“No tempo colonial, emigrar não era um dado
do imaginário são-tomense. Fosse pela relativa abundância de meios de
subsistência, fosse pela posição intermédia dos são-tomenses no ordenamento
colonial na sua terra, a sua emigração é recente. Em termos significativos,
data do pós-independência. A “diáspora” é uma construção crescente e,
adiantemo-lo já, um espaço de uma certa institucionalização do discurso crítico
sobre a “terra”.
Na fase final do colonialismo, Lisboa
tornou-se um destino para jovens são-tomenses. Alguns trocaram o tirocínio
académico pela partida para o exílio e para a militância pela independência. Em
1975, vários são-tomenses retornaram de Portugal ao seu país. Todavia, outros
fizeram o caminho inverso, radicando-se em Portugal. Com efeito, a
independência, o subsequente enquistamento do regime monopartidário e os
constrangimentos políticos, policiais e administrativos – ameaçando a
privacidade dos indivíduos, talvez até de forma mais acentuada do que em certos
períodos do colonialismo – levaram são-tomenses com uma visão do mundo oposta à
dos políticos a emigrar, em especial, para Portugal. Outros demandaram Angola e
o Gabão na procura de modo de vida que não obtinham no arquipélago. Quando a
emigração se colocou como uma condição de realização pessoal ou tão-só de
sobrevivência, a escolha ou a contingência de emigrar colocou-se para homens e
para mulheres. Em resultado destes movimentos, as maiores comunidades de
são-tomenses encontram-se em Portugal, Angola e Gabão, a que, há anos,
acresciam pequenos grupos em Espanha, Inglaterra, Costa do Marfim e Nigéria.
Desde a década de 1980, o número de
são-tomenses emigrados cresceu notoriamente. Em 2004, calculavam-se em
aproximadamente 15.000 os são-tomenses em Angola, 7.000 a 10.000 em Libreville
e 20.000 a 25.000 em Portugal (Nascimento, 2008, p. 58).
Ultimamente, parece esboçar-se a tendência
para a diminuição da taxa de migração, o que poderá dizer menos dos números
absolutos de migrantes, do que reflectir o crescimento demográfico que
diminuiria a incidência da migração. Em todo o caso, os entraves nos destinos
podem estar a conter a migração, para a qual, para lá das dinâmicas inerentes à
globalização modeladoras dos anseios de realização pessoal, as condições
económicas continuam a impelir os são-tomenses.
Sem profundidade histórica, a migração
são-tomense não desempenha um papel económico, social e cultural similar, por
exemplo, ao da plurissecular migração cabo-verdiana. Não obstante tratar-se de
uma situação reversível, especialmente em caso de futura prosperidade económica
do arquipélago, até há anos os emigrantes são-tomenses tendiam a cortar laços
com a terra. Fruto da pobreza do país, assim como das dificuldades de
integração nos países de destino, a emigração são-tomense tem permanecido
marginal em vários países de acolhimento e esquecida na terra natal. No
arquipélago, insta-se ao empenho do Estado no enquadramento da emigração para
lograr melhores condições para os migrantes. Reivindica-se, pois, uma política
de tutela e de advocacia oficial dos interesses dos migrantes. Enquanto isso, e
não obstante o seu número diminuto se comparado com o de outras emigrações, a
emigração, relativamente jovem e diferenciada culturalmente, pretende
constituir-se como uma diáspora. Muito em voga, denotador de criatividade
política, até pela ligação aos ideais do pan-africanismo, tal termo pode
mitigar o desconforto subsistente entre os são-tomenses dentro e fora do
arquipélago, relacionável com o acesso a oportunidades e ao poder.
Em Portugal, parte dos imigrantes resulta do
percurso académico ou da decisão de não regressar, por exemplo, após uma viagem
de serviço ou em virtude de uma doença. A cifra dos são-tomenses em Portugal,
incluindo os de segunda geração, aumentou notoriamente nas últimas décadas.
Computam-se em cerca de 25.000 a 26.000 os são-tomenses a viver em Portugal nas
mais diversas circunstâncias. É possível que nos próximos anos se observe a
desaceleração do ingresso de são-tomenses, o que não obsta a que o seu número
continue a aumentar por via da regularização da permanência ou do crescimento
natural dos seus nacionais. Em todo o caso, há quem aponte a tendência de
abandono de Portugal rumo a outros países europeus, mormente entre os mais
jovens após a aquisição da nacionalidade portuguesa6. Aos imigrantes importará
somar aqueles que, mantendo o vínculo à terra e à “comunidade”, já são
oficialmente portugueses.
Podemos dizer que o transnacionalismo não é a
tónica dominante na migração são-tomense. Até agora, os são-tomenses tendem a
ser cidadãos de dupla nacionalidade, embora tal possa mudar a breve trecho.
São-tomenses em Portugal
1986 1563
1987 1625
1988 1730
1989 1873
1990 2034
1991 2007
(...)
1996 4092
(...)
1998 4338
(...)
2001 8009
(...)
2004 10483
(...)
2007 10627
2010 15000 a 18000
Em Portugal, proporciona-se espaço para o
associativismo imigrante. As consequências desta política vão para lá da mais
fácil gestão das pessoas por parte das instituições. Ao longo dos anos foram
surgindo várias associações geograficamente dispersas e, nalguns casos, definidas
por uma dada condição, por exemplo, a estudantil. Dentre as associações
são-tomenses, reconhece-se imediatamente a ACOSP.
Porém, na ACOSP, o espaço para a participação
feminina era escasso. Daí a motivação de algumas são-tomenses – por certo, a
actual presidente e talvez mais uma ou outra das filiadas na Mén Non – para a
criação de uma associação de mulheres. A impulsionadora da Mén Non alega ter
concluído que as possibilidades de acção numa associação própria seriam maiores
do que na ACOSP, uma associação hegemonizada por homens. Criaram, pois, a Mén
Non, em português, Nossa Mãe, designação com ressonâncias religiosas mas
igualmente referidas ao apreço pela mulher africana, retoricamente valorizada,
por exemplo, no âmbito dos movimentos de recuperação das culturas africanas.
Evidentemente, tal passo pressupõe que se enceta uma actividade valorizada, gratificante
e, desejavelmente, persistente, nesta medida diferente do relativo marasmo que
pauta as associações e ONG no arquipélago, muitas delas dependentes e passivas.
Sem questionar a pulsão representativa da
ACOSP, a Mén Non – que procura uma sede – atravessa potencialmente todo o
conjunto são-tomense em Portugal, pretendendo “unir a comunidade são-tomense”.
Em todo o caso, muitas mulheres ficam de fora por variadas razões, quer
económicas e sociais, quer relacionadas com a composição das relações de género
em que estão comprometidas ou enredadas. Seja como for, e malgrado o pronunciamento
avesso a qualquer clivagem – quiçá, um atributo de microssociedades saídas de
um processo de crioulização, do qual a violência não esteve apartada –,
desenha-se um recorte, não de religião ou de classe, mas de género no seio do
associativismo são-tomense.
Em Portugal, o associativismo imigrante tem
sido encarado como um interlocutor na angariação e alocação de oportunidades e
de recursos ou como um mediador na identificação e na contenção de problemas
sociais. Cumprindo com os anseios de pessoas – incluindo homens – incapazes de
interagir sozinhas com instituições, a Mén Non pretende trilhar a via do apoio
a pessoas em situação de carência. Podemos encarar a Mén Non como uma rede
propensa a humanizar a experiência migratória, concretamente a mitigar o
estendal de privações. Assim, a Mén Non poderia definir-se como uma associação
assistencial, na medida em que os seus objectivos parecem querer chegar à
promoção social das pessoas vulnerabilizadas e carecidas de suporte.
Expectavelmente, as mulheres aspiram a que a sua associação ajude a lograr a
previsibilidade e a segurança possíveis no quotidiano, reforçando a coesão
social, não no sentido da homogeneidade, mas no do amparo (porventura
recíproco) em situações de carência. Em todo o caso, sobretudo por razões
económicas, a consecução de um tal objectivo é difícil.
Em Portugal, a nível de bairro, existirão
algumas redes de suporte entre mulheres, certamente mais activas e úteis por
chegarem às necessidades das pessoas a quem a Mén Non não acederá tão
prontamente. Seja como for, focada no universo feminino, a Mén Non tem em vista
o suporte a mulheres que chegam a Portugal com os filhos doentes. Outra das
preocupações visa a condição pré-natal e a ajuda a jovens em risco. Este papel
assistencialista como que reproduz no estrangeiro a incumbência que, na terra
natal, a mulher tem no tocante ao amparo social, à vida familiar, em suma, à
reprodução social, desde logo por a maioria das famílias monoparentais ter à
cabeça mulheres que abnegadamente criam os filhos com o produto da labuta na
economia informal.
Uma depoente referiu que, presentemente, as
famílias são-tomenses em Portugal dependem mais do contributo das mulheres do
que do dos homens, acrescentando que as mulheres já sabem que emigrar significa
arcar com as responsabilidades de sustento familiar, afinal, o reverso da
costumeira predisposição dos homens para alijarem essa responsabilidade, facto
de alguma forma aceite pelas mulheres.” Augusto
Nascimento – Portugal
Augusto Nascimento, « O
Associativismo Feminino São-tomense em Lisboa: Uma questão de género? »,
Cadernos de Estudos
Africanos [Online], 24 | 2012. Instituto de Investigação
Científica Tropical (IICT), Lisboa, Portugal anascimento2000@gmail.com ©
Centro de Estudos Africanos do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa
Augusto Manuel Saraiva do Nascimento Diniz,
53 anos, é licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa e doutor com a dissertação intitulada "Poderes e Quotidiano nas
Roças de S. Tomé e Príncipe de finais de Oitocentos a meados de
Novecentos" em Sociologia na especialidade de Economia e Sociologia Históricas em 2000 pela Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Investigador do Centro de Estudos Africanos e
Asiáticos do Instituto de Investigação Científica e Tropical, Augusto
Nascimento é autor de artigos publicados em revistas da
especialidade e de livros cujo tema central é sempre São Tomé e Príncipe
e os povos que fizeram a história daquele país lusófono.
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