A quantos chegas ó desespero ou a
intempestividade de uma confrade das lides jurídicas
No meu opúsculo “Angola: a terceira
alternativa”, enunciei, embora muito genericamente, algumas ideias sobre como
se poderia sair pacificamente da situação transicional tensa que se vive em
Angola, enquanto é cedo, na base da minha experiência e das minhas reflexões e
estudos. Para isso abandonei provisoriamente (poderá ser definitivamente e o
céu não vai cair) a ideia do regresso à política activa, por pensar que há este
espaço a ser preenchido por mais velhos como eu, num combate que em Angola se
provou ser muito difícil ser ganho só na vertente da luta político-partidária
pura e dura.
Para se aferir a gravidade da situação – e
essas coisas devem ser ditas para o bem da concórdia humana e nacional – uma
confrade minha, no domínio do direito, próxima da família presidencial,
agrediu-me, recentemente, por palavras, sem se referir a essas minhas
propostas, que convenhamos são bastante razoáveis, embora apenas indicativas e
naturalmente discutíveis.
A sua agressão devia-se pura e simplesmente
ao facto de eu pertencer à mesma etnia de Samakuva e Chivukuvuku, que há
tempos, como líderes da oposição, levantaram questões do amplo conhecimento
público, relativas aos exageros da família presidencial, com a conivência de
governantes e empresários portugueses, que acham ser desnecessário procurar
saber da origem de avultadas somas de dinheiros transferidos de Angola para
Portugal, para a compra de activos, ao que chamam de “investimentos de
empresários angolanos em Portugal”, entre outros aspectos, que devem ter atingido
a minha agressora.
Sem qualquer propósito, a minha companheira
de sítio, na celebração do 5º aniversário do Tribunal Constitucional,
repetiu-me estereótipos que caem tão mal da boca de uma cientista, do tipo:
“Vocês fiquem a saber que não aceitaremos presidentes umbundos ou bakongos,
seus tribalhistas! Nós vos acolhemos aqui tão bem, porque não regressam para as
vossas terras e voltam a vestir casca de árvores e peles de animais”. Assim
mesmo e não estava a brincar! Eu ri-me meio espantado e meio compadecido, com
aquelas palavras tão acientíficas que já ouvi muitas vezes em surdina, mas
nunca tão alto e da boca de uma cientista renomada!
Assim sempre será, quando a atrapalhação
começa a apelar para o falso problema de raças e etnias amaldiçoadas, para justificar
os próprios pecados! Felizmente para mim, consegui conter-me o máximo para
poder ouvir aquelas coisas da bela e enraivecida senhora que se foi sentar
voluntariamente ao meu lado. É que com a idade que tenho, com as observações e
percepções adquiridas ao longo da vida, sei que essas concepções confusas
(infelizmente perigosas) são “falsificadas” todos os dias em Angola e no mundo.
Quantos regimes acabaram mal (o próprio nosso colonialismo português!), por
causa dessa ideia abjecta de que há grupos de seres humanos superiores a outros
devido à sua localização geográfica, à sua coloração de pele ou a seus hábitos
e costumes? E depois tribalhistas e racistas são “os outros”! Vejam só!
Na Angola de hoje, definitivamente, o
problema não é de “sulanos, nortenhos e outros bantos atrasados que querem
correr com crioulos e pretos civilizados de Luanda” (palavras de minha confrade
que peço a todos e a Deus que a perdoem; eu já a perdoei!). O problema estará
resolvido se o Presidente José Eduardo der profundidade aos seus aparentes
gestos de apaziguamento dos últimos tempos, não se isolando da realidade. Para
isso deverá contar com a ajuda dos que o cercam, que não deverão continuar a
puxar por argumentos passadistas, quando o problema está bem vivo no presente e
é essencialmente da sua própria responsabilidade.
Se a minha companheira de sítio no Palácio da
Justiça se acalmasse, veria muito claramente que entre as vozes corajosas que
denunciam o statu quo provocado pelo desvirtuamento do regime político angolano,
para a retenção do poder e o enriquecimento exagerado e inexplicado de alguns
elementos da família e do grupo presidencial (que eu pessoalmente estimo como
seres humanos de que estive próximo!) estão gente de todas as cores, de todas
as etnias e de todas as regiões. Não estamos mais perante os velhos problemas
do MPLA de kamundongos e mulatos comunistas, da UNITA dos atrasados bailundos,
da FNLA dos bakongos ou regressados, do Fraccionismo de quimbundos e mulatos
matumbos ou enganados pelos comunistas portugueses, etc., etc.; que ainda
pesam, é verdade, mas já de forma secundária e poderiam esmorecer
completamente, se houvesse sinais claros de se resolver o principal problema de
hoje e se se promovesse uma verdadeira reconciliação nacional, “a partir de cima”.
Com ou sem essas intimidações de ouvido (que
venham as mais drásticas!), enquanto vivermos, não deixaremos de nos pronunciar
sobre a necessidade do Presidente José Eduardo devolver o poder do Estado ao
Povo angolano de todas raças, etnias e regiões.
Nós que, com toda a moderação e humildade nos
pronunciamos sobre o assunto, e mesmo alguns que o fazem já com algum
radicalismo, onde incluo os sofridos jovens “revus”, não somos os perigosos.
Perigosos são os que nutrem ódios e andam calados ou até bajulam; e há-os em
todos os nortes, centros e sus; em todas raças e etnias; em todos os partidos e
organizações, mesmo as supostamente próximas do Presidente, porque um sistema
discriminatório e que controla a comunicação social como o nosso – está provado
pela História – dificilmente satisfaz a todos mas encobre a realidade.
Já sei que ao me lerem vão dizer que traí a
minha companheira de lugar que me falou ao ouvido. Pensem, por favor, que
coisas assim são muito graves para serem silenciadas. Também vão repetir que
sou um “frustrado” que “cospe no prato onde comeu”. Repetir por vezes aborrece.
Mas como professor e originário de um meio tradicional africano banto, aprendi
que repetir é uma das melhores formas de aprender. Por isso repetirei também
que eu não sou nenhum frustrado, tão simplesmente porque nunca estive em
funções públicas para “comer em prato nenhum”, embora naturalmente tenha
usufruído e de certa forma usufrua ainda das benesses do poder, dentro de
limites. A minha participação assumida no sistema de partido único terminou em
1992, num processo autocrítico difícil mas que não me deixou remorso
absolutamente nenhum, pelo contrário, me libertou. O regime actual, na minha
pobre mas forte opinião, não é regime de um partido. É um regime essencialmente
do Presidente José Eduardo dos Santos, de que o MPLA é “obrigado” a ser
apêndice. É um regime no qual nunca participei nem participarei de boca
fechada, mas estou disposto a ajudar a sairmos dele de forma pacífica.
É esta mensagem, pelos vistos muito difícil,
que tento passar. Só! Marcolino Moco –
Angola in “marcolinomoco.com”
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