Política com ética. É possível? (*)
I
Se levarmos ao pé da letra uma
assertiva do poeta, tradutor, diplomata e pensador mexicano Octavio Paz
(1914-1998), Prêmio Nobel de Literatura de 1990, segundo a qual “política é poder e o
poder é impuro”´, não há como discutir Ética e Política, pois uma palavra seria
antagônica a outra. A partir dessa premissa, nenhum homem de bem poderia pensar
em dar passos na política, pois essa prática equivaleria a adentrar num lamaçal
e manchar a sua honra. Mas, se todos os homens de bem se afastassem com a mão
no nariz dos bastidores da política, com certeza, estaríamos condenados a ser
governados pelos piores elementos da espécie. Não foi isso que mostrou o século
XX e mostra este começo de século XXI?
No
entanto, sem cair no niilismo, é possível discutir “Ética e Política no mundo
contemporâneo”, como provam os ensaios, artigos e resenhas reunidos sob esse
tema pela revista Estudos Filosóficos, do Departamento de Filosofia e
Métodos (Dfime), da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), de Minas
Gerais, em seu nº 6, de janeiro-junho de 2011. No estudo “Estado e Nação no pensamento de Ortega y
Gasset”, por exemplo, José Maurício de Carvalho, professor titular da UFSJ e
doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, procura
examinar o significado do pensamento do filósofo espanhol exposto a uma época
em que a Espanha vivia numa encruzilhada que a tornava condenada a viver o
terror da direita ou o terror da esquerda.
Para Ortega y Gasset (1883-1955), se
o Estado espanhol daqueles anos 30 precisava passar por uma reforma, essa não
podia nascer de revoluções violentas, como aquela que ocorrera na Rússia em
1917 ou gestava-se na Alemanha de então a partir do ovo da serpente hitlerista.
No pensamento do filósofo espanhol, o resultado das revoluções é a revolta e
ela não provoca transformações profundas no tecido social, isto é, não
compromete os cidadãos com as modificações na sociedade, lembra Carvalho,
citando “Puntos esenciales” (1931), trabalho de Ortega y Gasset. “As mudanças
importantes na vida social necessitam do consentimento e da adesão livre do
cidadão”, dizia o filósofo espanhol. Em outras palavras, as revoluções pouco
favorecem a reorganização social, “pois transformações só são consistentes em
política quando chegam sem o uso da força e convencem pessoas”.
II
No ensaio “Em diálogo com as filosofias políticas de
Hannah Arendt e Leo Strauss”, os professores Emília Agnes Assis de Lima, da
Faculdade Cenecista de Sete Lagoas-MG, mestre em Filosofia pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), e Fábio Abreu dos Passos, do Instituto
Presidente Tancredo de Almeida Neves (IPTAN), de São João del-Rei-MG, doutor em
Filosofia pela UFMG, analisam as influências que Hannah Arendt e Leo Strauss sofreram
da época em que se formaram – ou seja, a experiência política da República de
Weimar (1919-1933), seu fracasso e a ascensão do nazismo – bem como as respectivas
voltas que empreenderam em pensamento à Grécia antiga.
Os autores lembram que contra a ideia
do senso comum de que a política é uma teia de velhacaria, tecida a partir de
interesses próprios e mesquinhos, e que a política é apenas um meio para a
conservação e fomento da vida em sociedade, conforme o pensamento de Hannah
Arendt (1906-1975), há o paradigma da polis
grega segundo o qual a política é erigida com o intuito de preservar a
memória dos fatos e palavras daqueles que se aventuravam a adentrar o espaço
público, paradigma que, de certa forma, aproxima as filosofias de Hannah Arent
e Leo Strauss (1899-1973).
Como se sabe, a polis grega era um espaço no qual cada indivíduo podia manifestar
aos demais ouvintes como o mundo aparecia para ele, ou seja, podia colocar o
seu ponto de vista, que podia entrar em conflito ou em concordância com os demais,
sem, contudo, anular-se ou submeter-se. Para Arendt, a pluralidade de opiniões
era a “lei da terra”. Sem esse espaço público, não haveria possibilidade de
vida saudável.
A partir daí, os autores concluem
que Arendt e Strauss radicalmente desaprovam os fundamentos da democracia
moderna e que, ambos, cada um a seu modo, fazem da antiguidade grega e de sua
experiência política no âmago da polis
um referencial para se pensar os “tempos sombrios” e para apontar os
verdadeiros fundamentos da “dignidade política”. Ao mesmo tempo, os dois
filósofos percebem na modernidade uma manipulação e uma sujeição da opinião à
construção de ideologias, “pois se a opinião pública é manipulada, não há
filosofia política, pois é dela que nasce a filosofia política”. Ou seja, é
pela opinião que se manifesta como o mundo aparece para cada um.
III
Já no ensaio “Espaço público,
política e ação comunicativa a partir da concepção habermasiana”, os
professores Luiz Ademir de Oliveira, da UFSJ, doutor em Ciência Política pelo Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), e Adélia Barroso
Fernandes, do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), doutoranda em
Linguistíca pela UFMG, discutem o pensamento do filósofo Jürgen Habermas
(1929), especialmente a sua teoria da ação comunicativa, de 1981, que
representa uma ruptura com o pensamento da Escola de Frankfurt, da qual o
pensador alemão era considerado um dos herdeiros.
Os professores lembram que, para
Habermas, a decadência da esfera pública está associada à consolidação do
capitalismo e à emergência de grandes conglomerados de comunicação de massa.
Foi a partir da hegemonia da burguesia que o capitalismo passou, sob o domínio
das grandes empresas, a forçar o Estado a intervir no setor privado, a favor da
economia de mercado. De fato, há poucos anos, não havia dia em que os
editoriais de grandes jornais brasileiros não defendessem um Estado cada vez
menos intervencionista, deixando que as forças do mercado agissem livremente.
Hoje, já não é assim. Cada vez mais
o mercado livre tem sido substituído por mercados oligopolizados, com a
ampliação das diferenças sociais entre proprietários e assalariados. Até mesmo
a privatização que sempre foi considerada uma panaceia contra o inchaço do
Estado, hoje, na verdade, representa mais a tomada de bens públicos por
pequenos grupos privados, tal como aconteceu na Rússia pós-soviética, ou seja,
a usurpação de bens públicos para atender a interesses privados.
De qualquer modo, essa prática não
deixa de ser vista como dos males o menor, já que o contrário é a apropriação
de empresas públicas por partidos políticos ou por lideranças oriundas do
movimento sindical, com o loteamento de cargos por pessoas desqualificadas, de
baixa escolaridade, que se enquistam nessas organizações só para promover a
corrupção em benefício próprio e de seus mentores, na maioria políticos
profissionais. Isso só poderá ser superado quando deixarem de existir os
chamados “cargos de confiança” e suas funções passarem a ser desempenhadas por profissionais
aprovados em concurso públicos acima de quaisquer suspeitas.
Com a privatização, o que se
constata é que, negociada a empresa pública com grupos privados, a partir desse
processo, a corrupção desaparece, ainda que a transferência sempre deixe um
rastro de suspeitas quanto a possíveis comissões gordas depositadas em paraísos
fiscais ou na Suíça. De qualquer modo, o consolo que fica para o cidadão de bem
é que essa será sempre a última vez que se vai ouvir falar de corrupção com
dinheiro público ao menos naquela empresa. A partir daí, o problema, se
corrupção houver, passará a ser assunto exclusivo dos novos proprietários, ou
seja, de grupos privados.
Diante disso, como bem observam os
autores do ensaio, com base no pensamento de Habermas, surge o conceito de
sociedade civil como saída para a reconstrução da solidariedade entre os grupos
sociais. Composta por movimentos e organizações livres não-estatais e
não-econômicas, a sociedade civil não quer o poder, mas tentar influenciar as
instâncias do poder e a esfera pública geral, em favor dos menos favorecidos.
Obviamente, toda organização humana
é sempre susceptível à corrupção, como mostra o envolvimento das chamadas
organizações não-governamentais (ONGs) com a corrupção do Estado, muitas delas
criadas por políticos astutos apenas com o intuito de promover o desvio de
recursos previstos em orçamentos públicos. Seja como for, como dizem os autores
do ensaio, os argumentos teóricos e conceituais de Habermas permitem mais bem
compreender “as novas configurações sociais e os embates travados entre o mundo
sistêmico e o mundo da vida”.
IV
Além destes três ensaios, o dossiê
“Ética e Política no mundo contemporâneo” traz mais cinco estudos que analisam
não só o crescimento da força do Estado nos últimos anos como a questão da ação
política e da constituição da esfera pública, contribuindo para uma reflexão
filosófica que procura compreender as relações humanas e os enigmas que
costumam produzir. Por tudo isso, este número 6 da revista Estudos Filosóficos torna-se imperdível e deveria fazer parte de
toda biblioteca universitária do mundo lusófono pública ou privada. Adelto Gonçalves - Brasil
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ESTUDOS
FILOSÓFICOS, Revista
do Departamento de Filosofia e Métodos da Universidade Federal de São João del-Rei
(UFSJ)/ Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Minas Gerais (Fapemig). São
João del-Rei-Minas Gerais, nº 6, janeiro-junho de 2011, 332 págs. ISSN:
1982-9124. E-mail: dfime@ufsj.edu.br
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br
(*) Publicado na revista Saberes Interdisciplinares. São João Del
Rei-MG: Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves, ano
V, nº 9, jan-jul. 2012, pp.147-153.
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