Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Entrevista à escritora Amilca Ismael

Nasceu em Junho de 1963 na cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, capital de Moçambique. Em 1986 foi viver para a Itália onde depois de um período de integração resolveu estudar de novo. Com quarenta anos de idade começou uma nova vida com os estudos obtidos e hoje é uma mulher conhecida internacionalmente, chama-se Amilca Ismael, escreveu em italiano a “La Casa dei Ricordi”, traduzido para português com o título “A Casa de Recordações”, editora Ndjira – Moçambique e “Il racconto di Nádia”. Em 2010 recebeu o Prémio Mulher do Ano 2010 “Secção Social”, atribuída pela Universidade da Suíça Italiana.

Baía da Lusofonia --- Há um conselho chinês que nos diz “Veremos o que nos traz o tempo” sugerindo que não devemos nos precipitar e considerar um azar uma operação a um joelho ou uma sorte uma sugestão ponderada. Hoje, o que é mais importante para si ser assistente social ou escritora?

Amilca Ismael --- Bem posso dizer que para mim a coisa mas importante neste momento é ser assistente social, porque fazendo esse trabalho consigo ajudar de verdade as pessoas que sofrem e que necessitam de muito amor. Mas não escondo que gostaria de ser uma boa escritora.

“A Europa tem abandonado as suas bibliotecas humanas”. Os seniores autónomos ao irem para um lar de idosos, perdem muitas das suas capacidades por falta de estímulos físicos e mentais. Será o apoio domiciliário a melhor resposta social para estes idosos?

Eu acho e tenho quase a certeza “depois de 13 anos de trabalho directo com os idosos” que a melhor forma de ajudá-los é na própria casa porque só assim conseguimos manter o próprio ritmo de vida. O problema é que no momento em que eles entram num lar para idosos a vida muda radicalmente e isso faz com que eles fiquem confusos e por vezes caiam numa grave depressão.

O ano de 2012 foi o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade entre Gerações. Sentiu na prática, estamos no terceiro trimestre de 2013, já algum impacto desta decisão política no dia-a-dia da actividade do lar de idosos?

Sinceramente eu senti alguma diferença, o problema de base é que muitas vezes o lar dos idosos está considerado como um “business” e é muito cómodo fazer muitas mudanças.

A Amilca é natural de Moçambique, país que se encontra noutro patamar de apoio social muito diferente da Europa. Caso um dia, fosse convidada para colaborar com o seu país de natalidade no processo evolutivo de apoio social a seniores, seguiria o mesmo percurso já feito pelos europeus? Ou criava, depois de treze anos de experiência em Itália, um apoio social mais humano, mais próximo das raízes tradicionais moçambicanas?

Antes de responder directamente à sua pergunta permito-me dizer que espero no meu país, ou melhor em África, não chegue a este nível e que os idosos continuem a viver no núcleo familiar.

Voltando à sua pergunta, se fosse convidada a colaborar nesta actividade apostaria num apoio social mais humano e faria o possível para manter as raízes porque o objectivo dum assistente social é de manter os próprios princípios de vida do seu assistido. 





Num dado momento, a Amilca sentiu necessidade de escrever, penso eu, para libertar um grito contido. Que sentimentos foram esses, que levaram-na a pegar na caneta e escrever?

Na verdade, ao princípio a decisão de escrever não foi ligada a nenhum sentimento mas sim foi um pouco como alertar os meus amigos que pensam só no trabalho. Mas, enquanto escrevia percebi que no fundo eu precisava de libertar o sentimento que tinha dentro de mim e que era uma grande honra ser a porta-voz de histórias de vidas maravilhosas.

Segundo Fernanda Angius e passo a citar “Casa de Recordações não é apenas uma história que existe no mundo da ficção. É uma história autobiográfica, segundo sabemos. Mas é muito mais do que isso: é um universo onde vivem seres humanos condenados ao esquecimento e à solidão. A leitura deste livro impõe-se como uma chamada de atenção para o que se faz e o que se deveria fazer quanto à prevenção do futuro dos idosos em todo o mundo, mas em especial em Moçambique, constantemente evocado pela narradora como a origem que não deseja esquecer.” O livro foi editado em língua portuguesa em Moçambique. Para quando a sua divulgação por todo o universo lusófono?

Como diz a Paulina Chiziane  “A casa de recordações é uma obra fundamental para a compreensão das sociedades ditas modernas, civilizadas e desenvolvidas numa altura em que a europeia advoga os direitos humanos, enquanto na prática condena os idosos, ou doentes crónicos à solidão ou isolamento venenoso ou amargo das casas de repouso.”

Como vê o romance narra-nos uma casa de repouso italiana mas na verdade, conta-nos o “problema” da terceira idade que envolve toda a Europa. Por essa razão espero que o meu romance não seja apenas divulgado o mais rápido possível no universo lusófono mas em toda a Europa.

“Dizem que sou romancista e que fui a primeira mulher moçambicana a escrever um romance, mas eu afirmo: sou contadora de estórias e não romancista. Escrevo livros com muitas estórias, estórias grandes e pequenas. Inspiro-me nos contos à volta da fogueira, minha primeira escola de arte." Palavras da escritora Paulina Chiziane autora do prefácio do seu primeiro livro. Como conheceu a Paulina Chiziane?

Conheci pessoamente a Paulina Chiziane quando ela depois de haver feito o prefácio “a cinco estrelas” da Casa de Recordaçoes apresentou o meu livro no Instituto Luís de Camões em Maputo durante a “Semana de língua italiana no mundo”.

Foi uma honra receber a Paulina e o Mia Couto que apresentou também o meu livro, mas na Universidade Eduardo Mondlane.
  
Depois de “A Casa de Recordações” e “A história de Nádia” o que podemos esperar da escritora Amilca Ismael?

O mundo está cheio de história de mulheres. Num jornal italiano uma jornalista intitulou a minha entrevista “ Amilca Ismael a caçadora de histórias”. O título diz tudo.

Agora estou terminando o terceiro romance sobre a situação das mulheres africanas e nao só, atraídas pela Europa com falsas promessas e que depois são obrigadas a prostituir-se.





Nasceu na capital moçambicana em 1963. Que memórias tem da sua infância e da sua juventude?
 
Não é fácil responder a esta pergunta porque a minha infância e de muitos jovens como eu foi numa época muito crítica para Moçambique. A minha infância foi no tempo colonial e a vida era tranquila, durante as férias os meus pais levava-nos à praia e não faltava nenhum género alimentar.

Na minha juventude as coisas mudaram porque em Moçambique começou a guerra civil e a fome. Mesmo assim tive sorte porque vivia em Maputo, visto que na capital não tinha guerra e tive o privilégio de estudar, praticar desporto, ir à discoteca, enfim viver uma vida mais ou menos normal.

A ilha de Moçambique foi considerada pela Unesco em 1991 Património Mundial da Humanidade. Já sonhou projectar num livro, uma história que envolva este extraordinário património arquitectónico entrelaçado com uma língua materna moçambicana?

Para ser sincera não, talvez porque eu gosto de escrever histórias de mulheres e nunca meditei sobre isso.

Se uma das suas filhas lhe disser: Mãe vou viver e trabalhar para Moçambique, que conselhos lhe daria?

De levar com ela a mais humanidade possível e de se lembrar que antes de um título de estudo vem o respeito pelo próximo.

A língua galaico-portuguesa conhecida internacionalmente como língua portuguesa é a sexta mais falada no mundo e a terceira do mundo ocidental. Com quase trezentos milhões de falantes por todos os continentes, que mensagem deseja transmitir a todos estes cidadãos das mais diversas camadas sociais?

Simplesmente, tenham respeito pelo próximo.

Baía da Lusofonia

Entrevista conduzida por João Peres de Seixas, realizada em Agosto de 2013.

Para aceder a mais informações sobre a escritora Amilca Ismael aceda aqui.

Blogs de Amilca Ismael:



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