A Universidade de São José
(USJ) criou um curso de formação contínua em Patuá que será ministrado pelo director
da Faculdade de Humanidades, Alan Baxter, e tem início agendado para Março.
Trata-se de um projecto educativo já antes pensado e que, segundo o linguista,
“faz todo o sentido” que seja instituído por qualquer instituição de ensino
superior local no âmbito do currículo académico de determinados cursos.
“Criei um curso direccionado e
pensado para a comunidade porque é fundamental reforçar a consciência e o
conhecimento da cultura e da língua do patuá. Mesmo para as pessoas que já
tenham tido algum contacto com a língua”, sublinhou Alan Baxter ao Jornal Tribuna
de Macau.
O curso abordará vários
aspectos do crioulo português de Macau por meio de comentários e análise de
textos veiculados em patuá nos séculos XIX e XX. “Vamos começar pelos versos
tradicionais que hoje em dia toda a gente conhece, depois passamos para as
cartas satíricas que foram enviadas aos jornais no século XIX, e há também
alguns textos que têm características um pouco mais autênticas”, explicou Alan
Baxter.
Outros materiais a serem
estudados compreendem peças de teatro do século XX, desde teatro de Macau ao de
Hong Kong, e os contos do poeta e grande defensor do patuá, José dos Santos
Ferreira, também conhecido por Adé.
Para o docente e autor deste
curso, os materiais em questão permitirão aos participantes conhecer as
“estruturas básicas da língua, as características mais salientes em termos de
vocabulário e estruturas sintáticas”, a par da “história e desenvolvimento da
língua”. “Vamos contemplar alguns aspectos socioculturais presentes naqueles
textos que reflectem, por exemplo, a culinária, tradições, casamentos bem como
outras descrições que dizem respeito ao ambiente sócio-histórico mais amplo de
Macau do século XX”, acrescentou o linguista.
Com 20 horas de formação, ao
longo de oito sessões, as aulas decorrerão na USJ todas as quartas-feiras, das
18:30 às 21:00. Além disso, e uma das “vantagens” do curso prende-se com o
facto de não ter quaisquer restrições em termos de participação. “O curso
abrange toda a comunidade, qualquer pessoa pode inscrever-se, nomeadamente
alunos da Universidade”, explicou.
Para já, as aulas serão
leccionadas por Alan Baxter embora não esteja excluída a hipótese de mobilizar
alguns convidados. “Tenho em mente dois, mas eventualmente poderá haver mais
dependendo da disponibilidade”, disse sem avançar com mais detalhes.
Aquilo que ainda está numa
fase embrionária, embora o docente admita estar disponível para abrir o curso
no próximo semestre, poderá ser um primeiro passo para algo maior. Para Alan
Baxter esta formação contínua em Patuá poderá ser o “começo de uma sequência”.
“Vamos ver de que forma a comunidade aceita e se interessa”, apontou.
Embora a componente de
avaliação não seja a principal finalidade com esta formação, o docente revelou
que haverá espaço reservado durante as aulas para a realização de exercícios.
“Haverá também trabalhos de casa que poderão indicar até que ponto a pessoa
adquiriu conhecimentos, mas esse não é o principal objectivo”, disse Alan
Baxter.
As inscrições estão abertas
até ao final deste mês, e poderão ser feitas no “website” da USJ, com um custo
de 1.800 patacas. As aulas serão ministradas em Português, sendo que as
explicações em inglês poderão ser fornecidas de acordo com as necessidades dos
participantes.
Uma
iniciativa que faltava
Para o presidente da
Associação dos Macaenses (ADM), Miguel de Senna Fernandes, há muito que era
necessário que uma “estrutura académica suportasse a divulgação do Patuá”.
Nesse sentido, sublinhou, este novo curso promovido pelo professor Alan Baxter
é “uma notícia muito bem-vinda”.
“Durante todos estes anos, o
Grupo Dóci Papiáçam lutou por isto só que muitas vezes a própria
disponibilidade não permitiu fazer”, disse Miguel de Senna Fernandes ao Jornal
Tribuna de Macau.
Embora não esteja a par do
conteúdo daquele curso da USJ, nem da forma como será realizado, o presidente
da ADM ressalva que os “contornos da língua” devem ser tidos em conta. “Tudo
depende de como as coisas serão dadas e do que se está a falar mas há que esclarecer
que Patuá é este porque sempre foi uma língua de base oral. Por isso, há que
situar no tempo e perceber quais são os limites da língua”, destacou.
“No fundo, é importante para
aumentar a consciência para a importância do Patuá. Há mais de 20 anos que
andamos a lutar por isto, justamente para aumentar a consciencialização”,
destacou.
“Apesar desta língua não ser
usada diariamente é muito importante para quem se identifica como macaenses.
São sempre iniciativas de louvar e aplaudo desde logo esta iniciativa do
professor Alan Baxter”, vincou Miguel de Senna Fernandes.
Em Setembro do ano passado, o
presidente da ADM já tinha demonstrado vontade em alterar o sistema ortográfico
do Patuá de modo a que o contacto com a língua seja mais claro e, de certo
modo, mais correcto. Esta ideia, assegurou, “ainda está de pé” mas continua
pendente de “disponibilidade”.
No entanto, há outras ideias
que poderão entretanto avançar. Segundo explicou, a geração mais nova que
também integra o grupo de teatro que dirige está a pensar, já desde finais do
ano passado, numa espécie de workshop
sobre o crioulo.
A ideia partiu de Elisabela
Larrea, investigadora e realizadora de Macau, também autora do blogue “Bela
Maquista”, pensado como veículo de difusão da cultura macaense. Segundo Miguel
de Senna Fernandes, a ADM terá todo o gosto em apoiar esta iniciativa que ainda
está numa fase de construção e estruturação, mas que deverá ser divulgada
depois dos próximos espectáculos dos Dóci Papiaçám di Macau, marcados para 19 e
20 de Maio. Catarina
Almeida – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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