Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Repetir para aprender

A quantos chegas ó desespero ou a intempestividade de uma confrade das lides jurídicas

No meu opúsculo “Angola: a terceira alternativa”, enunciei, embora muito genericamente, algumas ideias sobre como se poderia sair pacificamente da situação transicional tensa que se vive em Angola, enquanto é cedo, na base da minha experiência e das minhas reflexões e estudos. Para isso abandonei provisoriamente (poderá ser definitivamente e o céu não vai cair) a ideia do regresso à política activa, por pensar que há este espaço a ser preenchido por mais velhos como eu, num combate que em Angola se provou ser muito difícil ser ganho só na vertente da luta político-partidária pura e dura.

Para se aferir a gravidade da situação – e essas coisas devem ser ditas para o bem da concórdia humana e nacional – uma confrade minha, no domínio do direito, próxima da família presidencial, agrediu-me, recentemente, por palavras, sem se referir a essas minhas propostas, que convenhamos são bastante razoáveis, embora apenas indicativas e naturalmente discutíveis.

A sua agressão devia-se pura e simplesmente ao facto de eu pertencer à mesma etnia de Samakuva e Chivukuvuku, que há tempos, como líderes da oposição, levantaram questões do amplo conhecimento público, relativas aos exageros da família presidencial, com a conivência de governantes e empresários portugueses, que acham ser desnecessário procurar saber da origem de avultadas somas de dinheiros transferidos de Angola para Portugal, para a compra de activos, ao que chamam de “investimentos de empresários angolanos em Portugal”, entre outros aspectos, que devem ter atingido a minha agressora.

Sem qualquer propósito, a minha companheira de sítio, na celebração do 5º aniversário do Tribunal Constitucional, repetiu-me estereótipos que caem tão mal da boca de uma cientista, do tipo: “Vocês fiquem a saber que não aceitaremos presidentes umbundos ou bakongos, seus tribalhistas! Nós vos acolhemos aqui tão bem, porque não regressam para as vossas terras e voltam a vestir casca de árvores e peles de animais”. Assim mesmo e não estava a brincar! Eu ri-me meio espantado e meio compadecido, com aquelas palavras tão acientíficas que já ouvi muitas vezes em surdina, mas nunca tão alto e da boca de uma cientista renomada!

Assim sempre será, quando a atrapalhação começa a apelar para o falso problema de raças e etnias amaldiçoadas, para justificar os próprios pecados! Felizmente para mim, consegui conter-me o máximo para poder ouvir aquelas coisas da bela e enraivecida senhora que se foi sentar voluntariamente ao meu lado. É que com a idade que tenho, com as observações e percepções adquiridas ao longo da vida, sei que essas concepções confusas (infelizmente perigosas) são “falsificadas” todos os dias em Angola e no mundo. Quantos regimes acabaram mal (o próprio nosso colonialismo português!), por causa dessa ideia abjecta de que há grupos de seres humanos superiores a outros devido à sua localização geográfica, à sua coloração de pele ou a seus hábitos e costumes? E depois tribalhistas e racistas são “os outros”! Vejam só!

Na Angola de hoje, definitivamente, o problema não é de “sulanos, nortenhos e outros bantos atrasados que querem correr com crioulos e pretos civilizados de Luanda” (palavras de minha confrade que peço a todos e a Deus que a perdoem; eu já a perdoei!). O problema estará resolvido se o Presidente José Eduardo der profundidade aos seus aparentes gestos de apaziguamento dos últimos tempos, não se isolando da realidade. Para isso deverá contar com a ajuda dos que o cercam, que não deverão continuar a puxar por argumentos passadistas, quando o problema está bem vivo no presente e é essencialmente da sua própria responsabilidade.

Se a minha companheira de sítio no Palácio da Justiça se acalmasse, veria muito claramente que entre as vozes corajosas que denunciam o statu quo provocado pelo desvirtuamento do regime político angolano, para a retenção do poder e o enriquecimento exagerado e inexplicado de alguns elementos da família e do grupo presidencial (que eu pessoalmente estimo como seres humanos de que estive próximo!) estão gente de todas as cores, de todas as etnias e de todas as regiões. Não estamos mais perante os velhos problemas do MPLA de kamundongos e mulatos comunistas, da UNITA dos atrasados bailundos, da FNLA dos bakongos ou regressados, do Fraccionismo de quimbundos e mulatos matumbos ou enganados pelos comunistas portugueses, etc., etc.; que ainda pesam, é verdade, mas já de forma secundária e poderiam esmorecer completamente, se houvesse sinais claros de se resolver o principal problema de hoje e se se promovesse uma verdadeira reconciliação nacional, “a partir de cima”.

Com ou sem essas intimidações de ouvido (que venham as mais drásticas!), enquanto vivermos, não deixaremos de nos pronunciar sobre a necessidade do Presidente José Eduardo devolver o poder do Estado ao Povo angolano de todas raças, etnias e regiões.

Nós que, com toda a moderação e humildade nos pronunciamos sobre o assunto, e mesmo alguns que o fazem já com algum radicalismo, onde incluo os sofridos jovens “revus”, não somos os perigosos. Perigosos são os que nutrem ódios e andam calados ou até bajulam; e há-os em todos os nortes, centros e sus; em todas raças e etnias; em todos os partidos e organizações, mesmo as supostamente próximas do Presidente, porque um sistema discriminatório e que controla a comunicação social como o nosso – está provado pela História – dificilmente satisfaz a todos mas encobre a realidade.

Já sei que ao me lerem vão dizer que traí a minha companheira de lugar que me falou ao ouvido. Pensem, por favor, que coisas assim são muito graves para serem silenciadas. Também vão repetir que sou um “frustrado” que “cospe no prato onde comeu”. Repetir por vezes aborrece. Mas como professor e originário de um meio tradicional africano banto, aprendi que repetir é uma das melhores formas de aprender. Por isso repetirei também que eu não sou nenhum frustrado, tão simplesmente porque nunca estive em funções públicas para “comer em prato nenhum”, embora naturalmente tenha usufruído e de certa forma usufrua ainda das benesses do poder, dentro de limites. A minha participação assumida no sistema de partido único terminou em 1992, num processo autocrítico difícil mas que não me deixou remorso absolutamente nenhum, pelo contrário, me libertou. O regime actual, na minha pobre mas forte opinião, não é regime de um partido. É um regime essencialmente do Presidente José Eduardo dos Santos, de que o MPLA é “obrigado” a ser apêndice. É um regime no qual nunca participei nem participarei de boca fechada, mas estou disposto a ajudar a sairmos dele de forma pacífica.

É esta mensagem, pelos vistos muito difícil, que tento passar. Só! Marcolino Moco – Angola in “marcolinomoco.com”

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