“Pelo que decidi explicar: "O seu texto,
independentemente do conteúdo agressivo contra o meu país - o mesmo, aliás,
onde você nasceu -, está extremamente bem escrito e exprime, de forma
brilhante, uma leitura crítica face ao comportamento do meu governo. Embora eu
não concorde, rigorosamente em nada, com aquilo que escreveu, quero dizer-lhe
que entendo que você está no pleníssimo direito de exprimir o que pensa, embora
eu imagine o que "por aí iria" se, lá em Lisboa, o "Diário de
Notícias", que nem sequer é um jornal oficioso como o seu, se abalançasse
a escrever uma coisa de natureza similar sobre o governo angolano. Mas não é
essa, hoje, a minha questão. O que eu queria sublinhar é que o texto está
redigido num português exemplar, numa escrita de grande elegância estilística.
Ora você diz, nesse mesmo texto, que nada ficou em Angola de herança lusitana!
E essa língua em que você escreve tão bem? É uma herança de quem? Ou será que
você é capaz de escrever um editorial em quimbundo,
em umbundo ou em chocué, que qualquer angolano que saiba ler possa perceber? E em
que língua se publica o "Jornal de Angola"? Que outra língua une hoje
Angola? Essa é ou não é uma herança do tempo colonial?".
Já não me recordo da resposta do meu
interlocutor, que terá sido, com toda a certeza, inteligente e informada,
porque era alguém com uma grande qualidade intelectual e política. Uma figura
infelizmente já desaparecida.
Esses tensos tempos na relação entre Luanda e
Lisboa já passaram, há muito. O bom senso, o fim dos traumas da era das armas,
a afetividade natural entre as gentes dos dois lados, a diluição da crispação
que a queda dos muros ideológicos proporcionou e, acima de tudo, a emergência
de importantes interesses mútuos, tudo isso conduziu ambos os países a
patamares novos de entendimento, assentes num diálogo político construtivo e
maduro. Portugal está hoje em Angola com gentes e capitais, tal como Angola
participa, com toda a naturalidade, na vida económica portuguesa. Ainda bem que
as coisas assim são. Tudo isso tem como corolário inescapável a necessidade do
respeito mútuo pelas respetivas instituições nacionais e, em ambos os lados,
pela plena liberdade de expressão e de crítica. A mesma liberdade que, a mim,
me permite de citar hoje aqui esta historieta, que dedico aos bons amigos que
deixei por Angola, alguns que até fazem parte do seu atual governo e que
recordo com esta minha demasiada memória.” Seixas da Costa – Portugal in “duas ou três coisas”
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