Os Factos da
Quinzena
Nova
quinzena e novos e antigos factos em continuum.
1º Facto
Factos continuados, nos
últimos tempos, são a problemática da proliferação dos lixos e a consequente
tragédia de doenças e mortes em Luanda e um pouco por todo o país. É verdade
que a mãe natureza veio atrapalhar ainda mais as coisas, com as intensas chuvas.
Mas convenhamos que há sobretudo uma coincidência com a superveniência do outro
cruel inspector que foi a queda do preço do petróleo, ao que, nunca contando
com a minha convicção, muitos chamaram extraordinário crescimento económico da
Angola do pós-guerra, sobre a forte liderança do presidente dos Santos. Agora,
neste rebuscar de continuadas vãs esperanças, alimentadas por quem, a todo o
custo, quer permanecer no comando de uma nau, praticamente, desgovernada,
volta-se a esquemas completamente desenquadrados com um proclamado Estado
Democrático e de Direito, como o “trabalho voluntário” ou o apelo a diversos
outros sacrifícios patrióticos “das massas populares”. Estou à vontade para
dizer que apenas assistimos às consequências do que alertamos, em devido tempo,
ser o apetite desmesurado pela concentração e centralização, tanto horizontal
como vertical de todos os poderes numa pessoa, numa família, amigos e
bajuladores. Com todos os mecanismos de escrutínio e fiscalização, de carácter
permanente, imobilizados.
Mais importante do que as
acções de solidariedade com as vítimas desta desgovernação, onde se detectam
algumas de carácter cínico e mero aproveitacionismo político, entre cujos
protagonistas encontramos alguns culpados das presentes calamidades, devia ser o
juntar-se da Nação para a reposição dos consensos destruídos à volta da
discussão e aprovação da constituição formal de 2010. Até mesmo baseando-se na
própria então chamada “agenda de consenso do MPLA”, que, deste então, tem sido
completamente ignorada. E quando são conhecidas ideias muito positivas que
partem da oposição, neste mesmo sentido: esquecer um passado (actual) em que
uma minoria, em nome de não se sabe que legitimidade, se outorgou o direito de
se atirar ao património nacional e em menos de 15 anos se apossou de tudo
quanto seja sector estratégico (ou até nem por isso!) e acto contínuo inverteu
a rota dos “descobrimentos” para colonizar mentes e territórios na nação,
quiçá, mais antiga da velha Europa; e, retomar o caminho da construção de um futuro
pacífico, que só é possível quando participada (a construção).
2º Facto
Ainda sobre o Processo dos 17
e afins, em que continuamos a assistir a uma autêntica teatrização do judicial,
não fosse a expressão tão lamentável, perante o silenciamento martirizante de
inocentes, deparei-me com uma afirmação atribuída ao nosso Procurador-Geral da
República, segundo a qual reconhecia que a detenção e condenação (e
congelamento do processo de recurso, acrescento eu) do activista de Cabinda
Marcos Mavungo tinha mais a ver com a necessidade de controlar a delicada
situação daquela província encravada a norte do país, do que com elementos
constitutivos de um verdadeiro e justo processo judicial. É justamente a isso
que chamamos processo político e não processo judicial, que só pode dar lugar a
presos políticos ou de consciência, epíteto que um regime comandado por antigos
perseguidos políticos, há mais de 40 ou 50 anos, não quer ver atribuído às
vítimas de semelhantes perseguições e sevícias, em pleno século XXI, num
proclamado Estado Democrático e de Direito. Estou plenamente convencido que, no
caso particular de Cabinda, se não fossem pervertidos os acordos anteriormente
alcançados para a pacificação do território, com todo o mérito do Presidente
Santos, não teríamos essa necessidade extrema de eleição trágica de bodes
expiatórios; o mesmo aconteceria na situação geral de Angola, não houvesse a
reviravolta espectacular perante os consensos plasmados na “constituinte” de
1991/2, revogada por mero capricho dos actuais poderosos de Angola.
3º Facto
O facto “Panama Papers” vem da
quinzena anterior, que não o comentei para verificar se eu próprio também não
estava metido nessa “camisa de sete varas” (risos). Mas, falando com franqueza,
penso que estamos perante uma das questões que o homem dos nossos dias devia
resolver sem traumas: simplificar as coisas, de modo a que a queda de
determinadas hipocrisias possam dar lugar a uma maior transparência. Não estou
a defender o descaramento com que alguns em Angola, por exemplo (alguns dos
quais, por sinal, terão por lá – pelos panamás – alguma papelada), se
vangloriam abertamente com as quantidades abocanhadas do erário público, ao que
chamam “acumulação primitiva do seu capital, imitando anquilosadas práticas
coloniais. Refiro-me simplesmente à necessidade de descomplicar coisas que
todos sabemos que existem e depois fingimos que nos espantam, em determinadas
alturas, elegendo alguns de nós como os “bombos da festa”. Noutros termos, eu
diria que o caso ou os casos “Panama Papers”, depois do caso ou casos
WikiLeaks, é mais um indício de que é urgente a mudança do ou de paradigma(s)
no mundo actual.
4º Facto
Ao historiador Carlos Pacheco,
especialmente, célebre pela seminal obra intitulada “Angola: um gigante com os
pés de barro” de escassos anos atrás, quando se devia ufanar hoje da sua tempestiva
previsão, com o destapar das fraquezas de um Estado que se julgava infalível,
em todos os domínios, são atribuídas, hoje, estas palavras aqui resumidas:
aqueles que em Portugal se solidarizam com os “revus”, cujo entusiasmo pueril
ele mal ou bem entende, tomem cuidado que estão a dar a sua ajuda a uma
“conspiração internacional” (este “dèjá vu” que nunca se explica) contra
Angola. E para fundamentar devidamente o porquê de considerar equivocadas as
acções de solidariedade de portugueses para com jovens angolanos que devem
pagar pela sua imperdoável ingenuidade, remata dizendo que se assim não fora,
actos de solidariedade também os devia ter havido, aquando do seu próprio
suplício, na longínqua Angola do 27 de Maio de 1977. Espantosa reviravolta!
5º Facto
Na quinzena passada falei de
uma das mais vivas expressões da democracia política, observada na pátria irmã
brasileira. Nada que se compare com o que se passa, hoje, na “nossa bela pátria
angolana, nossa terra e nossa mãe”, onde só o vermelho e o negro se podem
exprimir nas ruas, as cores da bandeira de quem pode e manda, quando as coisas
lhes correm em desfavor. Mas durante esta quinzena em que escrevo, sequência da
observação da vivacidade do fenómeno democrático no Brasil, o exagerado e
lamentável: em centenas de depoimentos pró “impedimento” da “presidenta”, quase
nenhuma invocação das causas da vontade aparentemente inoculada por “não
santos” contra “pecadores”. São dessas coisas que me têm levado a preconizar
uma revisão, mesmo nas próprias democracias do tipo ocidental e ajustá-las aos
tempos que correm, extirpando-as, justamente, do factor hipocrisia. Terá que
ser possível.
6º Facto
“Isabeis” em evidência,
durante a quinzena: uma rainha europeia e uma “princesa” africana. Ambas
celebraram os seus aniversários e todos bem destacados, na comunicação social,
aqui por banda de Lisboa onde passo uma breve temporada. Penso na força da
criação mítica, quando um mito é alimentado e cria uma princesa a “olhos
vistos”, para um país que ainda há pouco era uma república (marxista-leninista,
primeiro e depois “república mesmo”), nos termos do próprio Ocidente. Quando a
nonagenária rainha da Inglaterra é apenas um ressaibo simbólico – embora opulento
mas quase consensual – do que sobrou da devolução do poder aos povos britânicos
e outros, nossos reis (quiçá rainhas), príncipes e princesas começam agora ser
consagrados, por mitos europeus, outra vez. Os mesmos que precipitaram a
criação de pátrias africanas, aglutinando, abusivamente, vários reinos, com
tragédias subsequentes.
Alguma elite portuguesa, assim
acompanhada pela comunicação social, está de facto a exceder-se. Ouvi
políticos, alguns de origem africana, a afirmar de forma masoquista, que
Portugal deve sujeitar-se aos ditames das ameaças e chantagens ou contar com
retaliações da “monarquia angolana”, sistema aceite consensualmente por “todos
africanos”, o de extorquir-lhes os bens públicos por uma clique, óptimo para
partilhá-los, alegremente, com elites das antigas metrópoles. Marcolino Moco – Angola in “Moco
Produções”
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Marcolino
José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a
19 de Julho de 1953. Licenciado em Direito e mestre em Ciências
Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências
Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente
Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro
de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo
da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000.
Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e
1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.
Marcolino
Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito
Marcolino
Moco International Consulting
www.marcolinomoco.com
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Portugal, Torre Zimbo. Nº 704, 7º andar
Tel:
930181351/ 921428951/ 923666196
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Angola
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