Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

domingo, 7 de agosto de 2016

A história de Pedro e Inês em cordel

I
Quem não conhece a secular história de Pedro e Inês? Provavelmente, as novas gerações não a conheçam muito bem, mas, com certeza, já ouviram a expressão “agora Inês é morta” que equivale a dizer “agora é tarde demais”. Por isso, não custa nada dizer que é possível encontrar essa história em várias obras literárias, desde Fernão Lopes (1385-1459), cronista e guarda-mor da Torre do Tombo de 1418 a 1454, passando pelo poeta Sá de Miranda (1481-1558), até chegar ao grande Luís de Camões (ca.1524-1580).

Trata-se da história da infeliz Inês de Castro (1325-1355), nobre galega que foi para Portugal como aia de dona Constança Manuel, futura esposa de dom Pedro I (1320-1367), de Portugal. Se há uma história de amor marcante na História de Portugal, como a de Romeu e Julieta, tragédia do poeta inglês William Shakespeare (1564-1616), essa é a do amor proibido entre o infante d. Pedro e Inês de Castro.

Como se sabe, apesar do casamento, o infante mantinha encontros furtivos com a dama de companhia de sua esposa. E, depois da morte de d. Constança em 1345, passou a viver maritalmente com ela, o que acabou por afrontar o rei d. Afonso IV (1291-1357), que mandou assassinar Inês de Castro em janeiro de 1355. Magoado e tresloucado, Pedro liderou uma revolta contra o rei e, quando finalmente assumiu a coroa em 1357, mandou prender e matar os assassinos de Inês, arrancando-lhes o coração, o que lhe valeu o cognome de Cruel.

Mais tarde, jurando que se havia casado secretamente com Inês, d. Pedro impôs o seu reconhecimento como rainha de Portugal. Em abril de 1360, ordenou a trasladação o seu corpo para o Mosteiro Real de Alcobaça, onde mandara construir dois magníficos túmulos, para que pudesse descansar para sempre ao lado da sua eterna amada.

É o desenrolar desse amor proibido, vivido em meio a uma atmosfera pesada e de disputas palacianas de poder, que o leitor irá encontrar em linguagem polida e culta, mas ao estilo de cordel, em O Caso de Pedro e Inês – Inês(quecível) até o fim do mundo (São Paulo: Kapulana Editora, 2015), de Francisco Maciel Silveira, em que o autor alia criatividade e rigor poético. Segundo o seu autor, a obra, fartamente ilustrada por Dan Arsky, é dedicada aos leitores jovens adultos que estão à procura de uma literatura menos conservadora e com profundidade literária, mas distante dos calhamaços acadêmicos. Por isso, chama o seu livro de “ABC de Literatura”, pois, imaginariamente, teria sido escrito para ser lido e repetido em voz alta por cantadores de feira. Eis uma amostra:
                        (...) Rainha eterna (na memória
                        para sempre viva do povo
                        lenda na futura História)
                        só trazendo-a à vida de novo:
                        exumá-la da triste cova,
                        sagrá-la numa vida nova.

                        Fazê-la do Reino rainha,
                        reinando-o além da vida,
                        era ter promessa cumprida:
                        brotar dentre a erva daninha
                        rasa, da corte mal cheirosa,
                        pétalas de rosa amorosa.

                        (Amor além da vida, desbordante,
                        exige que metro se mude e rima,
                        para cadenciar sua extensão.
                        Que, sepulta em marmórea obra-prima,
                        não cabe na exígua dimensão
                        da rasa sepultura limitante.)

                        Pedro, o Cru, mandou construir
                        no sacro templo de Alcobaça
                        morada que lá no porvir,
                        dirá ao vivente que passa:
                        “Tal foi teu amor – coeterno?
                        Vivo na morte, sempiterno?” (...)

                                               II
Em linhas gerais, nesta obra, o professor Francisco Maciel Silveira deixa de lado os títulos acadêmicos – e que são muitos – para se assumir como o vate Xico Maciel, contador de casos. E o faz, em formato de literatura de cordel, a partir de um texto clássico da Literatura Portuguesa.

Na apresentação que escreveu para este livro, a professora Flávia Maria Corradin, coordenadora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) do projeto Autor por Autor: a Literatura e História portuguesas à luz do teatro, do qual o professor Maciel é o diretor, diz que o autor, em seu novo percurso numa arte tão popular como a do cordel, procura brincar com a estrutura da epopeia clássica, ao dividir o seu texto em introdução, narração e epílogo. No caso, a Narração apresenta a história do “amor que, contra tudo e todos,/ acabou virando infração./Infração contra as leis de Deus,/infração contra as leis da grei”.

De fato, como aponta a professora, Maciel saiu-se bem mais uma vez ao trabalhar um conteúdo canônico por intermédio de um meio de comunicação extremamente popular, “dialogando intertextual e criticamente com a História, com a Literatura, suscitando no leitor o desejo de explorar as sugestões aí contidas, de modo a que o amor de Pedro e Inês continue se perpetuando na memória dos brasileiros, portugueses, espanhóis, franceses, ingleses...” E acrescentamos nós: dos galegos, que ainda um dia hão de se tornar uma nação independente e integrante de Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

                                               III
Francisco Maciel Silveira
Professor titular de Literatura Portuguesa na FFLCH-USP, onde obteve os títulos de mestre, doutor e livre-docente, com trabalhos em torno da oratória sagrada dos padres António Vieira (1608-1697) e Manuel Bernardes (1644-1710) e da comediografia de António José da Silva (1705-1739), o Judeu, Francisco Maciel Silveira é crítico literário, com ensaios e resenhas publicados em periódicos do Brasil e do exterior. Poeta, ficcionista, dramaturgo e ensaísta com mais de duas dezenas de prêmios, atua na docência, pesquisa e orientação com ênfase no Classicismo, no Barroco, no Realismo e no Teatro Português.

É autor dos livros de contos Esfinges (1978) e A caixa de Pandora: aquela que nos coube (1996) e de poemas Macho e fêmea os criou, segundo a paixão... (1983), além de outros ainda na gaveta. Nas áreas didática e ensaística, publicou ainda Português para o segundo grau (São Paulo: Cultrix, 1979; 5ª ed. 1988); Aprenda a escrever (São Paulo: Cultrix, 1985; 2ª ed. 1989); Padre Manuel Bernardes – Textos doutrinais (São Paulo: Cultrix, 1981); Poesia clássica (São Paulo, Global, 1988); Literatura barroca (São Paulo: Global, 1987); Concerto barroco às óperas do Judeu (São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1992); Palimpsestos – uma história intertextual da Literatura Portuguesa (São Paulo: Paulistana, 1997; 2ª ed., 2008, Santiago de Compostela: Laiovento, 1997); Fernando Pessoa(s) de um drama (São Paulo: Reis Editorial, 1999); Ó Luís, vais de Camões? (São Paulo: Reis Editorial, 2001; São Paulo: Arauco, 2ª ed,. 2008); Saramago – eu-próprio o outro? (Aveiro: Universidade de Aveiro, 2007); Eça de Queiroz: O mandarim do Realismo português (São Paulo: Paulistana, 2010); Canteiro de obras (São Paulo: Todas as Musas, 2011), e Exercícios de caligrafia literária: Saramago quase (Curitiba: CRV Editora, 2012). É responsável pelo site Pinceladas em que discorre sobre a pintura alheia: http://www.pinceladas-fms.com.br

Dan Arsky, formado em Direito, é design editorial é ilustrador de livros. Suas paixões são filmes, fotografia, quadrinhos, seriados e jogo de videogame. Adelto Gonçalves - Brasil

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O caso de Pedro e Inês – Inês(quecível) até o fim do mundo (ABC de Literatura), de Francisco Maciel Silveira, com apresentação de Flávia Maria Corradin e ilustrações de Dan Arsky (Série Intersecções Literárias). São Paulo: Kapulana Editora, 78 págs., R$ 29,90, 2015. Site: www.editora@kapulana.com.br E-mail: www.kapulana.com.br

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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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