Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 1 de junho de 2013

Aniversário

 
No dia do seu primeiro aniversário, 01 de Junho de 2013, o blogue “Baía da Lusofonia” homenageia a língua galaico-portuguesa com um belo texto da escritora Concha Rousia intitulado “Mundos que se comem”.
 
(A todos os indígenas galegos andem onde eles andarem... )
 
Do bico branco da montanha desço por uma serpe de asfalto venenoso. Lá no vale a basta névoa comeu a ponte. Metade de mim quer pisar o acelerador, a outra quer ir ao passo da minha vagarosa alma. No radio Jonh Lennon convida-me a abraçar a paz com seu 'Imagine'... mas ele nada sabe sobre as imperceptíveis armas que destroem a memoria nossa que vai correndo por mim adentro, tantas vezes ocultada como se fosse indecente...
 
Desço, deixando atrás um mundo que se apaga e vou incorporar-me a uma massa recheada de nada onde sem remédio sei que sucumbo, sei que sucumbo. Ainda há pessoas que acreditam no progresso que cria no mar ilhas boiantes de plástico e se perguntam porque se suicidam as baleias...
 
O nevoeiro lá no fundo faz parecer que a veiga é o mar... Deixo atrás as fragas de azevinhos, movem-se comigo as carvalheiras, mas eu tenho que esquecer os carretos de lenha e o lume da lareira. Deixo as carqueijas e as urzeiras... onde as abelhas se esquecerão de mim, comprarei mel falso no supermercado, esquecerei como se castra, qual medida justa de mel deixar para que o inverno não traga a fame à colmeia por longas que sejam as nevadas...
 
Esquecerei fazer aquele facho de trapos velhos para deitar fume enquanto o pai vai com o cutelo curvado recortando as zarapatas*... Ou para fumegar o enxámio* pousado e meté-lo no saco para levá-lo para as nossas colmeias... Essa é a lei: as abelhas quando marcham duma colmeia são livres, quem apanhar o enxámio é dele. Os enxámios emigram mas continuam na terra, continuam livres...
 
Mas eu, aonde vou eu? se ainda fosse em enxámio... mas vou sozinha. Terei que comprar mel sem cheiro de urze no supermercado, mel claro que não lembre mais a cor dos meus olhos... A estrada perde-se la na ponte, comida pela névoa... Será que quando eu passe lá no rio ela também me comerá a mim? Numa digestão interminável continuarei meu caminho até a cidade... Jonh Lennon desiste de cantar. Desligo o rádio. Continuarei simplesmente ouvindo o silencioso pranto. Concha Rousia – Galiza in “Portal Galego da Língua”


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