I
Foi Fernando Mendes Vianna
(1933-2006), poeta nascido no Rio de Janeiro, quem teve a ideia de organizar
uma antologia com poetas brasileiros nascidos em 1933 e passou-a a Joanyr de
Oliveira (1933-2009), que de pronto a aceitou. A princípio, eles iriam
organizá-la juntos, mas não se sabe até que ponto Mendes Vianna chegou a
trabalhar nela, antes que fosse visitado pela indesejada das gentes, como diria Manuel Bandeira (1886-1968).
Assim, a tarefa passaria para os ombros de Joanyr de Oliveira, que, se levaria
a cabo a missão, escrevendo-lhe até a nota introdutória, igualmente não
conseguiria vê-la impressa.
O próprio Joanyr de Oliveira
chegou a encaminhar os originais ao editor Victor Alegria, que assumira o
compromisso de publicar o livro diante do corpo sem vida de Mendes Vianna.
Colaboraria na edição o poeta Anderson Braga Horta, nascido em 1934, mas “amigo
de todos os poetas e o maior dentre todos nós que nos tornamos brasilienses”,
no dizer do organizador.
Depois desses percalços, Nós, poetas de 33, de Joanyr de
Oliveira, sai agora com apresentação de Kori Bolívia, presidente da Associação
Nacional de Escritores (ANE) de 2012
a 2014, e três textos sobre a poesia de Mendes Vianna e
um apêndice sobre a vida e a obra do organizador da coletânea. Da obra ainda faz parte uma fortuna crítica
com a opinião de críticos sobre livros do organizador, com destaque para o que diz
José Louzeiro (1932) a respeito de O
grito submerso (1980). Segundo Louzeiro, os versos “Demônios são anjos/ nas arcadas da ventania” só poderiam partir da
concepção de um mestre, pois lembram os de Camilo Peçanha (1867-1926) e Mário
de Sá-Carneiro (1890-1916).
Se são muitos os poetas
brasileiros nascidos em 1933 (uma relação neste livro lista pelo menos 67), a
coletânea preparada por Joanyr de Oliveira selecionou 13, que, com certeza,
estão entre os mais representativos, embora sempre haja o risco de algum
esquecimento imperdoável: Fernando Mendes Vianna, Francisco Miguel de Moura,
Heitor Martins, Hugo Mund Júnior, Joanyr de Oliveira, José Jeronymo Rivera,
Lupe Cotrim Garaude, Maria José Giglio, Miguel Jorge, Murilo Moreira Veras,
Octavio Mora, Olga Savary e Walmir Ayala.
II
Se Joanyr de Oliveira era um
poeta que pensava por imagens, ou imageticamente, como dele disse Oswaldino
Marques (1916-2003), a propósito do lançamento de Casulos do silêncio (1982), tinha também o dom da palavra,
inclusive no sentido bíblico, já que era um pastor evangélico de puro e sincero
coração da Assembleia de Deus, fluente e inflamado, no dizer de Anderson Braga
Horta, que com ele conviveu desde os primeiros anos de Brasília. É o que se
pode constatar nestes versos tirados de 50
poemas escolhidos pelo autor (2003):
Pelas pisadas dos rebanhos
na quietude do outono,
Deus espraia o mel de sua voz.
Ouvi, ó tendas de pastores,
rodas de carros faraônicos,
eqüinos revestidos de auroras.
Tranças debruçadas no silêncio
somam-se à bondade das videiras
e aos cachos bailarinos da seara.
No dorso intangível da solidão
Deus espraia o mel de Sua voz.
Sobre Mendes Vianna, há dois
ensaios e um discurso de recepção à Academia Brasiliense de Letras em 1987, nos
quais Braga Horta destaca o domínio do poeta sobre o verso sem medida e o seu
lirismo de acento metafísico. Definido por José Guilherme Merquior (1941-1991)
como poeta-pensador, Mendes Vianna é exaltado por Braga Horta também pela
modernidade de seu barroquismo, o que configura um perfeito oxímoro à
semelhança do “banqueiro anarquista” de Fernando Pessoa (1888-1935). Eis um
rápido exemplo da qualidade da ourivesaria de poesia que Mendes Viana costumava
exercer:
Obrigado,
poema, alavanca de paciência,
potentíssimo palimpsesto,
frágil pluma,
pólvora de pólen que
explode o pó
e ala o corpo e sua urna
plúmbea,
lançando ao mar a areia
da ampulheta!
III
De José Jeronymo Rivera,
tradutor de poemas de autores espanhóis, argentinos e franceses, como Gustavo
Adolfo Bécquer (1836-1870), Rodolfo Alonso (1934) e Aloysius Bertrand
(1807-1841), há quatro poemas, entre os quais se destaca “Depois”, de Aprendizado de poesia (2004), do qual
extraímos os versos iniciais:
Depois,
não lembrarás o meu carinho.
Hás de
esquecer, talvez, quem te quis tanto.
Nem
sentirás o doloroso espinho
Da
saudade, que punge mais que o pranto. (...)
De Olga Savary, contista,
ensaísta, jornalista e tradutora, que integra Os cem melhores contos do século e Os cem melhores poemas do século (org. Ítalo Moriconi, 2000), cuja
qualidade de poesia já foi atestada por prefaciadores do quilate de Antônio
Houaiss (1915-1986), Ferreira Gullar (1930), Gerardo Melo Mourão (1917-2007),
Antônio Olinto (1919-2009), Dias Gomes (1922-1999) e Gilberto Mendonça Teles
(1931), a antologia reúne dez poemas, dos quais destacamos a estrofe final de
“Pedido”, dedicado a Manuel Bandeira, que integra Espelho provisório (1970):
(...)
Meu velho poeta canta
um canto
que me adormeça
nem que
seja de mentira.
Esta imperdível coletânea é
encerrada com poemas de Walmir Ayala (1933-1991), talvez o poeta mais premiado
de sua geração, autor de uma obra extensa em todos os gêneros, tradutor para o português
do poema “El gaucho Martín Fierro”, do argentino José Hernández (1834-1886),
publicado pela Ediouro em 1988 e organizador da Antologia dos poetas brasileiros – fase moderna (Ediouro, 1967),
com Manuel Bandeira. A título de exemplo, bastam estes primeiros versos de
“Tempo submerso”, extraídos de Poesia
revisada (1972):
O acalanto
é despido da vaidade das horas
pois a voz desintegrou
espelhos
onde o vento prisioneiro
chorava
Voz e vento partiram na noite
à procura dos astros.
Voz e vento morreram na
noite.
Apenas as conchas vazias
guardaram seu último anseio
(...).
IV
Joanyr de Oliveira, mineiro
de Aimorés, poeta, contista, romancista, cronista e antologista, era bacharel
em Direito e jornalista. Morou em Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia e
em Massachusetts, Connecticut e Califórnia, nos EUA. Em 1960, instalou-se em
Brasília, onde foi analista da Câmara dos Deputados, depois de haver
ingressado, em 1959, no Rio de Janeiro, no quadro de revisores do Departamento
de Imprensa Nacional. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do
Distrito Federal, da Academia de Letras de Brasília e da ANE, entidade que
presidiu de 2007 a
2009.
Destacou-se como organizador
de coletâneas, entre as quais Poetas de
Brasília (1962), primeira obra literária editada no Distrito Federal; Antologia dos poetas de Brasília (1971);
Antologia da nova poesia evangélica (1978);
Brasília na poesia brasileira (Rio de
Janeiro, 1982); Poesia de Brasília (1998);
Poemas para Brasília (2004) e Horas vagas (contos, 1981). Conquistou mais
de trinta prêmios.
De sua obra poética,
destacam-se: Minha lira (1957); Cantares (1977); O grito submerso (1980); Casulos
do silêncio (1982); Soberanas
mitologias e A cidade do medo (Anaheim, Califórnia, EUA, 1991); Luta a(r)mada (Anaheim, Califórnia, EUA,
1992); Flagrantes líricos (Buffton,
Ohio, EUA, 1993); Pluricanto — trinta
anos de poesia (1996); Canção ao
Filho do homem (1998 e 2000); Vozes
de bichos (infanto-juvenil, 2000 e 2002); Tempo de ceifar (2002); 50
poemas escolhidos pelo autor (2003); Biografia
da cidade (2005); Raízes do ser —
poemas para Aimorés (2006); Antologia
pessoal (2007); Memorial do
sobrevivente (autobiografia e poemas, 2008); e Mensagem no outono (2009), obra póstuma, entre outros.
Em prosa, publicou O horizonte e as setas (contos, em
parceria, 1967); Caminhos do amor
(contos, 1985); Entre os vivos e os
mortos (romance,1985); e Arquitetura
dos dias (contos, 2004). Adelto
Gonçalves - Brasil
__________________________________
Nós, poetas de 33, de Joanyr de
Oliveira (organizador). Brasília: Thesaurus Editora, 210 págs., R$ 40,00, 2015.
E-mail: editora@thesaurus.com.br Site: www.thesaurus.com.br
_______________________________________
Adelto Gonçalves é doutor
em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de
Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage – o perfil perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio
Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), e Direito e Justiça em
Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Sem comentários:
Enviar um comentário