Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Portugal - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde abre portas a novas terapias para doenças inflamatórias e autoimunes

Investigadores provaram que os açúcares à superfície dos linfócitos T regulam o sistema imune e determinam, logo na infância, a sua capacidade para combater certas patologias


Uma equipa de investigação liderada por Salomé Pinho, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), publicou um estudo pioneiro na conceituada revista Cellular & Molecular Immunology que prova que os açúcares complexos (glicanos) que cobrem a superfície dos linfócitos T (células imunes que se formam e desenvolvem no timo), são fundamentais para garantir um bom funcionamento do sistema imunitário. Os cientistas descobriram também que a composição destes açúcares à superfície dos linfócitos T determina, logo na infância, uma maior ou menor suscetibilidade para doenças inflamatórias crónicas e autoimunes.

Este estudo, que foi posteriormente revisto e discutido pelos investigadores Manuel Vicente, Eduarda Leite-Gomes e Salomé Pinho na revista científica Trends in Immunology, merecendo inclusivamente honras de capa da publicação, abre portas para a “identificação de novos mecanismos de regulação do sistema imunitário que poderão ser traduzidos em novos alvos para criar estratégias terapêuticas inovadoras para patologias que evoluem por incapacidade do sistema imunitário em combatê-las”. Por exemplo, avança Salomé Pinho, “se conseguirmos glico-reprogramar as células T, podemos regular a resposta imune”.

O sistema imunitário é formado desde muito cedo, de forma a conseguir combater agentes patogénicos externos desde o nascimento. Um dos principais tipos de células imunes, as células T (ou os linfócitos T), são criadas e desenvolvidas num órgão que apenas existe na vida juvenil, o timo. Estes linfócitos T, tal como tantas outras células imunes do nosso organismo, possuem açúcares complexos (glicanos) na sua superfície celular e são estes açúcares que regulam a função e a atividade dos linfócitos T em contextos de doença, nomeadamente em infeção, autoimunidade e cancro.

A pergunta que se seguiu, explica Manuel Vicente, primeiro autor dos dois artigos e da capa da revista Trends in Immunology, foi: «Qual será a ação destes glicanos na formação e desenvolvimento das células do sistema imunitário, nomeadamente as células T durante o seu desenvolvimento no timo? Terão estes açúcares um papel regulador no início da “vida” destas células, na sua capacidade de influenciar as suas respostas, atividade e função pró ou anti-inflamatória?».

Os investigadores começaram por concluir que “à medida que as células T progenitoras se desenvolvem no timo, a composição destes açúcares à superfície vai sofrendo alterações, desde estadios mais prematuros até estadios maduros/diferenciados, e isso acontece tanto em humanos como em modelos animais de ratinhos”, explica Salomé Pinho, líder do grupo “Immunology, Cancer & GlycoMedicine” e professora afiliada da Faculdade de Medicina (FMUP) e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da U.Porto.

“Quando removemos geneticamente (usando modelos de ratinhos de laboratório) estas modificações de açúcar, verificámos que as células T progenitoras não conseguiam desenvolver-se corretamente, existindo uma deficiência significativa na formação e seleção desses linfócitos T maduros, algo que foi associado a maior suscetibilidade destes ratinhos a infeção e desenvolvimento de doenças autoimunes”, acrescenta Manuel Vicente, que desenvolveu este trabalho no âmbito do programa doutoral GABBA.

De facto, adianta Salomé Pinho, “existem algumas doenças congénitas em que se verifica ausência de produção destes glicanos. Estes doentes apresentam muitas falências nas suas respostas imunitárias e o nosso estudo demonstra uma das principais razões para esta incompetência da resposta imunitária”.

Para além disso, sublinha a investigadora, “a suscetibilidade aumentada a infeções e doenças autoimunes que observamos nos modelos animais de ratinhos que não tinham os glicanos complexos à superfície das células T, sugere que alterações na composição destes açúcares possam estar na base de imunodeficiências ou suscetibilidade para doenças autoimunes ou cancro”.

Trabalho faz capa de revista

Dada a relevância deste trabalho na área da Imunologia, que contou com colaborações nacionais (Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa) e internacionais (Alemanha e Argentina), os investigadores do i3S foram convidados a escrever um artigo de opinião sobre o papel essencial destes açúcares complexos (glicanos) e das suas dinâmicas na imunidade, concretamente no desenvolvimento e maturação dos linfócitos T, mas também das células B, células imunes responsáveis pela produção de anticorpos e que se desenvolvem na medula óssea, dois tipos celulares essenciais na imunidade .

Mostrando que ciência e arte podem estar de mãos dadas, Manuel Vicente criou e fotografou a representação da importância biológica dos glicanos na imunidade. A fotografia acabaria por ser selecionada para capa da revista.

“Recorri a quatro tipos de açúcar que tinha em casa – açúcar convencional refinado, em pó, amarelo, e mascavado – para ilustrar os diferentes estadios do desenvolvimento das células T e B. As formas como os açúcares aparecem dispostos estão relacionadas com o perfil destas células quando analisadas por citometria de fluxo, uma técnica amplamente usada na imunologia”, desvenda o investigador. Universidade do Porto - Portugal



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