Os Factos da
Quinzena
1º Facto: A Europa e os fait-divers
Fala-se muito da falta de
liderança à altura dos problemas da actualidade, na Europa e no mundo
ocidental, de forma geral. Sendo certo que esta é uma situação real, perante a
desadaptação dos valores estabelecidos no Século das Luzes, diante dos últimos
desenvolvimentos mundiais, há africanos para quem esta realidade alegadamente
exógena ao chamado “continente negro” não se apresenta com qualquer relevância
para nós. Não é o meu caso, hoje, quando encontro não despiciendas ligações com
a Europa e o Ocidente em geral, tecidas pela História, aquando da realização do
fenómeno colonial que gerou a tão acidentada e impactante constituição do
Estado-nação moderno africano. Além do mais, quem pode hoje negar que a Europa
e o mundo ocidental em geral, autores das ideias geniais da criação das Nações
Unidas e da União Europeia e cuja cultura e idiossincrasia mais influenciam o
resto do mundo, têm uma grande responsabilidade sobre os destinos da Humanidade?
Peguemos apenas em dois exemplos, como a expansão e influência do Cristianismo
no Mundo ou as consequências da primeira e segunda guerras mundiais que não
foram mais do que extensões de meros conflitos intra-europeus. E um dos
aspectos que me confrange, nesta falta de emergência de uma liderança num
Ocidente actualizado é justamente a incapacidade de manter a rememoração das
consequências das guerras mundiais e de toda uma axiologia construída e
positivada para evitar nem que sejam formas próximas daquelas duas hecatombes.
Vem essa lucubração a propósito de propalado engajamento do parlamento francês
na aprovação de uma lei que punirá clientes da chamada “mais antiga profissão
do mundo”. Não é algo consabidamente tão difícil de controlar (até porque do
foro pessoal) um autêntico fait-divers, perante os problemas europeus e
mundiais em que a França devia despender mais energias, como o terrorismo, o
acolhimento de emigrantes, as questões ambientais, etc. etc.? A menos que não
se trate, tal como se lê e ouve, de actos voluntários de fornecedores e
beneficiários de “tal serviço”. Mas, valha isso, já não tenho por fait-divers –
pelo contrário, um acto oportuno de luta pela emancipação feminina, em país tão
avançado quanto preservador de traições seculares – que uma jovem britânica de
nome Nicola Thorp tenha levado uma agência que a contratou, por dias, como
recepcionista, a abandonar uma regra local que obrigava as senhoras a usar
sapatos altos, ao lado dos homens que podiam usar o que lhes apetecesse; e não
contente vai agora lutar para que o mesmo aconteça com a obrigação das mulheres
terem que ser sujeitas a um make-up,
mesmo que o não desejem.
2º Facto: A Europa e o “padre do saco”
Sem querer “ensinar o padre a
rezar a missa”, penso francamente que a Igreja Católica de Angola, que se
honrou, recentemente, com a emissão de uma corajosa comunicação, contra as
iniquidades do nosso regime político, com consequências drásticas sobre o nosso
tecido ético-moral, económico e social, não deveria permitir que padres como o actual
director da Rádio Eclésia (RE), ocupem funções tão responsavelmente educativas
como essa. A sua contribuição na solidificação do sistema vem de longe,
bastando lembrar que foi abertamente citado, numa edição do Jornal de Angola,
como beneficiário de imóvel, por sua participação na campanha eleitoral do
partido ganhador. Este padre que chama de “frustrados” a cidadãos discordantes
do sistema, devendo, com certeza, saltitar de júbilo quando alguns deles são
enfiados em calaboiços por pura tentativa de exercício dos seus direitos e
liberdades consagradas na Constituição, não se ocupa, aparentemente, de ajudar
a Igreja a ganhar, junto do Estado, tomado por uma minoria de arrogantes
dignitários, a batalha de levar as emissões da RE a todo o país, e a libertá-la
da sua vergonhosa tutela censória. Longamente tolerada a sua permanência em tão
estratégico assento para a missão da Igreja, ora corajosamente dirigida pelo
Papa Francisco, chega ao extremo de juntar-se às vozes que apregoam a
existência de uma inexistente “conspiração externa contra Angola”. Será que o
“saco” é tão grande que tão inteligente e sábio, o Sr. Padre não vê a
conspiração interna feita pelos fornecedores de sacos contra a verdadeira
reconciliação dos angolanos, de Cabinda ao Cunene?
3º Facto – “Já viram uma coisa dessas?”
O maior diamante de Angola
brilha nas mãos da filha e genro do Presidente, que o exibem pela Europa
adentro. São dessas coisas que a Europa, francamente, devia evitar. Mas não.
Ela dança connosco a euforia com que nós, elite política africana, brincamos com
os espólios que tomamos dos nossos próprios povos, de forma tão ostensiva. Dos
Santos mesmo o disse: se eles mesmo o fizeram durante a colonização, por que
nós, no poder, hoje, não o podemos fazer? Quer dizer, fazer a acumulação
primitiva, à custa das riquezas do Estado angolano e do sofrimento do povo? Já
disse várias vezes como isso, dito dessa maneira, me choca, por mais que não me
considere santo. Este exagero é claramente insultuoso, especialmente, no
momento em que, em tempo de paz, tragédias acontecem em nossos hospitais,
bairros e aldeias. E se pensarmos, sem populismos, no que se passa com as
populações das terras de onde esses diamantes são arrancados? Aqui em Lisboa,
pessoas que continuam a pensar que tenho alguma ligação com o poder e que, entre
muitas, não pensam que é este o desprezo que merecem os africanos, pelos seus
próprios líderes, perguntam-me: mas os senhores não têm medo? Eu digo “bom medo
eu não tenho; fiz as minhas contas com a História e, sobretudo, não me canso de
deixar minhas propostas para que possamos passar para outra fase”. Hoje já
quase ninguém mais se admira das riquezas acumuladas pela família presidencial,
especialmente, depois da paz de 2002. Tornou-se habitual. Chocante é que não se
para na imaginação de exibi-las, tão ostensivamente, dentro e fora das
fronteiras nacionais, perante as dificuldades da maioria. É caso para repetir a
exclamação do locutor inglês que ao ver um golo extraordinário de Eusébio, no
Mundial de 66 gritou:
“Have you ever seen anything
like that!?”
4º Facto - Valor estruturante das constituições
luso-africanas?
É a aproximada designação de
uma conferência a que assisti, na Universidade Lusófona de Lisboa a que me
limito a acrescentar um ponto de interrogação. O primeiro orador foi o Doutor
José Carlos Fonseca, Presidente da República de Cabo Verde, demonstrando toda a
sua humildade ao juntar-se àquela plebe que éramos nós. Falou das vantagens do
sistema semi-presidencial pela sua flexibilidade, e daí, segundo ele, as coisas
correrem tão minimamente bem nas ilhas da “morabeza”. Não haveria tempo para
discordar ou dar alguma achega à tese daquela eminente personalidade porque,
entretanto, apesar de contrariado, os pesados deveres da alta magistratura o
chamaram mais cedo do que era desejável. O que eu queria mesmo era esgrimir-lhe
a minha tese de que pouco depende da formalidade das constituições
presidenciais, semi-presidenciais ou parlamentares se não houver cultura e
vontades que as imponham, o que é quase todos dias demonstrado em países da
África continental. Quem, coincidentemente laborou na esteira da minha tese foi
o Professor Kaft Kosta, que com o exemplo da revoltante situação actual da
Guiné Bissau, seu país, acabou por contrariar, sem o querer, a tese geral do
primeiro orador: perante um sistema igualmente semi-presidencial, um presidente
invade, à vista impotente de todos, o resto do poder executivo que ao governo
do partido eleito pertence, invade o poder legislativo e invade o poder
judicial, tudo num aparente esquema de compra de consciências. O Professor
(português) Pedro Bacelar, como não se podia esperar – na Europa o conteúdo da
“constituição formal quase coincide com a sua aplicação prática – limitou-se a
falar teoricamente dos princípios e valores constitucionais o que se apresenta
academicamente muito belo e utópico quando se transporta para a realidade
africana. Por isso, quando alguém da plateia manifestou o seu espanto por não
se ter falado do caso de Angola, onde o processo das invasões da parte do presidente
aos restantes poderes está praticamente no fim, o ilustre professor adiantou-se
a responder que Angola tinha uma situação complexa porque vive uma transição da
guerra para a paz. Não havia ninguém na mesa para contrariar. Nem eu o podia
fazer, para dizer ao Professor que a transição constitucional que se faz em
Angola, partindo da constituinte de 1991/2 não é para uma república democrática
de direito que todos desejaram mas, para uma “monarquia absolutista”, com rosto
republicano. O tempo é cruel. A conferência, dirigida pelo meu amigo Jorge
Gonçalves estava no fim. Mas sempre tinha valido a pena porque o debate é mãe
do progresso.
5º Facto: Os debates em e sobre Angola
Mas o debate só será mãe do
progresso se for debatido o essencial. Continua a preocupa-me que nos debates
sobre questões angolanas, tanto dentro como fora do país, se procure sempre
escamotear o essencial, aparentemente, para não ferir susceptibilidades. Não
será a razão daquela apressada conclusão do Professor Bacelar? Mas dentro do
próprio país a situação é mais confrangedora, porque, aparentemente, tudo
comandado a partir de alguma platónica caverna. Agora mesmo acabei de ver a
forma como uma bela jornalista, acompanhado por outro tanto belo jornalista,
ganharam a batalha da elaboração de um conjunto de perguntas desviantes do
essencial, ao presidente do maior partido da oposição, comportando-se como
autênticos inquiridores do partido no poder.
6º Facto: Liberdade sobreveio para Marcos Mavungo
Será que esses debates em que
nunca se questionam as responsabilidades de quem tão mal manda não fazem parte
de mero exercício para quebrar tensões antes provocadas? Será que não é disso
que resultou a “salvação do Dr Marcos Mavungo? Seja como for, há que rejubilar.
Marcolino Moco – Angola in “Moco
Produções”
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Marcolino
José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a
19 de Julho de 1953. Licenciado em Direito e mestre em Ciências
Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências
Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente
Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro
de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo
da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000.
Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e
1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.
Marcolino
Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito
Marcolino
Moco International Consulting
www.marcolinomoco.com
Avenida de
Portugal, Torre Zimbo. Nº 704, 7º andar
Tel:
930181351/ 921428951/ 923666196
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Angola
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