Orgulhosamente sós
Quando
analisamos a corrente de comércio do Brasil hoje, talvez devêssemos começar por
um balanço negativo. Ou seja, pensar no que deveríamos ter feito, no que
fizemos e, principalmente, no que deixamos de fazer. Só assim poderemos chegar
ao que devemos fazer, se é que queremos melhorar a nossa participação no
comércio mundial.
De
pronto, o que se conclui é que perdemos muito tempo, ao deixarmos de assinar
acordos de livre comércio com outras nações e blocos. Há mais de 300 acordos em
vigor no planeta e o Brasil é signatário em menos de dez deles. Já o México e o
Chile, países com os quais temos bom relacionamento comercial, fazem parte cada
um de mais de 50 tratados.
O
resultado dessa escassez de acordos faz com que hoje tenhamos de esperar que
haja um aumento nos preços das matérias-primas para que possamos sustentar a
balança comercial. Quer dizer, temos de nos contentar em torcer para que a
China continue a exportar cada vez mais produtos manufaturados, pois isso
significa que precisará mais de nossas matérias-primas.
Logo
a China que, se constitui um grande mercado, é também um parceiro pouco
confiável, pois não hesita em jogar pesado quando entra numa disputa comercial:
sustenta o yuan desvalorizado, faz exportações por outros países, a chamada
triangulação, oferece subsídios aos seus exportadores e mão de obra barata e aviltante,
sem leis trabalhistas decentes. Com isso, arrasa, de passagem, alguns setores
industriais brasileiros e de outros países.
Foi
o que ganhamos quando há nove anos o governo brasileiro optou por enterrar de
vez a moribunda Área de Livre Comércio das Américas (Alca), idealizada por
George W. Bush, presidente dos EUA, e aceita com certa timidez por Fernando
Henrique Cardoso, então presidente do Brasil. É verdade que esses dois presidentes
tiveram tempo de sobra para colocar a Alca em pé, num ponto em que um recuo
fosse praticamente impossível, mas não o fizeram.
E,
como as negociações titubeavam, foi fácil ao novo governo brasileiro nascido
das urnas em 2002 jogar tudo por terra, como se os EUA fossem nosso grande
inimigo, tal como preconizava a antiga União Nacional dos Estudantes (UNE) nos
idos de 1960. Com isso, o comércio Brasil-EUA despencou vertiginosamente, sendo
reduzido a menos da metade do que fora na década de 1990.
Já
os chineses, que se dizem comunistas até hoje, preferiram olhar os EUA como
eles são, isto é, o maior mercado consumidor do mundo. E trataram de vender
cada vez mais para os EUA. O resultado pode ser constatado nestes números: em
1979, o Brasil exportou US$ 12,6 bilhões e a China, US$ 9,7 bilhões. Já em
2011, o Brasil exportou US$ 256 bilhões e a China, US$ 1,9 trilhão. É preciso
dizer mais?
Mas
não é só. Em 2011, as nossas importações dos EUA alcançaram o recorde de US$
33,9 bilhões, enquanto as vendas brasileiras para o mercado norte-americano
ficaram em US$ 25,8 bilhões. Com isso, os EUA garantiram um saldo favorável de
US$ 8,1 bilhões, um dos raros superávits comerciais obtidos por aquele país com
o resto do mundo.
Em
outras palavras: em razão de uma visão ideológica ultrapassada e caolha,
trocamos os EUA pela China. Só que hoje a China compra apenas produtos
primários brasileiros, especialmente minério de ferro e soja, enquanto os EUA
adquirem do Brasil produtos manufaturados de elevado conteúdo tecnológico, como
aviões, além de pastas químicas, ferro-liga, petróleo em bruto e café em grão.
Tivéssemos
a Alca a pleno vapor, com certeza, estaríamos vendendo e comprando muito mais
dos EUA. Sem contar o que continuamos a perder por não termos fechado acordos
com a União Europeia, África do Sul, Índia, Rússia e outros tantos países e
blocos. Como o Portugal do tempo de Salazar, corremos o risco de ficar
orgulhosamente sós, contentando-nos com 1,3% de tudo o que se compra e vende no
mundo. Milton Lourenço - Brasil
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Milton
Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos
Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo
(Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de
Cargas e Logística (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site:
www.fiorde.com.br.
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