Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

João Tomo

Ontem estive num evento africano, que teve a particularidade muito comum aos portugueses, refiro-me à pontualidade, ou à falta dela.

E isso fez-me recordar o João Tomo, um soldado africano que no ano de 1974, ainda no tempo da guerra colonial recebemos em terras de Moçambique, quando ali chegámos, na vila de Palma, distrito de Cabo Delgado, no mês de Junho desse ano.

De uma dezena de soldados africanos, o único nome que me ficou na memória foi precisamente o do João Tomo, um jovem que como os outros vinha classificado de servente, a mais baixa qualificação para um soldado que ia cumprir tarefas num pelotão de intendência.

Uma análise que fiz, idêntica aos soldados oriundos da metrópole (Portugal) que já fizera anteriormente, chamou-me a atenção para o João Tomo, diferente dos restantes, com qualidades muito acima da média, que me levaram a integrá-lo no departamento à minha responsabilidade, a área administrativa.

Como devem calcular, esta minha decisão não foi muito bem aceite pelos soldados “brancos”, mas nunca me arrependi da decisão que tinha tomado.

E por que hoje, trinta e nove anos depois me estou aqui a recordar do João Tomo, que o mais normal é ele já não se lembrar de mim? Precisamente pela pontualidade.

Um dos factos que difere um país desenvolvido dos outros é a pontualidade e sempre considerei que o João Tomo iria ser mais que os outros por esta característica.

Ele sempre cumpriu as tarefas administrativas, não como um soldado que cumpria obrigatoriamente o serviço militar, mas sim como um funcionário administrativo, que pelas 9 horas da manhã, quando da abertura dos serviços que eu diariamente fazia, o João Tomo era o único que já se encontrava à porta do escritório esperando que as portas se abrissem.

Porta da esquerda, entrada dos escritórios


De uma caligrafia de alta qualidade, responsável pela entrada e registo dos documentos entretanto classificados e posterior arquivamento, o João Tomo dava uma confiança no trabalho executado, que perdurou nos quase quatro meses que trabalhámos em conjunto, até ao dia 01 de Outubro de 1974, quando parti de férias, num dia atribulado, que me ficou na memória, porque acidentalmente, foi o único dia até hoje, onde vi a morte passar-me ao lado.

O rumo que felizmente começara-se a traçar em 25 de Abril de 1974, tanto para Portugal como para as colónias e neste caso Moçambique, fizeram-me que nunca mais visse o João Tomo, mas 39 anos depois ainda o recordo com admiração e respeito. Baía da Lusofonia

Sem comentários:

Enviar um comentário