Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Heróis

 
Heróis e história
 
Velha questão: são os homens providenciais que fazem a História ou é a História que os providencia? Estou pensando no Mandela. Ele sem dúvida fez história, mas o apartheid teria se mantido mesmo sem a resistência dramatizada na sua prisão e no seu sacrifício? Provavelmente não. Martin Luther King simbolizou a luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, empolgou e inspirou muita gente, mas a injustiça flagrante da segregação racial estaria condenada mesmo sem seus discursos e seu exemplo. Frequentei uma "high school" americana durante três anos e todos os dias, antes de começarem as aulas, botava a mão sobre o coração e prometia lealdade à bandeira aos Estados Unidos da América e à republica que ela representava, com liberdade e justiça para todos, e certamente não era só eu que completava, em silêncio, o juramento: "...exceto para os negros". Durante anos a democracia americana conviveu com imagens de discriminação racista, linchamentos e outra violência contra negros no sul do país. Variava apenas o grau de consciência em cada um da hipocrisia desta convivência cega. O que Martin Luther King fez foi tornar a consciência universal e a hipocrisia visível, e insuportável. Mas a justiça para todos viria - ou virá, ou tomara que venha, numa América ainda dividida pela questão racial, como mostra a revolta pela absolvição recente do assassino daquele garoto negro na Flórida - mesmo sem a sua retórica.
 
Gandhi liderou o movimento de resistência pacífica que ajudou a liberar a India do domínio inglês. Há figuras como Gandhi - mais ou menos pacíficas - em quase todas as histórias de liberação do jugo colonialista. Mas por mais atraente que seja a ideia de heróis emancipadores derrotando impérios, a verdade é que eles serviram uma inevitabilidade histórica, independente da sua bravura, do seu discurso ou, como Gandhi, do seu apelo espiritual. O poder da História de fazer acontecer o necessário, à revelia da iniciativa humana, soa como ortodoxia marxista, eu sei, mas consolemo-nos com a ideia de que a História pode nos ignorar, mas está do nosso lado.
 
E dito tudo isto é preciso dizer que poucas coisas na vida me emocionaram tanto quanto a aparição do Mandela antes do jogo final da Copa do Mundo na África do Sul, ovacionado pela multidão. Consequente ou não, ali estava um herói. Luís Veríssimo – Brasil in “O Estado de São Paulo”


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