Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Braga Horta e o tempo do homem

I

Houve um tempo em que o Brasil e os países da América Latina viviam irremediavelmente de costas um para o outro, não só nos negócios como nas artes, talvez como herança da época colonial em que Portugal vivia aflito diante de uma sempre iminente invasão espanhola e a possibilidade de virar uma Galiza. Aliás, esse medo atravessou os séculos e chegou até o Oitocentos, como se percebe pelo conto inacabado, “A catástrofe”, ou o projeto de romance que Eça de Queiros (1845-1900) deixou, “A Batalha do Caia”, obra nunca concluída, mas que Mário Cláudio (1941) aproveitou para construir As Batalhas do Caia, ficção que, de certo modo, constitui uma biografia dos últimos 22 anos de vida do romancista e abrange o período em que este viveu na Inglaterra e na França como diplomata. Como se sabe, o argumento de Eça partia da invasão de Portugal pela Espanha e a sua humilhação como nação secular.

Esse tempo, porém, já se foi. E, nos últimos anos, cada vez mais, o que se vê é uma aproximação entre brasileiros e os demais povos latino-americanos, principalmente argentinos, chilenos, peruanos e mexicanos. Um bom exemplo é o fenômeno latino-americano das editoras artesanais de livros feitos com capas de papelão (cartón em espanhol), impulsionado especialmente pelo poeta Ademir Demarchi, fundador da editora cartonera Sereia Ca(n)tadora, cujo primeiro título, lançado em novembro de 2010, foi Voo de Identidade, do poeta peruano Óscar Limache, em edição bilíngue traduzida por Alessandro Atanes, jornalista e escritor.

Além de poetas brasileiros, como Regina Alonso, Madô Martins, Paulo de Toledo, Flávio Viegas Amoreira e Marcelo Ariel, a Sereia tem se voltado para a publicação de poesia latino-americana inédita em português com outros quatro títulos publicados: As palavras do Rímac, do mexicano Felipe Mendoza, e Berlim, da peruana Victoria Guerreiro Peirano, ambos traduzidos por Demarchi, e Viagens ImagináriasÀ espera do outono, de Javier Heraud, também peruano, publicados em um único volume com tradução de Atanes, que também é autor da tradução para o espanhol do poema Novas revelações do Príncipe do Fogo, de Marcelo Ariel, publicado na coletânea temática “Poesía para el fin del mundo”, da editora Kodama Cartonera, de Tijuana, México.


                                               II
Do lado de lá do continente, os peruanos têm retribuído o esforço brasileiro de divulgar a sua poesia. É o caso da Maribelina/Casa del Poeta Peruano, de Lima, do editor José Vargas Rodríguez, que lançou, em maio de 2015, Tiempo del Hombre: selección elemental bilíngüe español-portugués, de Anderson Braga Horta, poeta mineiro radicado em Brasília desde 1962, que reúne uma seleção de seus principais poemas traduzidos para o espanhol por ele mesmo e por tradutores daqui e de outras partes da América do Sul e da Espanha: Trina Quiñones (Venezuela), Abelardo de Paula  Gomes (Brasil), Francisco R. Bello (Argentina), Cecília Guerra (Brasil), Nahuel Santana (Argentina), Francisco Hernández Avilés (México), Felipe H. Trimboli (Argentina), Eduardo Dalter (Argentina), Perpétua Flôres (Brasil), José Antonio Pérez (Espanha), Kori Bolivia (Bolívia), Xosé Lois Garcia (Espanha), Claudio Sesin (Argentina), Mariano Shifman (Argentina), Manuel Cabelo (Espanha) e Cristian de Nápoli (Argentina), entre outros.

Poeta de estilo apurado e profundo conhecedor da métrica, Braga Horta é dono de vasta obra, que inclui livros sobre teoria e reflexão poética. Em Tiempo del Hombre, o que se destaca é a constante busca do poeta pela forma perfeita e o valor da palavra exata para manifestar o que vai por sua alma, o que resulta em ricas e insólitas imagens. Como exemplo, seguem o poema “O Tempo” e a tradução do poeta galego Xosé Lois Garcia (1945):

Soa a hora, sonora
no relógio de pêndulo.
Que sabemos do tempo?

O tempo não se deixa capturar
E pulsa, no escuro,
como um grande pássaro.

Inútil acender o dia.
Passa (e não  passa) o tempo.
                                   Mas
não fluvial, nem nuvens: como

as correntes marinhas
no mar imóvel,
flui o tempo em si mesmo.

“El Tiempo”

Suena la hora, sonora,
en el rloj de péndulo.
Que sabemos del tiempo?

El tiempo no se deja capturar.
Y pulsa, en la oscuridad,
como un gran pájaro.

Inútil encender el dia.
Pasa (e no pasa) em tiempo
                                   Pero
No fluvial, ni nubes: como

Las corrientes marinas
en el mar inmóvil,
fluye el tiempo em si mismo.

                                               III
Na apresentação que escreveu para este livro, José Guillermo Vargas, presidente-fundador da Casa del Poeta Peruano, considera a obra de Braga Horta “um hino ao direito de delirar, de sonhar, que tem a humanidade em face do bombardeio de antivalores”. E acrescenta que o poeta, “como o camponês de Saramago, sobe ao campanário da poesia e arrebata os sinos cada vez que observa um abuso ou uma glória em relação ao homem”. Segundo Vargas, essa atitude é muito importante nestes tempos em que “os vates se dedicam a cantar a si mesmos, “como crisálidas mudas e estáticas”. Por fim, considera este livro um “sinal de união entre os nossos povos desta América”.

                                               IV
Anderson Braga Horta (1934), nascido em Carangola, Minas Gerais, formou-se em 1959 pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil-RJ. Jornalista, professor e poeta de reconhecido prestígio na América Latina. Foi diretor legislativo da Câmara dos Deputados e co-fundador da ANE. É membro da Academia Brasiliense de Letras e da Academia de Letras do Brasil. Predominam em sua obra títulos de poesia, como Altiplano e outros poemas, de 1971, seguido de Marvário, Incomunicação, Exercícios de homem, O pássaro no aquário, reunidos, com inéditos, em Fragmentos da paixão (São Paulo: Massao Ono, 2000), que obteve o Prêmio Jabuti de 2001, mais Pulso (São Paulo: Barcarola, 2000), Quarteto arcaico (Guararapes, 2000), 50 poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro: Galo Branco, 2003), Soneto antigo (Brasília: Thesaurus, 2009) e De uma janela em Minas Gerais – 200 sonetos (miniedição em 4 vols., 2011).

Na linha da crítica e da ensaística, publicou pela Thesaurus o opúsculo Erotismo e poesia (1994), Aventura espiritual de Álvares de Azevedo: estudo e antologia (2002), Sob o signo da poesia: literatura em Brasília (2003), Traduzir poesia (2004), Testemunho & participação: ensaio e crítica literária (2007) e Criadores de mantra: ensaios e conferências (2007). Já conquistou 15 prêmios literários. Adelto Gonçalves - Brasil

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Tiempo del Hombre: selección elemental bilingüe español-portugués, de Anderson Braga Horta. Ciudad de Lima: Maribelina/Casa del Poeta Peruano, 122 págs., 2015. E-mail: casapoetaperuano@gmail.com
Site: www.casadelpoeta.com


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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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