Com os blogues a perder relevância no mundo, na era das redes sociais, ainda há alguns exemplos no território. Em Macau, os que existem são, sobretudo, de portugueses e de macaenses, já que, hoje em dia, entre a comunidade chinesa local, é uma ferramenta muito pouco usada
Contam-se pelos dedos o número de blogues com temáticas ligadas a Macau e os que existem já têm alguns anos. O Ponto Final foi à procura dos resistentes, que ainda publicam actualmente, como o Macau Antigo, o Visto de Macau, o Nenotevaiconta, o Crónicas Macaenses ou o Delito de Opinião, e falou com alguns dos seus autores.
Um dos blogues mais conhecidos, entre a comunidade portuguesa e macaense, é o Macau Antigo, criado pelo jornalista João Botas, em Novembro de 2008. “Vivi em Macau na adolescência e, passados alguns anos, depois de regressar a Portugal, senti que havia um misto de desconhecimento e muitos mal-entendidos sobre a história de Macau”, conta. Por isso, por volta de 2006, quando fazia pesquisas para aquele que seria o seu primeiro livro, “Liceu de Macau 1893-1999”, deparou-se com muita “documentação interessante” que não seria necessária para o trabalho. ”Foi então que surgiu a ideia de criar o projecto Macau Antigo para poder divulgar esses documentos”, recorda. Definiu então como seria o modelo adoptado: linguagem simples, “sem ser simplista”, e associando, sempre que possível, ilustrações, para contar a história de Macau.
Alimentado por livros, jornais, perguntas, testemunhos de leitores, publica todos os dias um texto. “Há mais de 16 anos que publico um novo post todos os dias e não me faltam temas, o que me falta é tempo”, destaca.
Com visitantes portugueses, macaenses e chineses, de Macau, Hong Kong, China continental, além de ingleses e elementos de outras comunidades, João Botas diz que no blogue estão registados mais de 300 leitores. “Recebem uma notificação via e-mail de cada vez que é feita uma nova publicação e na rede social Facebook, onde também divulgo o projecto, são mais de mil”, diz.
Com um total de quase três milhões de visitantes, em média, tem tido cerca de 200 mil visitas por ano. “Dá uma média diária superior a 500”, diz o jornalista, que acrescenta: “No último mês de Janeiro, por exemplo, teve uma média diária de cerca de 700 visitantes e, em Março de 2004, registou um recorde mensal com cerca de 70 mil visitas.”
Os leitores são, por ordem decrescente, desde 2008, de Portugal, Estados Unidos, Macau, Brasil, Rússia, Hong Kong, Alemanha, Países Baixos, Suécia e Canadá.
A energia para continuar com o projecto surge das reacções que recebe por parte de quem visita aquele espaço. “Recordo, por exemplo, que foi a partir de um contacto de uma leitora que nasceu a ideia de escrever a biografia de Manuel da Silva Mendes (1867-1931)”, declara.
Quase todas as semanas recebe pedidos de informação, sobretudo de estudantes universitários, de Portugal, Macau, Hong Kong, Brasil, mas também de militares que estiveram em comissão de serviço em Macau, ou dos familiares deles. “Querem saber mais, dar-me fotografias, jornais, ou apenas perguntar se consigo identificar um local numa fotografia”, refere. “Uma pessoa quis saber algo mais sobre a avó que tinha sido professora em Macau, nos primeiros anos do século XX. Enviou-me o nome e consegui ajudar, recorrendo a dois livros”, conta, a título de exemplo.
Para o projecto, recebe um “apoio simbólico” da Fundação Jorge Álvares, que ajuda a suportar algumas das despesas, como livros, digitalizações, “portes de correio nos passatempos anuais” em que oferece livros aos leitores ou deslocações. Aliás, conta João Botas, esporadicamente, tem de viajar para recolher um testemunho ou adquirir livros e outros documentos. “Recordo-me de, já há uns anos, ter ido de Lisboa à aldeia de S. Gregório (Melgaço) para entrevistar o senhor Marrucho, um militar que esteve em Macau na década de 1940. Foi o neto que me contactou”.
Um espaço de liberdade
Tem o nome de Visto de Macau e foi criado pelo advogado Sérgio de Almeida Correia, em Outubro de 2013, após ter regressado da última vez a Macau.
Intitulado Visto de Macau, por ser o sítio onde o advogado está baseado, aborda, por isso, muitos temas do território, mas não apenas. Referindo que, nos últimos tempos, tem tido “mais dificuldade” em publicar nos jornais locais, afirma que é no Visto de Macau que publica os seus textos. “O blogue dá-me muito mais liberdade do que estar a escrever para um jornal, onde estou sempre sujeito a um certo escrutínio também por parte do director ou por parte dos patrocinadores dos jornais”, afirma.
Salientando o papel de intervenção social e política desta ferramenta, o causídico refere que “um blogue só tem interesse se for regularmente actualizado”. Por isso, dependendo da importância dos temas e das questões da actualidade, pode escrever entre duas e quatro vezes por semana.
Depois, sem qualquer tipo de apoio ou patrocínio, considera ser um verdadeiro espaço de liberdade, “não sujeito a limitações nem aos condicionalismos que outros órgãos de comunicação social possam sofrer”.
Mantém também uma colaboração com o Delito de Opinião, um blogue colectivo, de Portugal, fundado pelo jornalista Pedro Correia. A experiência é, porém, diferente do Visto de Macau. Composto por duas dezenas de articulistas, este blogue colectivo é publicado em Portugal, centrando-se, sobretudo, nos temas do país europeu. “Ali escrevo mais questões de interesse nacional [Portugal] e de natureza política, a ver com a governança em Portugal, mas também de política internacional”, diz, esclarecendo ainda que há textos que publica nos dois blogues.
Assuntos como a Escola Portuguesa de Macau são publicados apenas no Delito de Opinião, por dizer respeito “ao papel de Portugal em Macau ou das instituições portuguesas em Macau”, mas questões puramente relacionadas com problemas do território, como os transportes, circulação, higiene urbana, saúde, habitação, têm espaço no Visto de Macau.
Quanto a reacções, refere que tem poucos comentários no seu blogue individual, muito porque deixou de responder quando são anónimos, mas também porque há quem tenha “medo de represálias”, optando, ao invés, por enviar-lhe directamente mensagens.
Sobre os textos mais lidos, o advogado sabe que “há temas que suscitam mais ou menos atenção”. É o caso, por exemplo, dos artigos sobre a Escola Portuguesa de Macau, que têm “enorme repercussão” ou dos textos que publicou sobre o tufão Hato, em 2017. “Aí devo ter batido todos os recordes de audiência”, recorda. É também, muitas vezes, citado nas páginas dos jornais.
E, ainda que escrito exclusivamente em português, o advogado afirma que também chega ao resto da comunidade do território. “Sei que, em determinada altura, os meus textos eram mandados traduzir do português para o chinês por órgãos do Governo de Macau”, declara, acrescentando que é também contactado por jornalistas chineses, que lhe pedem esclarecimentos a partir de textos publicados. Em dadas ocasiões, chegou até a ser contactado por elementos de outras comunidades. “Sei que há gente que me lê e, quando percebem aquilo que está em discussão, vão lá buscar o texto. Se calhar, vão fazer uma tradução para o inglês”, diz.
Sobre a perda do papel dos blogues para as redes sociais, Sérgio de Almeida Correia refere que são instrumentos com lógicas diferentes. “Aquilo que escrevo no blogue tem uma preocupação em termos de redacção e em termos de mensagem”, afirma.
Um blogue em Portugal, ligado a Macau
O Delito de Opinião já existe há 16 anos e é de Portugal, mas tem uma ligação intrínseca ao território. “Inclui algumas pessoas que estiveram em Macau, eu e o Sérgio de Almeida Correia, e, de início, até tinha mais pessoas”, recorda o fundador, Pedro Correia. “Abordámos sempre esse tema [Macau], de uma forma mais próxima ou mais distante”, diz aquele que também foi director do jornal Ponto Final, acrescentando: “Eu, sobretudo, lembro a minha passagem por aí. Foram dez anos que marcaram muito, entre os 25 e os 35 anos”.
Com muitos leitores do território entre a lista de visitantes diários, Pedro Correia diz que alguns são pessoas que já o seguiam, quando ele vivia no território, e que continuaram ao longo dos anos. “São leitores que mantive, já que, durante 30 anos, fui colunista regular na imprensa de Macau”, declara o jornalista. Aliás, no ranking de visitas, Macau situa-se entre o terceiro ou o quarto destino de origem.
Com perto de 3000 visitas diárias, um número que aumenta, sobretudo quando há cenários de eleições e de campanhas políticas, o Delito de Opinião “é muito citado”, não só por estar alojado na plataforma Sapo, mas também por “ter muitos destaques” nos jornais, todos os dias.
Quando criou o blogue, Pedro Correia quis formar uma “equipa nada homogénea, de pessoas que até nem se conheciam”. É uma espécie de “caos ordenado”, com opiniões “dissonantes”, mas que em nada afectam o bom ambiente vivido entre aqueles cerca de 20 articulistas. “Continuo a ver que tem leitura e faz companhia a muita gente. É uma coisa muito viva e, ao contrário do que costuma acontecer nas redes sociais em que só estamos a pregar para quem pensa como nós, muitas vezes escrevemos para pessoas que pensam de maneira completamente diferente”, destaca.
Os temas são livres, mas os articulistas devem ter “uma qualidade de escrita acima da média”, além de não poderem utilizar o acordo ortográfico. “Este é o nosso único dogma.”
Outro blogue digno de registo em Macau, bastante lido entre a comunidade portuguesa e macaense, é o Nenotavai. Especializado em história de Macau, tem por fundador o médico macaense Jorge Pereira e tem inúmeros comentários de vários elementos da comunidade lusófona.
Para além deste, destaque ainda para o blogue Projecto Memória Macaense, sucessor do sítio Projecto Memória Macaense criado em 2003, que aborda temáticas ligadas a Macau, Portugal e à comunidade macaense. Paralelamente, existe ainda o Crónicas Macaenses, que é um blogue que mistura temas de Brasil e de Macau. O autor de todos estes projectos é o macaense Rogério Luz, amante de fotografia também, que nasceu no território e foi para São Paulo, Brasil, há mais de 40 anos.
E na comunidade chinesa?
Se entre a comunidade lusófona ainda há alguns blogues que subsistem, entre os chineses de Macau é diferente. “A maioria dos residentes do território usa as redes sociais, como o Facebook, Instagram, Red Note e WeChat, como grandes fontes de notícias, cultura pop e comunicação”, afirma Tif Chan, director de marketing da Hogo, uma agência de marketing baseada no território. É claro que ainda subsistem alguns blogues, diz, mas há “poucos” em Macau. “Talvez sejam mais populares em Taiwan”, declara.
Olhando para a comunidade local, Tif afirma que “não há a prática da escrita de artigos longos ou, no geral, a prática da escrita”. Pelo contrário, a comunidade opta por recorrer às redes sociais para se expressar ou, até mesmo, a Vlogs, sobretudo para comunicar as suas viagens.
Ainda assim, admite, antes das redes sociais, em Macau, os blogues chegaram a ter alguma expressão. “Xanga era uma ferramenta muito usada para isso, antes, bem como o Wretch, um sítio taiwanês”, recorda. Porém, hoje em dia, a geração Z está “mais interessada” em se tornar “YouTuber ou KOL [key opinion leader ou, em português, formador de opinião]”. Luciana Leitão – Portugal in “Ponto Final”
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