Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Luxemburgo – Crianças punidas por falarem português nas creches e ATL

Em Esch e Rodange - Crianças portuguesas no Luxemburgo punidas por falarem português em creches e ATL.

Há crianças portuguesas no Luxemburgo que são punidas e separadas do grupo se falarem português em creches e ateliers de tempos livres (ATL), disse ao CONTACTO uma funcionária portuguesa que trabalha num estabelecimento público deste tipo em Esch-sur-Alzette.

Maria, nome fictício para proteger o anonimato, conta que a direcção de um ATL ("maison relais", em francês), que inclui uma creche, em Esch, proíbe expressamente os educadores e auxiliares portugueses de falarem com as crianças na sua língua materna, proibição que se estende também às conversas entre os meninos, quase todos de origem portuguesa.

“Foi-nos dito que não podíamos falar português com os miúdos e que eles também não podiam falar português entre eles, é uma regra da casa”, conta a funcionária portuguesa. "Já chegámos a levar raspanetes da chefe por estarmos a dialogar entre nós em português", diz Maria.

As línguas autorizadas neste ATL onde as crianças passam entre quatro a seis horas por dia, fora do horário escolar, estão indicadas num painel na sala principal, "feito em conjunto" com os menores no início do ano, e limitam-se aos três idiomas oficiais do país: francês, luxemburguês e alemão.

A proibição de falar outras línguas aplica-se a todas as crianças que frequentam o atelier de tempos livres, que acolhe meninos dos três meses de idade aos 12 anos, garante a funcionária.

“Na ‘garderie’ (creche), as educadoras são um pouco mais flexíveis, mas a proibição existe na mesma”, conta Maria. “Facilitam mais e não se importam que falem em francês (em vez de luxemburguês), pelo menos no início do ano lectivo", explica. É que apesar de o Luxemburgo ter três línguas oficiais, e de o ATL autorizar o seu uso, "há uma exigência de falar luxemburgês em primeiro lugar", frisa a funcionária.

Para garantir que a proibição é cumprida, o ATL tem um sistema de castigos para as crianças, que vão da separação dos meninos que falem português com os colegas até ao isolamento.

“Há o castigo de os separar, de pôr um menino numa mesa e outro noutra, para não poderem falar entre eles, ou o isolamento numa mesa em frente ao escritório (dos funcionários)”, explica Maria.

Fora do ATL, nas saídas de grupo, a punição pode mesmo chegar à imobilização forçada. “Se vamos a caminho do parque ou da escola, há o castigo dos cinco minutos sentados. A criança [que falou português] tem de se sentar ou ficar quieta durante cinco minutos”, conta.

Na “maison relais” de Esch há apenas dois meninos luxemburgueses: os restantes, cerca de meia centena, são portugueses ou cabo-verdianos, e os castigos são aplicados “diariamente”, garante a funcionária.

Os funcionários do ATL têm também instruções para estar atentos ao grupo e organizar a sala de forma a evitar que o português seja utilizado. “Verificamos a disposição das crianças, sobretudo no primeiro mês, quando chegam, e mudamo-las de sítio ou de mesa para não poderem falar entre elas em português”, diz Maria.

A funcionária diz que “compreende” a proibição, porque acredita que pode ajudar as crianças “a falarem melhor luxemburguês”, mas há ocasiões em que admite que fala português “às escondidas”. 

“Eu própria falo português com as crianças, mas um bocadinho às escondidas, porque às vezes é mais fácil para elas comunicarem e porque precisam de afecto, e é mais fácil transmitir esse carinho na língua que elas compreendem”, confessa Maria. “Eles vêm-me perguntar: ‘Posso-te dizer em português, porque não sei em luxemburguês?’, e eu digo que sim, ‘mas baixinho’”.

Proibição aplica-se noutras creches e escolas

O ATL onde a funcionária portuguesa trabalha não é o único onde vigora a proibição de falar português em Esch-sur-Alzette, a segunda maior cidade do país e uma das localidades com maior percentagem de portugueses no Luxemburgo, que Passos Coelho visitou na semana passada.

“Conheço uma menina que frequenta outra ‘maison relais’" na cidade (um estabelecimento que também é público), “e ela queixou-se que eles lá também não os deixam falar”, diz Maria.

Em Rodange, também no sul do país, a interdição de falar português também se aplica nos infantários e na escola primária, disse ao CONTACTO Manuel Santos, com um filho de sete anos.

No mês passado, a criança foi castigada com trabalhos de casa suplementares por ter falado em português com um colega, durante uma visita da turma do segundo ano da escola primária de Rodange à capital, para ver um concerto de música clássica.

"Falou na rua, não foi na sala de aulas", queixa-se o pai. "Achei uma injustiça numa classe em que são quase todos portugueses, é normal que falem a língua dos pais, e só não reclamei porque tenho quase a certeza que o miúdo ia ser prejudicado", diz Manuel Santos.

Mas a proibição de falar português já vem do jardim-de-infância, garante Manuel Santos, a viver no Luxemburgo há quase 12 anos. "No infantário era a mesma coisa, nem nós pudemos falar em português com as empregadas, que são portuguesas, e as crianças também não".

O ministro da Educação do Luxemburgo anunciou em Julho a intenção de criar creches e "maisons-relais" bilingues, em francês e luxemburguês, que seriam gratuitas. O objectivo, disse na altura Claude Meisch ao l'Essentiel, é evitar que "as crianças de origem portuguesa, francesa ou servo-croata frequentem creches privadas onde o pessoal só fala francês", de modo a aprenderem também luxemburguês, um dialecto frâncico-moselano reconhecido como idioma oficial do país em 1984.

O CONTACTO noticiou na quarta-feira o caso de um director de uma turma de um liceu que proibiu os alunos de falar português nas aulas, uma decisão que mereceu a aprovação da ministra da Família e da Integração do país, Corinne Cahen.

A medida indignou a comunidade portuguesa e é criticada por especialistas em pedagogia e educação ouvidos pelo CONTACTO. Ao que o jornal apurou, a proibição de falar português é transversal a todos os níveis de ensino e começa logo no infantário, aplicando-se em várias escolas do país. Paula Alves – Luxemburgo in “Contacto”

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