Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Galiza - Entrevista à poeta moçambicana Hirondina Joshua

- Palavra Comum: Que representa para ti a literatura?

Hirondina Joshua
- Hirondina Joshua: Não sei responder. A história literária e a teoria literária têm tentado responder essa questão secular. Hoje, até na literatura, os gêneros fundem-se, tal como a literatura baseada em reportagem real de um acontecimento. No cinema o registo documental mescla-se com a ficção.

Julgo que deve ter sido esta linha de ideia que levou o Nobel deste ano, de entender a literatura como algo amplo.

Sinceramente, senti o prémio como uma traição à literatura, visto Dylan ser essencialmente um músico e letrista com muita pouca obra publicada tanto em poesia como ficção. Se fosse um prémio de Artes estaria bem. No entanto esta opinião em nada diminui a importância de Bob Dylan num contexto mais amplo, social até.

- Palavra Comum: Que conheces da Galiza e das suas relações com a Lusofonia?

- Hirondina Joshua: De Galiza conheço pouco, tenho conhecimento que as línguas faladas são o galego e o espanhol. Um amigo galego disse-me que gostam muito de sardinha.

- Palavra Comum: Como entendes -e practicas, no teu caso- o processo de criação literária?

- Hirondina Joshua: É um processo despropositado, sendo natural não se apercebe como se cria, é espontâneo. A leitura da substância do mundo, o olho com que pomos a essência das coisas é algo que nos ultrapassa.

- Palavra Comum: Qual consideras que é -ou deveria ser- a relação entre as artes entre si (poesia, plástica, fotografia, etc.)? Como é a tua experiência nestas (inter)relações?

- Hirondina Joshua: Muito interessante esta pergunta porque a primeira ideia que aparece é aquela questão que não nos deixa em paz: “O que é Poesia?”
Não me atrevo a definir. Vou dizer apenas que poesia tem a ver com a visão da alma. Uma pedra ou uma casa podem vistas sob várias perspectivas. A metafísica, a essência das coisas, cobrem o espaço e a substância. Nesta linha de pensamento, as artes plásticas, a fotografia, etc., são poesia.

A relação entre estas artes é intrínseca, independente e autónoma de qualquer vontade humana, ela é uma conversa natural.

Já trabalhei com um amigo, João Timane, e já trabalhamos juntos em mais ou menos 3 telas e gostei da experiência, apercebi-me que a poesia é uma coisa que anda em tudo, está em tudo.

Gosto de ser fotografada (risos), apesar disso ser muito suspeito simpatizo-me com o resultado. Vou trabalhar com um fotógrafo desta vez não para fazer fotografia, para escrever fotografia.

- Palavra Comum: Quais são os teus referentes criativos (num sentido amplo)?

- Hirondina Joshua: Alguns dos livros que gostei de ler:

“O gato e o escuro” – Mia Couto
“Elogio da loucura” – Erasmo de Roterdão
“Neighbours” – Lília Momplé
“Conto Homônimo: o Ovo e a Galinha” – Clarice Lispector
“Niketche” – Paulina Chiziane
“Paraísos artificiais” – Charles Baudelaire
“Xicandarinha na lenha do mundo” – Calane da Silva
“As Ondas” – Virginia Woolf
“Ualalapi” – Ungulani Ba Ka Khosa
“Uma Faca nos Dentes” – António José Forte
“Ácia, O Primeiro Amor, Águas Primaveris” – Ivan Turguenev

- Palavra Comum: Que vínculos achas entre Arte(s) e Vida?

- Hirondina Joshua: Bem, arte é criação, ainda que dentro de uma outra criação. Vida é também uma criação a meu ver particular, e inconsciente mesmo que indirectamente copiemos os outros.

Entre Arte e Vida há um elemento comum que é o desafio, não o de sermos superiores aos outros mas de sermos superiores ao outro, o que mora em nós.

O difícil não é escrever poesia ou trabalhar em qualquer arte, mas incorporar isso no nosso modo de ser, ser o poema em cada instante, o poema constante que escrevemos no sangue.

Viver com fidelidade é para mim o maior desafio, tanto a arte quanto a vida possuem. Por outro lado, a arte é uma idiossincrasia implícita, é ambígua e, essa ambiguidade resulta do facto do receptor poder se apartar de uma realidade para outra.

Tanto a vida assim como a arte têm o factor surpresa. Nunca ninguém chega a saber efectivamente o que vai acontecer ao longo da história, nem mesmo o que realmente houve em tempo posterior. Ou num poema o que é será isso mesmo? A ilusão, como tão bem referiu Lavoisier, “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Não existe verdade. Aquilo que se julga ser é e não é. Não por erro mas pela própria natureza das coisas. A possibilidade e o mistério fazem surgir o movimento. A cortina é o fio de sedução. Ouso dizer que arte é coisa de outro mundo mas neste mundo. Então essa relação intrínseca com a vida. Seria assim: quem nasceu primeiro, a arte ou a vida?

- Palavra Comum: Que projectos tens e quais gostarias chegar a desenvolver? Fala-nos, mais em concreto, de Os Ângulos da Casa…

- Hirondina Joshua: Gostava de num futuro muito breve trabalhar com crianças. Nesta grande luta que o meu país tem de incentivar a leitura e a escrita, quero contribuir.

Acredito que do mesmo modo que se dá uma escova a uma criança para ela aprender a escovar os dentes, pode-se dar um livro. E esta mesma criança vai crescer olhando o livro não como uma chatice mas como um companheiro, para além de que terá a oportunidade a meu ver, de crescer, ser adulto e nunca deixar de ser criança. Apesar de viver dentro de um mundo convencional, ela vai ser muito própria. Ramiro Torres – Galiza in “Palavra Comum”


Os Ângulos da Casa – é uma casa metafísica.

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Hirondina Joshua – Nasceu em Maputo, Moçambique, a 31 de Maio de 1987. Está integrada em várias antologias. É colabora de várias revistas, jornais, sítios, blogues, nacionais e internacionais. Foi distinguida com a menção extraordinária no Premio Mondiale di Poesia Nosside edição 2014


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Ramiro Torres nasceu na Corunha no 1973 e estudou Graduado Social. Tem publicado poemas na revista 'Poseidónia' e 'Agália', assim como nos blogues 'A fábrica' e 'A fábrica da preguiça'. Inaugurou as edições do Grupo Surrealista Galego com o seu livro "Esplendor Arcano".

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