É
um hábito arraigado entre brasileiros atribuir a outros a culpa pelos próprios
males. Se se pode atribuir sentimentos a entes coletivos, esse é também um
hábito da Nação brasileira, pois estamos sempre procurando encontrar nas outras
nações a origem dos nossos fracassos. É o que está por trás da noção de opção
“equivocada” pelo modal rodoviário que o Brasil fez ao tempo do governo
Juscelino Kubitschek (1956-1961), que teria-se deixado levar pelos interesses
da indústria automobilística norte-americana.
Naquele
tempo, é certo, o Brasil precisava abrir rodovias para desbravar o seu
território, o que aceleraria o crescimento das montadoras de automóveis e
caminhões. Mais que isso: o País precisava crescer. Mas daí a concluir que o
sucateamento da rede ferroviária e dos portos e aeroportos tenha-se dado, de
maneira proposital, para favorecer interesses norte-americanos é um exagero.
Ora, isso se deu por culpa mesmo de administradores públicos mequetrefes ou
porque poucos foram os presidentes da República que desde então tiveram visão
de estadista.
Também
não se pode dizer que portos e aeroportos tenham sido sucateados porque isso
pressupõe que, algum dia, estiveram dentro de padrões de Primeiro Mundo. Já o
modal ferroviário – pelo menos no Estado de São Paulo – funcionou bem à época
dourada da produção do café, como ainda se pode perceber pelas antigas estações
que viraram centros culturais.
Deficiente
como tudo que funciona nas mãos do Estado, o modal ferroviário foi desativado
por incompetência administrativa mesmo. Nem se pode dizer que, na década de
1970, ninguém poderia imaginar que haveria pela frente a revolução do
contêiner. Criado ao final da década de 1930, desde a década de 1950, o
contêiner passou a ser utilizado em larga escala nos Estados Unidos, a ponto de
hoje ser responsável por 95% das cargas gerais transportadas em navios pelo
mundo.
Pois
bem. Optamos pelo modal rodoviário como condutor do desenvolvimento e acabamos
reféns das crises do petróleo. Mas tampouco desenvolvemos uma rede viária nas
proporções que o País precisa – ainda hoje constitui uma aventura viajar por
terra de Cuiabá-MT a Santarém-PA ou trafegar na Transamazônica ou chegar a
Roraima sem passar por sobressaltos.
O
novo modal rodoviário chegou a uma situação tão caótica que governantes de
mentalidade estatizante viram-se obrigados a privatizá-lo, com mais um ônus
para a sociedade que é a cobrança de pedágios, já que a taxação dos demais impostos
não foi reduzida. Resultado: sair do Interior paulista em direção ao Porto de
Santos significa passar por cinco ou seis pedágios, o que contribui
decisivamente para que o preço do transporte rodoviário seja de 25 a 40% mais
caro do que para outros portos do País, como mostrou recente estudo do grupo
Maersk.
Por
que não se opta, então, por outros portos?, perguntaria, por certo, o
conselheiro Acácio. Ora, é que, apesar de tudo, o Porto de Santos ainda é o
mais eficiente e mais bem aparelhado de que dispomos, embora lá um contêiner
demore 21 dias para ser liberado, enquanto em Roterdã, na Holanda, a média é de
dois dias.
Para
piorar, o Brasil está entre os piores do mundo em termos de serviços
alfandegários. Basta ver que ocupa a 123ª posição no ranking com 185 países do Ease of Doing Business Index do Banco
Mundial, de 2013, que leva em conta tempo, custo e documentação para a exportação ou importação.
Obviamente,
nada disso pode ser atribuído a um plano maquiavélico de estrangeiros para nos
condenar ao atraso eterno. Por isso, está na hora de assumirmos a
responsabilidade por nossos próprios erros. A partir daí, ficará mais fácil
definir o modelo de país que queremos construir e deixar para as próximas
gerações. Mauro Dias - Brasil
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Mauro Lourenço
Dias, engenheiro eletrônico, é vice-presidente da Fiorde Logística
Internacional, de São Paulo-SP, e professor de pós-graduação em Transportes e
Logística no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). E-mail: fiorde@fiorde.com.br Site: www.fiorde.com.br
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