É um acontecimento importante
para a cultura angolana, acreditem. Hoje sai o novo disco do Nástio Mosquito.
“Gatuno, EImigrante & Pai de Família” é o álbum sucessor de “Se eu fosse
angolano – S.E.F.A.” (2014), e constitui a segunda peça de uma trilogia que
vai-se fechar num terceiro, que se chamará “Funcionalidade Espiritual” ou
“Espiritualidade Funcional”.
Primeiramente, fã me declaro.
Mas o que acontece em “Gatuno, EImigrante & Pai de Família” é de uma
intensidade poética e musical que coloca ao Nástio num outro patamar, como
fazedor de canções, como cantor que redescobre a sua voz, como músico que também
é, entre os vários papéis e personagens que veste e despe, sempre sem medo.
O som da banda que o
acompanha, formada por Ndu (percussão), João Gomes (teclado) e Hugo Antunes
(contrabaixo), chega-nos compacto, como uma massa sonora que se mexe entre o
jazz, os ritmos angolanos, o soul, o rock psicandélico e outras etiquetas que
só servem para confundir. Porque acredito mesmo que existe aqui algo de
singular, que faz deste trabalho um álbum de culto. Um novo clássico.
O nosso Ndu, um músico
fantástico, assegura uma paisagem rítmica do mais rico e completo que há, sem
nunca soar fora do lugar, casando na perfeição com a cadência da voz do Nástio
e com a forma com que ele diz as palavras. É a raiz, o cordão umbilical com a
terra batida. Hugo Antunes faz um trabalho exemplar no contrabaixo, levando as
músicas para uma atmosfera expansiva, abrindo espaços verdadeiramente
surpreendentes, em groove e em harmonia. João Gomes chega com os seus teclados
e pianos, como se viesse de um túnel do tempo, como um vinil antigo, de som
fumado, negro e às vezes psicadélico.
Depois há a voz do Nástio. E
há uma nova voz do Nástio em “Gatuno, EImigrante & Pai de Família”, mais
profunda, mais honesta, mais de dentro, com uma melancolia intimamente bela e
simples. Arrisco-me a dizer que há menos personagem e mais dele nestas canções
e esse movimento vem sem hesitação, como aquilo que é preciso e necessário.
As letras, quase todas
escritas num dialecto particular do inglês, são uma reflexão sobre questões de
identidade, à semelhança do “S.E.F.A.”, mas dando um passo adiante, sobre a
idade do tempo, sobre a fé, sobre o poder, sobre o verbo “ser”. Muitas vezes
ouvimos a voz de um homem negro à procura de si, do seu lugar noutras
geografias, o tal “eimigrante”, deslocado, fragmentado, confuso. Outras vezes
ouvimos o personagem que já conhecemos: irónico, crente, descrente, desapegado,
apegado, louco, politizado, ousado, o “gatuno”.
Mas onde o Nástio nos prende
neste disco é com essa voz melancólica, que chega a ser sentimental, frágil e
humanizada, o tal “pai de família”. Esse é, para mim, o universo mais revelador
deste disco.
Assim começa, com o acorde
inicial de “Bloody kind of love”, abrindo uma janela íntima onde a voz do
cantor aparece pungente e dolida e redentora. “Encosta na parede” aprofunda a
proposta e acho mesmo que estas duas canções de abertura são as minhas
favoritas.
Todas as letras são ricas,
cheias de significados, do início ao fim. E no meio de tudo isto, ainda
queremos cantar com ele os coros, que ficam na rádio-cabeça. Queremos chamar
juntos pelo “Hilário”, dançar com ele, mergulhar na doçura de “The age I don’t
remember”, meio Leonard Cohen, com uma homenagem escondida ao André Mingas,
lembrando o verso: “deixa esse vinho fermentar, virar licor”.
É disso mesmo que se trata. Um
vinho velho. Uma nova idade. Um outro olhar. Uma voz mais grave ainda. E uma
obra que é um novo clássico.
Queremos mais deste Nástio.
Mais e mais. Aline Frazão – Angola in “Rede
Angola”
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