Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Portugal – Procura de gás a sul do Algarve

Se fosse possível viajar entre Faro e Marrocos por autoestrada, em linha reta, o quilómetro 42 seria o local ideal para parar e observar de perto um campo de gás natural em exploração. E a essa distância da costa algarvia, em frente a Faro, que vai nascer o primeiro poço de gás em águas territoriais portuguesas, antes do final do ano ou no início do próximo. Um navio-sonda, equipado para a perfuração de poços submarinos, irá atravessar uma lâmina de água com 790 metros e perfurar a rocha até ao reservatório localizado a 1800 metros de profundidade, onde se prevê que esteja depositada uma grande quantidade de gás natural - suficiente para abastecer as necessidades de consumo dos portugueses por mais de uma década. Só então se saberá, com precisão, se as reservas justificam a exploração comercial.

A Repsol, petrolífera espanhola que lidera este projeto, com uma posição de 90% no consórcio, tem sido muito poupada nos pormenores. Os ambientalistas não estão nada tranquilos com a escassez de informação sobre o projeto, que envolve também a portuguesa Partex (controlada pela Fundação Calouste Gulbenkian), com 10 por cento. Nem o contrato de concessão, assinado com o Estado português, nem o estudo de impacto ambiental, concluído em 2014 pela consultora ERM, em colaboração com o Instituto Hidrográfico e a Universidade do Algarve, foram tornados públicos, o que aumenta as dúvidas das associações ambientalistas.

Impactos menores



Contactado pela VISÃO, o presidente da Partex, António Costa e Silva, admitiu a existência de alguns impactos ambientais nesta última fase de prospeção, como a emissão de gases pelo navio-sonda ou o depósito de resíduos de rocha no fundo do mar. Para minimizar esses impactos, no estudo da ERM foram analisados fatores físicos como a temperatura do mar, a pluviosidade, as marés, as correntes, as ondas, a salinidade e a qualidade da água, e elaborada uma listagem e um mapeamento da fauna e da flora locais, ao nível das espécies existentes e das rotas migratórias, entre outros aspetos. Durante a recolha dessa informação, foram utilizadas sondas, scanners e câmaras de vídeo para a obtenção de amostras e de imagens do fundo do mar. As pescas foram outro dos fatores tido em conta, já que os pescadores irão sentir dificuldades durante os 47 dias necessários para a abertura do primeiro poço de gás no bloco Lagosta que, a par do bloco Lagostim, cobre a totalidade da área concessionada à Repsol e à Partex. A boa notícia é que não existirá qualquer impacto visual da exploração de gás, tendo em conta a distância que separa a área concessionada da costa algarvia.

Embora a lei portuguesa não exija a realização de um estudo de impacto ambiental tão completo na fase de prospeção, Costa e Silva garante que ele está feito e que foi partilhado com a Autoridade de Segurança Marítima e com a Agência Europeia de Segurança Marítima.

Mesmo assim, Gil Matos, representante da Almargem, uma das associações ambientalistas fundadoras da Plataforma Algarve Livre de Petróleo, espanta-se com a «ausência total» de informação sobre o local exato e as condições da exploração gasista. A Almargem dirigiu um pedido de informação à Direção Geral de Energia e Geologia, que até há meses tutelava a Divisão para a Pesquisa e Exploração de Petróleo, entretanto transferida para a recém-criada Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC). Até agora, não recebeu informação sobre o conteúdo do contrato de concessão nem do estudo de impacto ambiental. Partilha com a Visão a suspeita de que «o País não vai ganhar dinheiro com isto». «Portugal ainda não provou que tem recursos», contrapõe António Costa e Silva, justificando assim que a posição negocial não pode ser comparável à dos produtores de petróleo e gás africanos ou asiáticos. Mas, como recorda o gestor, «o contrato está desenhado para a prospeção». Uma eventual entrada em exploração do gás no Algarve dará origem a um novo contrato, com condições - espera-se - mais vantajosas para o Estado português, ao nível dos impostos e das rendas a pagar pelo concessionário.

Este concurso para a prospeção na costa algarvia chegou a conhecer uma segunda versão, na primeira metade dos anos 2000, já que as condições oferecidas pelo candidato único Repsol não eram as desejadas pelo Governo de Durão Barroso. Só com o atual Governo é que a licença viria a ser entregue à Repsol, embora sem que o contrato de concessão fosse divulgado. As preocupações dos ambientalistas prendem-se também com os impactos ambientais da extração gasista que, embora menores que os do petróleo - por exemplo, não causam marés negras -, podem prejudicar o delicado equilíbrio do ecossistema da ria Formosa, para além de se fazerem sentir no turismo algarvio. No final de julho, quando o presidente da Repsol, Antonio Brufau, anunciou o início dos trabalhos para o final deste ano, a Quercus exigiu de imediato a realização dos devidos estudos de impacto ambiental, condenando o «péssimo cartão de visita» que uma atividade gasista poderá ter sobre a região. Em comunicado, salientou ainda «que o impacto de um eventual acidente que ocorra numa exploração deste género, mesmo que pontual, afetaria irreversível mente ecossistemas únicos e frágeis, bem como diversas espécies, incluindo aves marinhas, baleias e golfinhos».

Se não houvesse certezas, a Repsol e a Partex não arriscariam a abertura do primeiro poço, que poderá custar cerca de 45 milhões de dólares (cerca de 40 milhões de euros). Neste negócio, o risco é sempre demasiado grande: só em 20% ou 30% das áreas prospetadas é encontrado petróleo ou gás em quantidades viáveis. Nas Canárias, a Repsol desistiu recentemente de um projeto deste tipo. Em Peniche, onde a Repsol é parceira da Galp, a abertura de um primeiro poço de petróleo no offshore, foi adiada por mais dois anos. No Alentejo, adjudicado à Galp e à ENI, a perfuração só deverá começar no próximo ano. Mas, no Algarve, o consórcio Repsol/Partex está convencido de que os blocos Lagosta e Lagostim podem conter reservas de gás natural superiores em nove a dez vezes aos do campo de Poseidón, no Golfo de Cádiz, avaliadas em 98 biliões de pés cúbicos (bcf). Está provado que as semelhanças geológicas com o Algarve existem. Agora, é esperar que haja gás. Clara Teixeira – Portugal in “Revista Visão”

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