“Mas é comum vermos como o ódio ao bandido na maioria das vezes se
projeta como mais uma das faces do ódio aos pobres, aos menos favorecidos”
Recebo do amigo e brilhante
professor Cássio Benvenutti uma reportagem que mostra brasileiros tirando selfies com Eike Batista no aeroporto de
Nova York.
Bom, creio que todos sabem,
pelo tanto que fora divulgado que o empresário brasileiro teve sua prisão
preventiva decretada e embarca para o Brasil com rumo certo para um
estabelecimento prisional.
Mas e por que razão
brasileiros tietam um indivíduo com uma prisão preventiva decretada e que está
se entregando para a polícia?
A mesma reportagem destaca
provocações, xingamentos por parte de outras pessoas, mas revela, também,
muitos que elogiavam o empreendedorismo do milionário brasileiro.
Pois bem, não adentrarei aqui
na seara das acusações que pesam sobre ele, tampouco da decisão que decretou a
sua preventiva, por não ser este o foco que pretendo trabalhar.
O que quero refletir, para
tentar alcançar alguma possibilidade de compreensão, é o porquê da existência
de um filtro de seletividade na definição do bandido para grande parcela de
nossa sociedade.
Por que uma sociedade repleta
de cidadãos de bem, que enchem a boca e estufam o peito para bradar frases
como: bandido bom é bandido morto ou a clássica: direitos humanos para humanos
direitos, chegando a mais nova e vergonhosa: menos corrupção e mais chacina não
sente a mesma ojeriza quando se trata de um bandido do naipe de Eike Batista?
Simples. Vivemos em uma
sociedade doente, por diversos fatores, mas uma sociedade extremamente
dependente e escrava do capital, onde o dinheiro tudo compra, inclusive o
respeito.
O mesmo cidadão capaz de
enaltecer as virtudes de Eike Batista e cumprimentá-lo pelos seus feitos é
capaz de vibrar com o linchamento público de um jovem que tenha sido pego
furtando algum objeto ou com os números de mortos nas chacinas em prisões.
Não se trata de defender
nenhuma das condutas, as pessoas que cometeram crimes devem sofrer o devido
processo e receber a justa punição, independente de quem sejam.
Mas é comum vermos como o ódio
ao bandido na maioria das vezes se projeta como mais uma das faces do ódio aos
pobres, aos menos favorecidos.
Os ditos cidadãos de bem não
se projetam no jovem da favela, mas deliram na possibilidade de se projetar em
um indivíduo como Eike Batista.
Um indivíduo como Eike é o que
eles querem ser, é o que sonham em representar, pelo que ele fez? Não, mas pelo
que ele tem (ou teve).
Uma sociedade em que trata bem
as pessoas pelo que elas têm, sendo irrelevante se o caminho percorrido fora
lícito ou ilícito.
Quantas vezes ao questionarmos
o ganho de alguém, não somos taxados de invejosos ou ao duvidar do ganho lícito
de alguma pessoa não somos surpreendidos com frases do tipo: Mas ele tá rico e
tu?
Isto são faces de mais uma
dentre tantas doenças sociais que as redes sociais não criam, mas escancaram,
os fins justificam os meios e tudo é válido nesta corrida insana em busca do
dinheiro e do poder.
Obviamente que aqui não tem
nenhum discurso hipócrita de ódio ao dinheiro, todos queremos conquistas em
nossas profissões e não é feio almejar uma boa ou ótima condição financeira,
mas como nos ensinou Frejat: é preciso dizer, ao menos uma vez, quem é mesmo o
dono de quem.
Ou seja, nesta sociedade
submissa ao dinheiro, o bandido pobre merece a morte, o ódio, a prisão
apodrecida, enquanto o bandido rico, no fundo recebe minha inveja, minha ira
por não ter sido eu a viver aqueles momentos e obter aqueles ganhos.
Um vizinho traficante,
corrupto, sonegador, que me convidar para passear no seu iate e me proporcionar
alguns momentos de pura felicidade ganhará o meu respeito e tudo o que ele
tenha feito de errado será secundário e aqueles que tentarem-me alertar, serão
recalcados que não tiveram os méritos deles.
E, infelizmente, assim segue a
vida em terrae brasilis, com
argumentos e jargões carregados de doses cavalares de hipocrisia e contradição
entre eles próprios.
Esta reflexão não tenta bradar
a pena de morte ao Eike Batista, como não a defende em nenhuma outra hipótese,
também não acho que ele deve ser recolhido ao presídio nas condições dos nossos
estabelecimentos e sofrer com uma chacina, apenas não entendo o seu trato como
herói, justamente pelas pessoas que tanto querem matar os bandidos.
Esta reflexão serve mais uma
vez para que não nos deixemos cair na sedução do discurso pronto e falacioso do
cidadão de bem.
Primeiro, quem define quem é o
cidadão de bem? O bandido bom é o bandido morto, mas quantos cidadãos de bem
também não são bandidos. Ah, mas o meu crime é diferente, dirão eles. Sim,
sempre é diferente, sempre há uma justificativa.
O problema, que precisamos
enxergar, é que tudo não passa de uma forma de punir e de esconder através de
uma política encarceiradora: o pobre.
Uma leitura atenta do Código
Penal e das leis dos crimes tributários nos permite ver qual o bem jurídico que
recebe maior tutela, porque um furto recebe um tratamento mais severo do que
uma enorme sonegação, dentre tantas outras passagens que evidenciam isto.
O Direito Penal foi feito para
punir o pobre e esta grande parcela da sociedade ou não enxerga isso ou, pior,
enxerga e concorda, mas por falta de coragem de defender em voz alta, finge que
não vê.
E, assim seguimos, bradando o
horror à criminalidade e tirando selfies
com acusados de crimes, enaltecendo a seletividade social de nosso ódio. Kessler de Oliveira – Brasil in “Canal
Ciências Criminais”
Daniel
Kessler de Oliveira - Advogado e Professor
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