“Portugal foi a criação do génio galego”
Pouco se pode dizer da Galiza sobre a
nossa cooperação lusófona no âmbito das Instituições.
Por um lado estamos aqui, entidades
lusófonas da Galiza, que como é óbvio, temos um posicionamento muito claro
neste campo e trabalhamos todos os dias para estarmos presentes e fazermos
achegas e colaborações e participações no âmbito da Lusofonia,
ajudando à criação de redes lusófonas abrangentes de todos, e disso é bom
exemplo, esta nossa presença neste II congresso da Cidadania Lusófona1.
Também não é casual que o órgão de
governo da Fundação Meendinho a que presido, esteja
constituído por galegos e portugueses.
Foto: MIL - Movimento Internacional Lusófono |
Com certeza que o papel da Galiza no
âmbito da Lusofonia tampouco deveria ser o mesmo de Goa e Macau, pois a Galiza
é o elemento gerador de Portugal e em definitivo da Lusofonia toda, como
exprimiu muito bem o historiador Alexandre Herculano numa famosa entrevista
no Jornal “O Primeiro de Janeiro” do Porto,
com a sua frase: “Portugal foi a criação do génio galego”, que cito de António Sérgio ,
na sua obra “Breve interpretação da história de Portugal”. 10ª ed.
Lisboa : Livraria Sá da Costa, 1981.
Quando falo da Galiza como
geradora de Portugal, – como quando falava Alexandre Herculano –, não estou a
falar da Galiza que hoje existe sob Espanha. a qual sendo só uma pequena parte.
acabou por usufruir o nome. Porem falo de uma Galiza histórica, que abrangia do
mar Cantábrico a bem mais para sul da atual Coimbra.
No ano de 914, no avanço da reconquista
para o sul, fundava-se o Mosteiro de
Lorvão e na sua ata fundacional figura In finibus
Galaecia. E essa Galiza que usufruiu o nome está
representada neste congresso pela instituição a que presido e a Associação
Pro-Academia Galega da Língua Portuguesa.
A cabeça dessa Galiza que
gerou Portugal, era Braga e por ser cabeça da Galiza nessa altura é pelo que
Braga continua a ser a Diocese Primaz de Portugal.
O compostelanismo e a sua visão da
península, e o seu enfrentamento – para tirar o poder de Braga –, está no cerne
do nascimento de Portugal, esse milagroso e providencial facto que nunca
poderemos agradecer bastante, os galegos e galegas – os bons e generosos – que
hoje usufruímos o nome.
Sem a existência de Portugal e sua obra,
quer dizer, se, pelo contrário, o modelo do compostelanismo tivesse sido o
triunfante em todo o nosso espaço identitário ocidental, hoje estaríamos muito
provavelmente todos perante uma realidade não muito além da que sofreu o espaço
cultural e linguístico asturo-leonês, do qual provavelmente o pequeno espaço do mirandês em
Portugal seja o espaço cultural desse âmbito mais vivo, reconhecido e
protegido. E não estaríamos em congressos como este, a ver com a construção de
uma cidadania lusófona.
O âmbito das
instituições
No âmbito das instituições, a Galiza
infelizmente, como aliás, se passa com Goa, Macau e Malaca,
não dispõe de capacidade para tomar uma posição nesse âmbito, estando como está
constrangida por Espanha, que é quem determina a sua política de
relacionamento, no nível internacional.
E isso, por não reunirmos as condições
da estatalidade, é dizer, de sermos mais um estado lusófono, embora essa
estatalidade for, como não pode ser de outro jeito, com todas as limitações que
hoje tem essa categoria no âmbito internacional, ele tão travado de redes de
relações e de cooperação, acordos e tratados intergovernamentais, ou com
organismos de novo estilo v.g. o da doutrina Jean
Monet – como foi o da Comunidade do Carvão e do
Aço que veio a dar na nossa atual União Europeia.
Galiza limita-se a uma comunidade
autónoma espanhola, a que se furtaram espaços territoriais, o espaço conhecido
como Faixa-leste, que faz parte das Astúrias e de Castela-Leão, espaço do qual
quero lembrar que no estatuto autónomo do território referendado na II
República espanhola se traçava o caminho para a sua reintegração e
reincorporação à Comunidade autónoma. Porém, essa República foi morta a sangue
e fogo – tudo em desmesura –, e os que a mataram e seus epígonos, negociaram a
sua intocabilidade na recuperação da democracia, e limites muito marcados aos
espaços, na estrutura provincial (distrital) espanhola.
As províncias espanholas são uma estrutura
da organização centralizada do Estado, e não espaços conformadores de
realidades doutro tipo2. É bom lembrar que o nascimento
dessas províncias foi o primeiro entrave que deu lugar a uma resposta a partir
da Galiza no século XIX, estando isso nas origens do moderno galeguismo.
Além disso, as forças madrilenas foram
firmes em evitarem que
a Galiza recuperasse as suas instituições estatutárias e republicanas do exílio,
e a Galiza salvo seis escassos anos do seu período autonómico, sempre foi
governada, em todos os seus extremos e cantos, por partidos a afirmarem a
supremacia do madrilenismo-castelhanismo, o qual se traduziu em políticas
culturais e linguísticas onde se visa ligar o português da Galiza ao romance
peninsular central, dialetalizando-o, e afastando-o do mundo lusófono; quer
dizer, nacionalizando e
estatalizando o nosso português da Galiza, como só
mais uma língua “espanhola”.
Neste mês de abril – no dia oito – foi
publicada a Lei 1/2014, Para
o aproveitamento do relacionamento com o português e dos vínculos com a
Lusofonia, aprovada por unanimidade do Parlamento da Galiza, e cuja
realidade deve-se, em não pouca medida, ao empenho de
entidades lusófonas como as que participamos neste II
Congresso.
Essa Lei abre o caminho à presença da
nossa língua na Galiza, - na sua farda portuguesa e internacional, a da Academia Galega da língua Portuguesa –
e à participação da Galiza institucional no âmbito lusófono.
Porém é uma lei que do ponto de vista
jurídico, quer dizer, dos elementos que conformam uma lei, carece do elemento
da sua exigibilidade, o elemento coativo que carateriza as leis, pelo que
aguardemos que não acabemos mais uma vez num desideratum, num anseio
que não se realiza, e o seu possível sucesso, seja mais um miragem, não sendo
que a Lei acabe fazendo parte, não de um projeto galego, e sim do projeto
espanhol de incutir-se, vender-se, e influir na Lusofonia.
As nossas prioridades
na cooperação lusófona
Para a Galiza o prioritário na
cooperação lusófona, é o sucesso da Lusofonia no âmbito
internacional, com todos os efeitos benéficos que isso pode trazer para a
Galiza, que não são poucos, e que nalguns campos vão além do que de bom tem
esse princípio benéfico, no resto do espaço lusófono.
Além disso, a Galiza faz parte de
um espaço de integração e cooperação comum com Portugal, – por ser
espanhola e a Espanha também fazer parte desse espaço –, estou a
referir-me ao espaço da União Europeia.
A União Europeia é muitas coisas, agora
fraturada numa eurolândia sob a égide alemã e o resto.
Mas há um ponto que informou
substantivamente o seu nascimento, a luta contra as guerras intraeuropeias.
Acredito que isso é o seu cerne, o seu primeiro valor. A União Europeia desde
os começos aparece como uma garantia de que no seu espaço os problemas, conflitos
entre Estados e outros,
têm de se resolver sempre de modo pacífico.
Isso fazia parte do objetivo
ideológico dos fundadores, o de acabarem com a sangria contínua de guerras que
se davam no espaço europeu, com milhões e milhões de mortos (só na primeira
metade do século XX, mais de 100 milhões de mortos) e inúmeras destruições,
todos ajustando contas com os vizinhos, submetendo-os, dominando-os,
roubando-os, exterminando-os, ou lidando sobre a quem temos que colocar círios
nas igrejas; ou discutindo a destruição, dominação e colonização do resto do
espaço terrenal, e na procura de um intangível, o do sempre esbatido e difuso
equilíbrio europeu entre as potências que houver em cada altura.
Aliás, isso complicou-se pelo progresso
científico-técnico, que fez que a destruição seja muito mais efetiva e o
assassinato acabou industrializado3.
Tudo isso fazia que o espaço europeu não
pudesse definir-se como de Paz, pois a Paz era apenas esses
períodos que ficam entre o estado normal de guerras entre vizinhos,
colegas e amigos, e onde muito pouco cumpria para incendiar as
relações e estar de novo na baila da guerra.
Desde a II Grande Guerra e a criação do
projeto europeísta, que não é intergovernamental, e isso é a chave da doutrina
Jean Monet (o grande ideólogo do seu nascimento), vão lá 69 anos de paz, com só
pequenos arranhões na periferia dessa construção; o caso jugoslavo, onde o de
se afirmar o domínio de uns povos sobre outros e redefinir as relações
internas, incendiou um espaço anterior de respeito e cordialidade, e há de ser
finalmente o espaço da União Europeia, o que os acabe tornando à cordialidade.
Esse período de 69 anos, comparado com a
anterior história de breves períodos de paz, mesmo parece uma miragem.
Mas essa longa história de guerras e
enfrentamentos criou modelos de relacionamento entre Estados e até tiques
diplomáticos em muitos países, que ainda se arrastam pelo novo espaço europeu,
como se se aguardasse trovões e lôstregos4, desses vizinhos, antes sempre a
ameaçarem.
Portugal, é um Estado que soube gerir de
maneira excelente a sua situação, pois convivendo
com um dos Estados mais agressivos e imperialistas, aliás com o único com que
tem fronteira, Castela-Espanha, conseguiu sobreviver
centenariamente, e sair com pequenos esgaçamentos das muitas agressões que teve
de enfrentar.
Portugal, muitas vezes por malucos
portugueses, soube criar em todas as situações problemáticas alternativas
viáveis e de sucesso. Após Aljubarrota. Após o domínio Filipino e a brilhante
restauração, em que Portugal se converteu, viradas as costas ao resto da
península, no centro de um mundo. Após a independência do Brasil e a guerra
civil coroada com o seu Pedro IV e uma das constituições melhores da Europa no
século XIX, etc., etc.
Portugal foi quem de criar um mundo
pluricontinental para a nossa língua convertendo-a em uma das línguas
internacionais. A língua nossa já não é a língua de Portugal. Portugal é agora
só mais um parceiro, e não o mais importante, nem economicamente nem
demograficamente.
A Língua nossa é de todas as pessoas que
a falamos por todos os cantos do mundo, é, como dizia Pessoa, a nossa pátria
verdadeira. Essa pátria é diversa nos sotaques, mais tem que ser UNA. A
diversidade intrínseca interna das línguas plurinacionais não pode empecer o
sentirmo-nos todos nela da mesma pátria, nem ser causa de entraves localistas
que a coloquem numa posição subordinada a respeito doutras línguas
internacionais concorrentes.
O planeta é hoje mais pequeno, não há
espaços para colonizar, civilizar ou explorar. O sistema internacional ganhou
em interações, e os Estados – até os mais poderosos – já não agem em
praticamente nada absolutamente livres e sem terem em conta outras vontades.
Para a Galiza, para o povo galego, é
fulcral o jogo que faça Portugal no quadro europeu. É fulcral o sucesso de
Portugal em todos os campos. Quanto mais grande for o sucesso de Portugal, e o
seu compromisso e empatia com os problemas da sua língua – por toda parte–. e
nomeadamente com os problemas da Lusòfonia no quadro europeu, mais poderá tirar
de proveito a Galiza.
O quadro europeu, é esse quadro onde as
questões se têm de arranjar de maneira pacífica, e não é possível outra
maneira, os Estados não podem tomar medidas de nenhum tipo unilaterais
sobre outros Estados, pois a União Europeia não é o resultado de acordos
intergovernamentais, e sim uma estrutura doutro tipo, a quem os Estados
transferiram competências no quadro dos tratados, e essas competências já não
são suas, dos Estados originários.
Portugal nesse quadro, nas relações
peninsulares, continua com tiques que foram elementos de sucesso na sua longa
história. Porém, agora já não se pode agir sem que os outros ajam também, até
no interno do Estado.
Empresas de um ou de outro lado
instalam-se por toda a parte ou até ocupam espaços que no século XIX se diria
que constituem o cerne da segurança nacional. As empresas todas têm nação, isso
da desnacionalização das empresas transnacionais é piada para incautos.
Portugal continua a perceber as relações
peninsulares como cousa de dous. As cimeiras ibéricas pouca mais-valia estão a
fornecer a Portugal, antes pelo contrário, ao manter tiques do passado com o
poderoso vizinho. Portugal não foi capaz de usar essas cimeiras nem para trazer
à tona e resolver de vez a vergonhosa e ilegítima ocupação de Olivença. As
relações intrapeninsulares é preciso vê-las sempre no contexto europeu.
No contexto europeu, não despareceram
velhos conflitos. Espanha é mesmo bem firme na questão de Gibraltar, ainda que
a pertença de Gibraltar ao Reino Unido é absolutamente legítima de acordo com
os tratados. Na Sentença do Tribunal Europeu sobre as seleções de futebol e a
oposição radical de Espanha à existência da seleção de Gibraltar, sofreram um
grande revés jurídico, mas isso não deu para mudarem o compasso da
revindicação; nem isso empece que o relacionamento hispano-inglês seja bom,
como não poder ser de outra maneira no novo quadro, salvo asneira. No caso de
Olivença passa exatamente o contrário de Gibraltar; porém, os velhos tiques
adquiridos fazem que não se formule a solução para o problema.
No contexto europeu temos pequenos
Estados, como o caso da Hungria, que são muito ativos na defesa da sua língua
para as minorias que a têm por própria noutros Estados: Eslováquia, Roménia,
Sérvia, Áustria e Ucrânia. Como se ouviu a sua voz, há bem pouco, quando o Maidam no
poder agora na Ucrânia modificou o reconhecimento da diversidade linguística e
a oficialização das diversas línguas no território onde forem faladas. Pois
bem, isso faz parte do consenso nacional dos magiares, e até está inscrito na
sua Constituição. Como está inscrita na Constituição portuguesa no seu artigo
7.3 que "Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação
e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra
todas as formas de opressão". Porém, sem de momento modificar
ações e comportamentos, ainda que exista um solene mandato legal para o fazer.
Um dos alicerces dum projeto de Portugal
de futuro tem que estar alavancado na língua e na projeção lusófona e da
Lusofonia. E Portugal tem de adotar um posicionamento pró-ativo na defesa dos
lusófonos no quadro europeu, que não significa questionar realidades doutros
Estados, mas defender os da comum pátria pessoana.
Se a Galiza sob Espanha não for
percebida por Portugal como um território com a língua comum, e na que ela está
verdadeiramente ameaçada sob políticas muito ativas e agressivas para a banir –
Olivença pode ser bom exemplo, com a limpeza étnica realizada na sua nacionalização espanhola
–, a Galiza acabará funcionando como uma alavanca espanhola de enfraquecimento
e debilitamento e erosão de Portugal.
Os galegos e galegas, os lusófonos
europeus todos, necessitamos de um Portugal forte e com um projeto nacional
abrangente e de futuro.
Há neste momento, devido a duras
circunstâncias, um pessimismo tenebroso em muitas cabeças das elites5 envergonhadas portuguesas,
e do povo – um dos mais nobres povos do mundo –. Porém, podemos ver as
circunstâncias como uma oportunidade, uma necessidade de repensarmos o sermos
no mundo, e pensarmos oportunidades, medidas e outras questões a tomar para que
esse projeto nacional de futuro, forte e abrangente seja uma realidade.
Da Galiza, que já disse que necessitamos
desse Portugal para termos futuro, da Meendinho, gostaríamos de começar a fazer
algumas sugestões numa proposta de reforma do Estado, mas não é esta a altura
mais indicada nem a adequada.
Já que logo quero convidar o MIL, o
PASC, a Sociedade Geográfica Portuguesa e tantas instituições aqui
participantes, a convocarem umas jornadas para debater, fazer achegas, fazer
propostas, para o novo Portugal alegre, firme e abrangente e satisfatório para
a sua população que todos necessitamos. O processo poderia ser divido em áreas
de trabalho, e em cada uma delas ir fazendo-se estudos e debates prévios, para
termos claros os campos fracos e fortes, para medidas a adotar, e logo pondo
propostas em comum, que há que fazer que sejam mobilizadoras das energias do
povo de Portugal. Alexandre Banhos –
Galiza
In “Intervenção no II
Congresso sobre a Construção da cidadania lusófona. Lisboa 15, 16 de Abril
2014.”
Notas:
1[1] Já tive a honra de
representar a Fundação Meendinho no I Congresso de Cidadania Lusófona:http://www.academiagalega.org/images/stories/2013/20130403_alexandre_banhos_discurso_cidadania_lusofona.pdf.
2[1] É bom lembrar, hoje que se
ouve tanto falar da Catalunha, que o seu estatuto de autonomia da Segunda
República incorporou ao espaço da província de Lérida/Lleida a parte de língua
catalã de Aragão, o que chamam na geografia da Catalunha Franja de Ponent. E o
primeiro que vai fazer a ditadura foi reduzir o seu território.
3[1] O processo de extermínio
nazista de populações em campos onde o assassinato foi industrializado.
4[1] Forma antiga do português,
viva no norte e na Galiza para a palavra acadêmica raio – resplendor produzido
por descarga elétrica numa tormenta. Raio em português, e nesse contexto, é
palavra de origem castelhana.
5[1] Muitas das elites
portuguesas agem envergonhadas, como se em realidade quiserem ser outra coisa.
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