“A Língua Portuguesa vai ser
preservada por razões culturais e políticas”
Não gosta do termo
lusofonia, mas é precisamente sobre o que hoje conhecemos como isso de que nos
fala Hélder Macedo, poeta, escritor, ensaísta, crítico e
investigador português. Sobre a literatura lusófona, que analisa na nossa
conversa, explica que é inteligível por toda a gente que fala português, mas
que varia consoante a cultura que a escreve. Já dizia Camões que todo o mundo é
composto por mudança e isso mesmo afirma também este poeta sobre a nossa língua
– há ainda muito a descobrir sobre a lusofonia e a China pode dar uma ajuda
nisso
É-nos
apresentado como sendo um dos grandes pensadores português, além claro de
escritor e poeta. Como analisa isto?
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Foto: Hoje Macau |
Meu Deus! Exagero ou ironia.
(risos) Como toda a gente, procuro entender as coisas na medida do possível.
Por isso, tenho muitas actividades. Por um lado sou académico, sou
universitário, escrevo ensaios. Por outro lado, sou escritor, romancista e
poeta. Aliás, comecei precisamente com poesia. Mas, quando se vive muito tempo
como eu, até agora, vai-se fazendo algumas coisas assim… o que é importante é
tentarmos relacionar as coisas umas com as outras.
E
é fácil esse relacionamento de papéis?
Depende. A pessoa nem pensa
muitas vezes que está a fazer a relação, mas está automaticamente a fazê-la.
Você, todos, faz isso também na sua vida.
Sente
que, pelo seu currículo e conhecimento, está, muitas vezes, confinado à
literatura lusófona ou à lusofonia?
Não. O que acontece é que
todos nós usamos áreas diferentes de nós próprios para as diversas actividades.
Quando procuro pensar na obra de um escritor que admiro, procuro entender as
coordenadas do que está lá escrito e tentar entender o pensamento do escritor.
Quando estou a escrever – uma ficção, por exemplo -, aí procuro imaginar mundos
possíveis, coisas alternativas. Nunca escrevo realmente sobre o que me
acontece, mas invento situações e personagens. É, no fundo, um mundo de
fantasia que a pessoa [que escreve] tenta dar uma aparência de um certo rigor.
Poesia é, no fundo, a coisa mais misteriosa, porque vem de zonas interiores.
Aí, há um momento de magia que é melhor deixar acontecer.
Podemos
dizer que tem uma certa inspiração no mundo real para as suas obras de ficção,
mas não para a poesia?
Excepto que também tem. Mas
não é uma resposta tão imediata, é mais filtrada por dentro. É mais um processo
interior.
Há
a tendência de caracterizar tudo o que seja literatura proveniente de países
falantes do português como literatura lusófona. Podemos categorizar a
literatura lusófona desta forma?
Só na medida em que a língua
é comum. Mas, são coordenadas diferentes. A Língua Portuguesa é inteligível por
toda a gente que fala português – seja em Manaus, seja em Luanda -, mas as
coordenadas são diferentes. Nessa medida, tenho uma certa hesitação ao pensar
nisso… para já, não gosto nada do termo lusófono. É horrível. Contudo, até
agora, ninguém inventou nada melhor e temos de usar isso. O que acontece é que
não há donos da língua e o que é fascinante numa língua como a portuguesa é que
pode veicular experiências e culturas totalmente diferentes umas das outras. Há
um substrato comum, evidentemente – todos nos podemos ler uns aos outros. Quem
pensar em termos literários, pensará, sei lá, num Camões, quer no Brasil, quer
em Angola, quer em Moçambique, como alguém que conseguiu, de facto, ter uma
visão do mundo extraordinária, escrevendo em Língua Portuguesa. Mas, na
realidade, há uma grande diversidade. Quando falam em literaturas africanas de
expressão portuguesa, acho que é ainda um rescaldo, uns restos, uma ressaca
colonialista. Angola é muito diferente de Moçambique. Sim senhor, há o elemento
português comum, mas, se formos ver em termos históricos, até ao século XVIII,
a capital de Moçambique era Goa e, no século XIX, Angola era controlada pelo
Brasil. Portanto, as coordenadas são diferentes.
As
raízes que dão origem à literatura escrita por esses países é, portanto,
diferente?
É diferente. Lógico que é
diferente, havendo, contudo, esse elemento comum. Aliás, isso acontece também
na língua inglesa. Há indianos que escrevem em inglês, nigerianos que escreve
em inglês… mas, isso são culturas diferentes, veiculadas pela mesma língua, por
essa língua. Esse é um aspecto fascinante das línguas – e da Língua Portuguesa
especialmente, porque é uma língua extremamente rica nisto -, que consegue
veicular culturas e experiências totalmente diferentes umas das outras.
Tinha
precisamente essa questão sobre o termo lusofonia de que falou há pouco.
Podemos ver esse termo, hoje em dia, como um produto que é vendido? Como
analisa isso?
É. Para já, tem que se dar
um nome qualquer a esse facto comum da língua e as pessoas não querem usar “a
portuguesa”, para não parecer ser uma afirmação de Portugal sobre o Brasil, a
Angola, Moçambique, etc. O que é absurdo, porque a língua é portuguesa. A
partir daí, a coisa ramificou-se. Se usarmos, mais uma vez, o exemplo dos
ingleses, podemos ver que a língua que é falada é a língua inglesa – ‘the
english language’ – e aceita-se como tal. Mas, os portugueses preocupam-se
muito com essa ideia de que falei e, então, vão buscar esse patético termo
‘luso’ – que mitologicamente, até era simpático, porque Luso era o protegido ou
filho de Baco, de modo que era óptimo para ir para os copos -, mas é um termo
absurdo, que ninguém entende realmente o que significa. É um termo.
E
se pudesse dar-lhe outro nome? Já pensou nisso?
Já tentei pensar nisso, mas
ainda não consegui, sinceramente. Teria que ser Língua Portuguesa.
É
a primeira vez que está em Macau. Já teve tempo para “analisar” a cidade?
Dei um passeio maravilhoso
hoje [segunda-feira]. Andei pelo centro da cidade, fui ver as coisas habituais.
Apercebeu-se
do uso da Língua Portuguesa?
Sim, sim. Bom, o que acho
extraordinário é que todas as ruas têm os nomes em português e, depois, parece
que algumas, quando é transliterado para chinês, reproduzem o som. Os edifícios
públicos têm todos também as legendas em português, mas ninguém fala português
na rua.
Vinha
com essa esperança, de ouvir falar português, uma vez que é a ideia que ainda
se tem de Macau?
Não. Sabia que pouca gente
falava português, mas pensei, por exemplo, que os funcionários da alfândega,
dos passaportes, falassem algum português. Mas, não. É-lhes mais fácil falar
inglês do que português.
Vem
a Macau dar uma palestra sobre ‘Portugal e Cultura Lusófona no mundo
contemporâneo’. Podemos dizer que há uma perda de identidade da literatura e da
cultura portuguesa e lusófona nestes tempos mais modernos?
Todas as culturas –
sobretudo as europeias – têm inter-penetrações de toda a ordem. Uma coisa que
acontece que é perigoso para culturas como a portuguesa é que há o domínio das
culturas anglo-saxónicas. O que acontece é que a importância cultural vai-se
deparar com a importância económica e a política. Há a criação de uma espécie
de mesmismo universal, em que toda a gente – mais ou menos – tem coordenadas
anglo-saxónicas e pode perder as suas coordenadas nacionais ou, pelo menos,
deixá-las ficar um bocado diluídas. Ora, isso é perigosíssimo porque é a
especificidade das culturas. Nós, de Língua Portuguesa, de maneira geral, temos
a vantagem de conseguir compreender outras línguas. Ler inglês ou francês… os de
língua inglesa, não. De modo que, para eles, o universo acontece em inglês e
perdem a noção da diferença e da variedade. Curiosamente, as culturas como a
portuguesa enriquecem-se com a globalização cultural. Mas, as culturas
dominantes da globalização empobrecem, porque não notam a diferença.
Podemos
dizer que há um país lusófono, falante do português, que preserve melhor a
Língua Portuguesa, entre todos os existentes?
Não se pode generalizar.
Bem, o país em que mais se fala português é o Brasil, mas as diferenças – tanto
de léxico, como de pronúncia – dentro do Brasil são imensas, enormes. Entre o
português que se fala no Rio Grande do Sul e o que se fala em Pernambuco, por
exemplo, é uma diferença maior do que o português que se fala em Lisboa e São
Paulo. Portanto, há essa imensa diversidade. Há áreas do Brasil onde se fala um
português muito bom. As línguas evoluem. Não há pureza de língua. O que a
pessoa tem é de entender a especificidade das línguas, ter consciência das
raízes linguísticas, mas não usar essas coisas como coletes-de-forças. As
línguas têm de evoluir e têm de mudar.
Isso
não faz com que se possa perder a lusofonia?
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Foto: Hoje Macau |
Não, de forma nenhuma. Até
devido, precisamente, ao poder económico que o Brasil tem cada vez mais. De
momento, é através do Brasil que o português se está a tornar numa língua
universal. Tempo houve, que foi através de Portugal, devido ao seu passado
colonial. Actualmente, em termos diferentes porque são termos económicos, o
Brasil é dominante. E, sei lá, se Angola e Moçambique vierem a ter o futuro que
a gente deseja, a língua vai ser preservada também por razões culturais e
políticas através dos africanos.
Ainda
há muito a descobrir sobre a lusofonia e a cultura lusófona?
Imenso a descobrir. Por
exemplo, o que vai acontecer quando a China desenvolver o seu programa de
cultura portuguesa. Os chineses estão a investir imenso na Língua Portuguesa
por causa do Brasil, de África, da globalização. Mas, por outro lado, no estilo
muito rigoroso que parece que têm, querem aprender a norma europeia,
essencialmente. Quando um país como a China adoptar como um dos seus
instrumentos de expansão económica e cultural a Língua Portuguesa, isso vai dar
uma outra dimensão [à língua e cultura portuguesas]. Será extremamente
interessante, porque, como o chinês não é tão acessível, em termos de mercados,
como o inglês é, eles terão de diversificar as suas abordagens e isso é uma
coisa fascinante e que contrasta, para mim, com o que acontece na Índia. Os
indianos adoptaram como língua nacional a língua colonial inglesa, que não era
a deles, e baniram, por exemplo em Goa, o uso do português. O que é uma coisa
idiótica. Por um lado, andam a chular a herança cultural portuguesa – as
igrejas, aquelas coisas todas – e não investem na Língua Portuguesa.
E
a China está a fazer esse investimento.
Está a fazer o oposto, sim.
O que é, quanto a mim, muito mais inteligente e muito mais interessante.
Em
Inglaterra, onde ensinava, dava aulas sobre a lusofonia?
Sim. Fui o professor
catedrático – com o título Camões Professor – no departamento de estudos
portugueses do King’s College.
Como
é que a língua inglesa reage a esta cultura portuguesa?
Depende. As pessoas mais
cultas têm uma certa noção de algumas coisas. Mas os ingleses lêem muito pouco
autores de outras línguas. Eles publicam nigerianos, paquistaneses, americanos…
tudo em inglês. Traduz-se muito pouco para inglês. Portanto, só os ingleses
mais cultos é que têm noção de outras literaturas existentes noutras culturas.
Alguns autores, sim, como Fernando Pessoa – muito -, o José Saramago – mesmo
antes do Nobel – era muito lido, mas há uma pequena, muito pequena, penetração.
Joana Freitas – Macau in “Hoje
Macau”
Hélder
Macedo nasceu na África do Sul em 1935 e, além de escritor e
poeta, é tido como um dos grandes pensadores portugueses. Passou a infância em
Moçambique e, 1948, foi para Lisboa, onde estudou Direito. Devido à sua
oposição ao regime, exilou-se em Londres onde, entre 1960 e 1971, foi
colaborador regular da BBC. Após o 25 de Abril regressou a Portugal tendo
Secretário de Estado da Cultura. Regressou a Inglaterra, onde foi professor
titular da cátedra Camões, função que acumulou com a de director do
departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, do King’s College, até 1991.
A convite do Instituto
Politécnico de Macau e do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa
da instituição, Hélder Macedo esteve em Macau para dar uma palestra sobre “O
Português e a Cultura Lusófona no Mundo Contemporâneo”. Participou ainda como
júri do concurso de declamação de poesia do IPM.