“Nos idos tempos de minha juventude, o
radicalismo político era indiscutivelmente vermelho, nas suas várias
tonalidades; do rubro encarnado do livrinho de pensamentos do presidente Mao
até o rosa choque da social-democracia. As velhas tias baianas desenvolveram
uma sábia teoria, pela qual comunismo era como surto de sarampo. Era normal na
infância e muito perigoso na maturidade! Hoje, o radicalismo mudou de cor. Ele
é indiscutivelmente verde, em todas as suas tonalidades; do verde-oliva dos
defensores da floresta, ao verde-musgo dos defensores das águas, até o verde-
claro dos defensores do ar puro e do clima fresco.
Para que meus amigos verdes não fiquem verdes
de raiva, devemos reconhecer que o radicalismo é da natureza dos movimentos
sociais. Cada movimento existe em função de uma pauta específica, focada em uma
questão que assegura a legitimidade e a militância de todos os seus
simpatizantes. Por isso os movimentos sociais são sempre maximalistas. Assim é
que os governos são de partidos políticos e não de movimentos sociais.
O mais grave é que os radicalismos nunca
andam sós. Ao lado do verde infantil, anda o saudosismo senil. Nós todos,
pós-sexagenários, sentimos bater em nossas mentes a saudade de nossa própria
juventude. “No meu tempo tudo era melhor”. Ai que saudade tenho da Estância
Hidromineral de Dias D’Ávila, veraneio de toda a minha infância. Nunca mais os
banhos das milagrosas lamas preta e branca, nunca mais a cata de mangaba nos
tabuleiros… ai que saudade! Mas nem por isso pretendo destruir o Polo
Petroquímico, principal atividade industrial da Bahia. Esta patologia tem hoje
um sintoma: a saudade da Itaparica do meu avô! Como diz o povo, amor que fica é
amor de Itaparica!
A mais recente manifestação deste encontro de
radicalismos é a oposição apaixonada ao projeto de construção da ponte
Salvador-Itaparica. Este não é um projeto rodoviário isolado. Ele faz parte de
todo um planejamento do Estado da Bahia para a reativação da Baía de Todos os
Santos e seu entorno, o Recôncavo Baiano. Esta baía nunca foi um local bucólico
de contemplação e sim um local de trabalho produtivo! O desafio do presente é a
restauração do desenvolvimento articulado de toda a baía, com indústria naval,
interligação de estradas com o sistema de portos e expansão da indústria
automobilística e do Polo Petroquímico.
A baía bucólica é o triste resultado das
mudanças econômicas dos anos 60, com o funcionamento da Rio-Bahia e com a
implantação da economia do petróleo, que produziram um Recôncavo desenvolvido,
chamado Região Metropolitana de Salvador, e um Recôncavo abandonado, chamado de
Histórico. Nestes espaços abandonados, ficou uma população pobre, os nativos,
sem acesso aos serviços de saúde, educação, sem emprego e sem rendas,
indigentes das migalhas dos ricos veranistas e turistas do Recôncavo
desenvolvido, que durante algumas semanas no ano, iam descansar as vistas com a
pobreza alheia. Na Baía do século XXI, tanto nativos quanto veranistas tem o
mesmo direito de acesso aos benefícios do desenvolvimento, pois são todos cidadãos
baianos.
O grande remédio contra os radicalismos é a
prática da democracia. Que todos os interessados sejam ouvidos! Que se defina a
justa medida da preservação da cidade de Itaparica, cidade histórica e estância
hidromineral, de modo a protegê-la dos impactos negativos da desfiguração
urbana e da implacável especulação imobiliária. Queremos todos que a cidade de
Itaparica continue a produzir milagres com a sua água fina, que faz velha virar menina.“
Com o título “Radicalismo e Desenvolvimento”
escreveu Ubiratan Castro de Araújo no dia 07 do passado mês de Outubro o seu
último texto no blogue que era o autor “Blog do Bira Gordo”. Aí podemos ler uma
pequena biografia que passo a citar: “Nascido em Salvador, em 22 de dezembro de
1948, Professor Doutor Ubiratan Castro de Araújo exercia, desde 2007, o cargo
de diretor-geral da Fundação Pedro Calmon, unidade da Secretaria de Cultura do
Governo da Bahia.
Doutor em História pela Université Paris
IV-Sorbonne, Mestre em História pela Université Paris X-Nanterre, Licenciado em
história pela Universidade Católica do Salvador e Bacharel em Direito pela
Universidade Federal da Bahia. É membro da Academia de Letras da Bahia, onde
ocupa a cadeira 33, cujo patrono é o poeta abolicionista Castro Alves.
É professor da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Ufba. Foi diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais da
Ufba (CEAO), presidente do Conselho para o Desenvolvimento das Comunidades
Negras de Salvador (CDCN) e é Irmão Professo da Venerada Ordem do Rosário de
Nossa Senhora dos Homens Pretos a Portas do Carmo, localizada na Igreja do
Rosário dos Pretos no Largo do Pelourinho.
No primeiro mandato do presidente Luís Inácio
Lula da Silva (entre 2003 e 2006), Ubiratan Castro de Araújo trabalhou com o
ministro da Cultura, Gilberto Gil, presidindo a Fundação Cultural Palmares.
Desde 2007, integra o Governo Jaques Wagner, sendo diretor-geral da Fundação
Pedro Calmon, unidade da Secretaria Estadual de Cultura.
Entre os prêmios e títulos que recebeu,
destacam-se: a Medalha do Bicentenário da Restauração Portuguesa da Academia
Portuguesa de História, o Troféu Clementina de Jesus da União dos Negros pela
Igualdade (Unegro), a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara Municipal de
Salvador e, a mais recente, a Comenda da Ordem Rio Branco, condecoração
oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. É autor dos
livros: A Guerra da Bahia, Salvador Era Assim - Memórias da Cidade, Sete
Histórias de Negro, o primeiro trabalho ficcional do autor e Histórias de Negro
(versão ampliada).”
Enquanto presidente da Fundação Cultural
Palmares, Ubiratan Castro de Araújo projectou o Brasil na assunção do debate sobre a diáspora africana, com a
realização de diversos encontros históricos, como a II Conferência de
Intelectuais da África e Diáspora (CIAD) e apoiando o presidente Lula da Silva
nas viagens ao continente africano, a chave mestra na oportunidade para um
maior relacionamento Brasil – África. Baía
da Lusofonia
Em memória de Ubiratan Castro de
Araújo, Salvador (Brasil)
22.12.1948 – 03.01.2013
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