueira" de 1982, desenvolvido
desde as achegas da RAG e o ILG. Ou talvez sim. Talvez essas autoridades já
previram isto: o abandono coletivo da língua de menor prestígio social (o
galego) face à língua de maior prestígio e peso social (o castelhano); tentado
precisamente com este decreto travar esse futuro, hoje feito presente. Mas se
isso foi previsto e a normativa não cumpriu seu fim, só resta o paliativo da
correção do diagnóstico e a mudança do tratamento.
Acontece que nesta altura a absorção da
língua galega pelo castelhano se faz tão evidente, que a normativa atual só
pode ser implementada a nível escolar ou académico. A realidade social caminha
por outros vieiros.
Três são as falas que hoje e dia subsistem ao
nível de rua, e mesmo em certos casos até compartilham espaços na atual
Comunidade Autónoma da Galiza.
O castelhano: língua em ascensão que
possibilita melhor a comunicação a todos os níveis. É a língua que prevalece na
maior parte do tecido urbano, dominante ou quase única nos meios de comunicação
social. Nela desenvolvem-se a maioria das trocas comerciais, efetuadas através
de e por todo o país; assim como a maior parte de todo o tipo de relatórios
legais ou privados... Mesmo da correspondência comercial ou privada (incluído a
de suporte eletrónico) realizada por escrito. É a língua de charme, mas também
a língua da classe operária. A língua de referente também no nível de ócio ou
da arte, incluindo a musica... Inclusive na maior parte das canções utilizadas
nas assim chamadas "festas populares" (onde quase todo o repertório
das Orquestras se faz nesse idioma)...
O galego-castelhano (diluindo-se devagarzinho
no processo de absorção que agora estamos presenciando). Esta é uma fala que
continua recluída ao âmbito familiar e das relações de amizade. Língua hibrida
desprestigiada (consciente ou inconscientemente) pelos próprios utentes, que
reduzem o seu uso ao âmbito coloquial da comunicação mais privada.
Cada vez menos empregue graficamente, cada
vez menos utilizada para expressar os pensamentos ou sentimentos mais íntimos
da maioria das pessoas. Ou bem muito limitada para o uso das relações que
consideramos serias como: criar os filhos, dirigir-se a alguma instituição ou
simplesmente recorrer a algum tipo de serviço necessário para manter a nossa
"coesão" social (levar o carro à oficina, ir cortar o cabelo, jantar
num restaurante...). Quer dizer, faz-se mais dificultoso fazer uma vida normal
nela.
O galego-castelhano (na falta de estatísticas
sérias) ocupa um lugar ainda visível no mundo rural, ou das pequenas vilas, mas
já não no citadino urbano ou no das vilas que aspiram em breve a ostentar o
título de cidade (onde a mudança para o castelhano ocorre de modo
"natural" e sem confronto, ao ter a língua de prestígio um atrativo
social irrefreável)
O galego-português. Fala dum pequeno grupo
conscientizado, no que com o tempo se deu em chamar movimento "Lusista ou
Reintegracionista". Fala que não corre perigo de extinção como o
galego-castelhano, o qual sofre a introdução invasiva contínua de léxico da
língua A para a língua B, estando em caminho de transitar a uma espécie de
gíria da língua castelhana. Não podendo já neste presente sobreviver sem as
ferramentas que esta lhe presta.
O galego-português, pelo contrário, goza de
muito boa saúde tanto no reduzido número de falantes que mantém na Galiza, como
dentro duma ampla comunidade internacional (290 milhões a nível mundial) onde
cada vez o seu prestígio tem mais reconhecimento. Embora moderadamente, a sua
tendência na Galiza mantém-se em expansão desde que a princípios dos anos
oitenta a AGAL (Associação Galega da Língua) iniciasse a sua andaina em favor
duma normativa mais em sintonia com os preceitos do galeguismo clássico, desde
os Padres Sarmiento e Feijó até a Geração Nós. Carvalho Calero e Guerra da Cal
foram as figuras mais em destaque, que na época do franquismo fizeram (dentro e
fora do país) as achegas e apostas mais interessantes a este movimento
reintegrador.
Daí inferimos que o crescimento contínuo
experimentado pelo galego-português na Galiza tem a sua causa, entre outras
cousas, no amor e cuidado com que os utentes que usufruem desta alternativa
estão a agarimar a sua fala; mas também nas ferramentas que estes usuários
possuem, muito superiores àquelas a que podem recorrer os falantes de
galego-castelhano (de dicionários, material pedagógico ou didático até à net,
livros, filmes, jornais, música...)
Assim como também no nascimento e criação de
redes já estáveis que vão da base popular até ao mundo académico – como o
demonstra a recente criação da AGLP (Academia Galega da Língua Portuguesa) com
o apoio das outras Academias irmãs. Além das relações a todo o nível –
académico, cultural, sindical... – que se estão a desenvolver entre a Galiza e
o resto da lusofonia.
Estamos, pois, numa tessitura onde o galego
ILG – RAG já não tem mais emprego que a escrita oficial – dos documentos
oficiais, manuais escolares das disciplinas veiculadas em galego, livros de
diversa divulgação editados nesta normativa e pouco mais. Mesmo nem é
utilizada, na sua fala diária, pelos funcionários ou professores, que redigem
ou ministram estes documentos ou matérias do currículo escolar.
Apontamento
Politico.
Com a implementação da Lei Wert, a presença do castelhano ainda será mais firme
e a sua expansão e assentamento mais evidente, ao perder o galego-castelhano,
ou ver muito enfraquecido, o seu último reduto de apoio e sonhos: a sua
presença constante no ensino.
Apontamento
pessoal.
Da minha visão, cada vez se faz mais impossível viver em galego-castelhano, o
qual aumenta o isolamento destes falantes perante a falta de comunidade real de
fala. Mas será que é possível viver em galego português hoje na Galiza? Acho
que sim, porque a relativa pequenez da comunidade de falantes desta opção pode
ser compensada com a ampla rede de falantes a nível global e de ferramentas
efetivas e imediatas, que esta variante tem (a maiores dos centros sociais,
diversificados por todo o país ou projetos coletivos de muita alta dignidade:
como a Escola Semente)... Factos que, sem dúvida, diminuem a sensação de
isolamento. Além disso, o trabalho continuado de rua, feito pelo lusismo ou
reintegracionismo de base tem aberto muitas mentes, e cada vez é menos estranha
a situação, na qual as pessoas que olham para escritos em galego-português
sejam capazes de ler e compreender mensagens com grafias, antes alheias, como
NH ou LH.
Olhando as cousas sob este prisma, a não
mudança já não é questão de teimosia mas de imobilismo. Artur Alonso – Galiza in “Portal Galego da Língua”
"A única coisa que temos de respeitar,
porque ela nos une, é a língua."
Frank Kafka
Sem comentários:
Enviar um comentário