Novo
modelo mostra que esteira oceânica que transporta calor à Europa é mais
vulnerável ao aquecimento global do que se imaginava, mas só pararia em séculos
não de anos; Brasil seria afetado
Cientistas chineses
trabalhando nos EUA trouxeram uma notícia agridoce sobre um dos efeitos mais
temidos do aquecimento global. Um modelo climático feito por eles mostra que a
corrente oceânica que leva calor dos trópicos à Europa é mais vulnerável do que
se imaginava às mudanças do clima, e desligará completamente caso a quantidade
de gás carbônico na atmosfera siga aumentando. Por outro lado, esse
desligamento ocorreria em séculos, não em anos ou décadas.
Conhecida como circulação termoalina
do Atlântico, essa imensa esteira oceânica é um dos principais sistemas de
regulação do clima da Terra. Sua face mais conhecida é a Corrente do Golfo, uma
corrente quente que migra pela superfície do Atlântico tropical até as
imediações do Ártico. No Atlântico Norte, ela fica mais fria e mais salgada
(devido à evaporação da água no caminho), afundando e retornando aos trópicos
na forma de uma corrente fria submarina. A dissipação de calor dessa corrente é
o que mantém a Inglaterra e o norte da Europa com um clima relativamente
tépido, mesmo estando em uma latitude elevada.
Desde os anos 1980 os
cientistas têm postulado que o aquecimento global, ao derreter o gelo e a neve
do Ártico, lançaria grande quantidade de água doce no oceano, diluindo o sal da
corrente e impedindo que ela afundasse. O efeito imediato seria a suspensão do
transporte do calor para a Europa, que mergulharia numa espécie de era do gelo.
Isso já aconteceu há 8200 anos e resfriou o Velho Continente por dois séculos.
Poderia acontecer de novo de forma rápida e causar problemas sérios à
civilização, caricaturados no filme-catástrofe “O Dia Depois de Amanhã”, de
2004.
Observações feitas até aqui,
que são esparsas, têm mostrado que justamente desde 2004 esteira oceânica está
em sua menor potência nos últimos mil anos, provavelmente por causa do
aquecimento global. Alguns cientistas temem que o colapso já tenha começado.
Ocorre que os modelos
computacionais que simulam o clima da Terra no futuro, usados pelo IPCC (o
painel do clima da ONU), têm falhado sistematicamente em apontar instabilidade
no sistema. Por consequência, o desligamento repentino da corrente é
considerado pouco provável pelo painel.
Entram em cena Wei Liu, da
Universidade da Califórnia em San Diego (hoje na outra costa do país, na
Universidade Yale), e colegas. Em estudo publicado nesta quarta-feira no sítio
da revista Science Advances, o grupo aponta que os modelos padecem de um viés:
uma distorção faz a corrente parecer artificialmente mais estável do que é de
fato.
A origem do problema está
longe da Europa, no Atlântico Sul. Essa região do oceano tropical, perto do
equador, recebe chuvas constantes na chamada Zona de Convergência
Intertropical, o cinturão de tempestades onde massas de ar aquecido dos dois
hemisférios se encontram.
Liu e colegas dizem que os
modelos do IPCC assumem que há mais água doce oriunda dessas chuvas na corrente
do que há de fato. Isso causaria nos modelos uma ilusão de estabilidade –
quanto mais água doce no trópico, menor a diferença de salinidade perto do
Ártico, portanto, menos suscetível a perturbações a corrente seria. Esse viés
afirma Liu, já havia sido sugerido por outros estudos no passado.
O que o chinês e seu grupo
fizeram foi ajustar um dos modelos de acordo com parâmetros de salinidade que
eles consideravam mais realistas. Mas não apenas isso: a correção do viés
tornou a corrente mais instável e vulnerável ao próprio aquecimento da água do
mar – algo que casa melhor com as observações. “O aquecimento reduz a densidade
da água e impede a convecção”, disse Liu ao OC. “O método não é perfeito, mas é
o melhor que podemos fazer agora para corrigir o viés e fazer uma projeção mais
confiável.”
Os pesquisadores usaram o
modelo ajustado para estimar o que acontece com a esteira oceânica caso o nível
de CO2 na atmosfera duplique – algo que acontecerá por volta de meados do
século se medidas radicais de controle de emissões não forem tomadas.
Aqui vem a nota de alívio do
estudo: o colapso da corrente ocorre nas simulações apenas 300 anos após a
quantidade de CO2 dobrar na atmosfera. Questionado sobre se isso era uma boa
notícia, Liu foi cauteloso: “Sim, 300 anos são muita coisa comparado a uma vida
humana, mas mudanças notáveis podem ocorrer antes de a circulação colapsar”,
disse. “Além disso, nosso resultado é baseado em um modelo e em um cenário
simples de aquecimento.” Liu e seus colegas não consideraram, por exemplo, o
fator que até agora tem sido invocado para explicar a redução da corrente: o
efeito do degelo da Groenlândia. Ao lançar excesso de água doce sobre o oceano
no Ártico, o derretimento poderia agravar a situação de uma corrente que já
seria impactada pelo aquecimento da superfície.
Um efeito esperado dessa
redução na corrente, por exemplo, é uma mudança nos padrões de chuva em várias
regiões do planeta. Um dos lugares que seriam afetados é o Brasil. Estudos do
grupo do geólogo de Francisco Cruz, da USP, já mostraram que fases de redução
da circulação termoalina no passado corresponderam a chuvas torrenciais no
Brasil, devido ao deslocamento da Zona de Convergência Intertropical para o
sul.
“Precisamos aplicar essa
metodologia a mais modelos climáticos e a cenários de aquecimento global mais
realistas”, afirmou Liu. Claudio Ângelo –
Brasil in “Observatório do Clima”
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