“Os processos de
urbanização são um fenómeno natural na vida das comunidades. O que se vem
passado, porém, entre nós, é que não estamos face a um processo de urbanização
normal e controlado, um processo de urbanização fruto do desenvolvimento
económico e social.
A nossa cidade vem
crescendo de um modo desorganizado. O processo de urbanização em Angola em
geral, e em Luanda em particular é, sobretudo, fruto de um êxodo rural que tem
uma origem na guerra. Mas é igualmente o resultado de políticas públicas mal
concebidas e mal executadas.
O êxodo rural que
assola Luanda é, tipicamente, “terceiro-mundista”, e parece não ter fim à
vista, dada a persistência de políticas públicas que ainda só atendem e
privilegiam alguns habitantes das cidades. Cada vez mais, nas cidades e,
sobretudo, em Luanda, se vêem novas e atraentes realizações, que se transformam
em verdadeiras “miragens” para quem vive no interior. Por isso, o interior
almeja, justamente, vir para a capital com o desejo de também puder beneficiar
do “sonho de Luanda”. Como resultado, milhões de entre nós, acotovelamo-nos na
periferia.
E, como a cidade
necessita de crescer para albergar a crescente classe média, desenvolve-se um
processo de desalojamento – não poucas vezes, com o recurso à força – para se
dar espaço à construção de novos condomínios. Esta lógica dos condomínios, tal
como existem entre nós, é ela também demasiado “terceiro-mundista”. É um fruto
amargo da exclusão social e é geradora de exclusão social.
Nas periferias,
deixou de haver espaço para o escoamento das águas pluviais. Todo o espaço que
ainda existia foi tomado por mais “casebres”. E o que antigamente eram os quintais
para dar qualidade de vida aos habitantes das casas, passou à condição de
verdadeiros “bairros”, onde as pessoas se acotovelam em busca do seu pequeno e
desconfortável abrigo.
Hoje, cada quintal
inclui mais 2 ou 3 anexos que, por sua vez, crescem em compartimentos, para
acolherem toda a gente que procura um tecto para morar. E as ruas da periferia
viraram becos, becos pequenos que só dão para passar uma pessoa – e, em muitos
casos, quase que de gatas, para não bater com a cabeça no tecto. Porque há sempre
um pequeno espaço onde se pode plantar mais alguma coisa… Tudo isso conduz ao
caos.
O caos é o acúmulo de
gente em pequenos espaços insalubres. É o lixo que se transforma num
companheiro permanente e indesejável de quem vive na periferia. São as poças de
água que viram piscina das crianças da periferia, onde também se lança o lixo e
os dejectos. A imundice. A podridão toma conta da vida dos pobres. Depois, vem
o paludismo, as diarreias, a tuberculose. A alta mortalidade, sobretudo, a
infantil, tem aí uma das suas principais causas.
A criminalidade
juvenil, a violência doméstica casam bem em todo esse ambiente. Dão-se bem com
a falta de iluminação, com a estreiteza dos becos, com a promiscuidade de toda
ordem. Não dá, pois, para falar apenas da chuva. Há, entre nós, muitas outras
chuvas que chocam, que matam, mesmo que seja de forma lenta: a chuva da
miséria, da malnutrição, da violência permanente nos bairros pobres que só são
objecto de atenção quando se aproxima o tempo do voto.
Nos países mais ricos
e mais organizados, por vezes, a chuva que cai do Céu também se transforma em
preocupação. Não é toda a chuva, como aqui entre nós – é apenas alguma, a chuva
que vem quando São Pedro abre as comportas… Mas, aqui entre nós, qualquer
chuvisco, mesmo tímido ou envergonhado, preocupa, perturba, e até mata. Esse é
que é o nosso problema.
Tem, pois, que haver
uma solução. A solução é acabar com a desorganização que aprofunda a pobreza e
que expõe os pobres a todas as contingências… Pelo menos a pobreza extrema, que
até nos envergonha.” Pinto de Andrade – Angola
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