Em uma época em que palavras
mal colocadas, expressões em sentidos não unívocos podem causar estragos, à
depender do objeto e dos sujeitos ativo e passivo, o estrago pode ser maior, e
até imensurável se atentarmos contra uma ferida secular que não cicatriza.
O ministro Luís Roberto
Barroso pediu desculpas públicas por ter chamado o ex-presidente do Supremo
Tribunal Federal Joaquim Barbosa de "negro de primeira linha" em
discurso durante cerimônia que participavam com o fito de eternizar Joaquim Barbosa
como mais um dos notáveis presidentes do STF. Sobre o caso seremos breve.
Este é um problema histórico
do Brasil, diferentemente de outras soberanias em que o racismo se faz às
escâncaras. Por aqui ele está em camadas tão profundas, que o racista não se vê
como racista. Quando se sabe contra quem está lutando, a briga se torna mais
justa, o problema é quando se tem um preconceito velado, escondido até mesmo de
seus próprios detentores.
Existe por aqui o racismo para
muitos compreendidos na forma de politicamente correto, de boa-fé, utilizado em
tons figurativos e camuflados: “esse é um preto de alma branca”, “é pretinho,
mas é gente boa”, “que negra bonita!”. É este que alimenta esta cultura de alma
discriminatória que apenas, quando muito, tolera as diferenças por imposição,
mas em seu âmago enxerga-se como pertencente a uma linhagem superior. Chegamos
a compreender de forma "elogiosa" a expressão: "esse é um negro
de alma branca". Essas disfunções vocabulares não se sustentam sob pálio
da isonomia inserida em um Estado Democrático de Direito.
O Brasil é um país de cultura
escravocrata e com grande miscigenação de raças, fatores estes que contribuíram
para a existência de diversidades de culturas, valores e crenças. Somando-se a
isso encontramos as desigualdades oriundas dos vários anos de exploração
econômica do proletariado, aos mais de 350 anos de escravidão negra e da
subseqüente abolição sem a acolhida no mercado de trabalho dos negros e sem que
fossem propiciadas as condições mínimas para eles subsistissem; além das
desigualdades relativas às mulheres, aos idosos e às crianças, que também foram
oprimidos durante a longa conquista da cidadania no Brasil.
Racismo é a ideologia que
postula a existência de hierarquia entre grupos humanos, que no caso em tela
pode ser traduzida na pretensão da existência de uma certa hierarquia entre
negros e brancos. O racismo é a doutrina que sustenta a superioridade de certas
raças, podendo representar ainda o preconceito ou discriminação em relação a
indivíduos considerados de outras raças.
O racismo é crime inafiançável
e imprescritível segundo o art. 5º inciso XLII da Constituição Federal, o qual
ganhou efetividade através das leis nºs. 7.716/89 e 9.459/97 e do livre acesso
à justiça assegurado constitucionalmente, bem como da assistência judiciária
gratuita.
Um Ministro do Supremo mais do
que ninguém precisa mensurar sua palavras que indubitavelmente referendam
paradigmas sociais na direção de mundo ideal, ainda que minimamente na busca
dos valores constitucionais na ordem da dignidade da pessoa humana e de todos
os seus consectários principiológicos.
Nem sempre um pedido público
de desculpas é capaz de fazer da ferida uma flor, mas que nos sirva de exemplo
para atentarmos em direção a premente necessidade de introspectarmos as
diferenças e passarmos a enxergá-las como nossas, no melhor sentido de
pertencimento.
Difícil imaginarmos inseridos
em um Estado Democrático de Direito que ainda carregas estas escaras aos 4
ventos e do modo subcutâneo, nas entranhas.
Ao Ministro despiciendo seria
rememorá-lo, porém é sempre bom dialogarmos com a sociedade nossa
"Constituição Cidadã" - CRFB/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade (...). Leonardo Sarmento
– Brasil in “Jusbrasil”
Leonardo
Sarmento - Professor constitucionalista, consultor
jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de
diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público,
Processual Civil, Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela
FGV. Autor de 3 obras jurídicas e algumas centenas de artigos publicados. Nossa
última obra (2015) de mais de 1000 páginas intitulada "Controle de
Constitucionalidades e Temáticas Afins", Lumen Juris.
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